Comunicação entre cientistas e jornalistas avança, mas é preciso facilitar o diálogo

Por Carolina Medeiros e Germana Barata, do Divulga Ciência

A maior universidade pública do país e responsável pela maior fatia de produção científica da América Latina, a USP, quer melhorar a interação entre seus cientistas e os jornalistas, em busca de mais visibilidade para suas pesquisas. Foi com este intuito que ocorreu, no último dia 30, o Workshop Comunicação e Pesquisa, que reuniu boas iniciativas de divulgação via Agência USP e jornalistas experientes na cobertura da ciência e tecnologia.

Na primeira mesa foi composta pelos jornalistas Mônica Teixeira (diretora e apresentadora da TV Univesp e responsável pela implementação do programa de divulgação científica da USP), Fabrício Marques (editor executivo da revista Pesquisa Fapesp) e Marcelo Leite (colunista do jornal Folha de S.Paulo) —a mediação foi realizada por Roberto Castro (Superintendência de Comunicação Social da USP).

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Da esquerda para a direita, Fabrício Marques (Revista Fapesp), Mônica Teixeira (diretora e apresentadora da Univesp Tv), Roberto Castro (Superintendência da USP), Marcelo Leite (colunista do jornal Folha de S. Paulo). Crédito: Carolina Medeiros/Divulga Ciência

Mônica, que já atuou na Rede Globo e TV Cultura, defendeu que na USP, as grandes estrelas das notícias sobre ciência são os docentes e o que eles sabem. A divulgação da ciência, lembra, é também uma forma da comunidade saber sobre as produções de seus pares. Atualmente, são cerca de 6 mil docentes, 1938 auxílios à pesquisa e 4317 bolsas em andamento na instituição, segundo dados extraídos da Biblioteca Virtual da Fapesp, principal financiadora de pesquisa da universidade. “Há muita coisa que a sociedade não sabe e nem vocês [especialistas da USP] sabem. Não é fácil no nosso dia-a-dia ter claro sobre os interesses de vocês e a pauta que interessa à sociedade. É nesse sentido que os jornalistas podem ajudar”, afirmou. A divulgação também é uma forma, lembra, de aumentar o entendimento daqueles que querem estudar na USP e que precisam ter uma imagem desmistificada.

A relação entre pesquisadores e jornalistas é respeitosa e exitosa. Pelo menos na revista Pesquisa Fapesp, como descreveu o editor de política de C&T, Marques. A publicação, que iniciou suas atividades há 20 anos como um boletim de notícias da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), se tornou uma revista em 1998 e tinha como meta divulgar os investimentos em pesquisa para a sociedade. Em 2014, os recursos que superaram R$1,2 bilhão, fruto de 1% da arrecadação do tesouro do estado.

A revista Pesquisa Fapesp envia as matérias para que suas fontes façam uma revisão técnica do conteúdo antes de serem publicadas, prática raramente adotada por publicações não institucionais, o que lhes garante maior confiança de suas fontes. “Trabalhamos muito com os pesquisadores, eles confiam no nosso trabalho, sabem que não vamos tratar mal os estudos deles”, explicou. A confiança, porém, não precisa estar garantida apenas nesse acesso ao texto, mas sobretudo na competência dos profissionais.

Uma análise mais crítica foi feita pelo colunista e ex-editor da seção de Ciência do jornal Folha de S.Paulo, Marcelo Leite. Ele enfatizou que apesar da USP estar melhor posicionada no ranking das melhores universidades do país, lhe falta um melhor diálogo com a mídia, sobretudo no quesito do acesso às principais fontes de informação: os docentes e alunos de pós-graduação. Leite contou que, em debate com jornalistas de ciência, concluiu-se que é mais fácil entrevistar um especialista da Universidade de Harvard, uma das mais bem conceituadas do mundo, do que um da USP. Na visão dele, o problema é a falta de estrutura de comunicação. O mesmo ocorre na principal base de currículos do país, o currículo Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que não divulga email de contato com os mais de um milhão perfis. O site da USP, por sua vez, lembra, exige muitos “cliques” para se chegar ao departamento do especialista e, mesmo assim, não é possível obter seu contato direto, ao contrário do que ocorre em Harvard. “Quem faz divulgação científica tem que ser capaz de enxergar com olhos de quem não faz parte daquela comunidade”, finaliza. Para Leite a USP não sabe falar para a sociedade.

Essa, certamente, não é a opinião dos três especialistas da USP que dividiram a mesa seguinte, mediada pelo jornalista Antonio Carlos Quinto, da Agência USP de Notícias, para contar sobre suas experiências bem sucedidas em divulgar suas pesquisas através do veículo da universidade.

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Marcelo Zuffo (professor do Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas da Escola Politécnica da USP), Maria Luiza Tucci Carneiro (Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), Antônio Carlos Quinto (Agencia USP de Notícias), Ernane Xavier da Costa, do Laboratório de Física Aplicada e Computacional da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, da USP. Crédito: Carolina Medeiros/Divulga Ciência

Dentre as várias matérias de divulgação do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFCLH – USP), relatadas pela professora Maria Luiza Tucci Carneiro está o caso de uma pesquisa de mestrado que analisou o caso do Preventório Santa Terezinha, uma instituição que abrigava filhos de pacientes com hanseníase durante o Governo Getúlio Vargas. Após a divulgação da matéria uma dessas crianças, hoje um adulto, entrou em contato com o pesquisador e seu depoimento foi revelador: indicou que as imagens de bem estar divulgadas sobre as crianças eram fraudulentas, pois as crianças sofriam maus tratos e tinham suas correspondências apreendidas ao invés de seguir para as famílias.

Marcelo Zuffo, professor do Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas (Citi-NAP) da Escola Politécnica (Poli) da USP, descreveu o caso da Caverna Digital, um centro interdisciplinar e de tecnologias interativas, no qual são estudados diversos mecanismos e controle através do cérebro, cujas pesquisa chegou ao conhecimento da Agência USP através de um resumo acadêmico. O interesse despertado sobre o tema acabou gerando matéria para a universidade e, posteriormente, para a TV Globo. O professor defendeu que os pesquisadores pensem em produzir materiais de divulgação de suas pesquisas e artigos de modo a chegar à Agência de Notícias USP e, a partir dela, à grande mídia.

Outra experiência bem sucedida foi a de Ernane Xavier da Costa, do Laboratório de Física Aplicada e Computacional (Lafac) da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA-USP). A partir de uma matéria publicada na Agência USP sobre uma geladeira com um dispositivo que permite, por meio de campo gravitacional, conservar os alimentos, em especial carnes, por mais tempo do que a geladeira tradicional. A matéria gerou pauta para outros veículos, como por exemplo, a EPTV. Costa acredita que a Agência tem o papel de valorizar o trabalho de muitos pesquisadores, dentro e fora da universidade. “O papel da Agência USP é de ouvir as formigas da universidade”, finalizou, comparando as inúmeras pesquisas realizadas na USP como pequenas contribuições de um exército de especialistas, cada qual com sua importância.

A iniciativa da Superintendência de Comunicação Social da USP foi bastante positiva, resultado de um reconhecimento na importância estratégica da comunicação para uma instituição conceituada e que busca mais visibilidade interna e externa. Na prática, o evento teria ganhado se investisse justamente no que propôs aos seus participantes: na maior interação e diálogo entre especialistas e jornalistas convidados. Ficou mais forte a imagem de que há mais avanços do que falhas a serem superadas.

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