Encontros com acompanhamento psicológico trazem reinserção social e profissional
Por Bruno Vaiano – brunoalmeidavaiano@gmail.com
Publicado originalmente na Agência Universitária de Notícias da USP
O transplante de medula óssea (TMO), hoje esperança de cura para muitas doenças outrora fatais, restringe severamente, por suas complicações e seu longo processo de recuperação, a retomada da rotina original de seus pacientes. “Disfunção sexual, dificuldade nas relações sociais, perda de independência e de capacidade produtiva podem resultar em importantes alterações psicológicas e psiquiátricas”, aponta Érika Arantes de Oliveira Cardoso, psicóloga da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto.
Já faz 12 anos que a pesquisadora organiza oficinas artísticas com os beneficiados do Grupo de Apoio ao Transplantado de Medula Óssea (GATMO), também de Ribeirão, buscando a reinserção social dos enfermos e a redução do abalo psicológico subsequente. Em 2003, quando começaram as atividades, a situação era diferente: “Os pacientes ficavam muito inativos, e o mais grave, com a vida centrada no tratamento, ficando à espera da hora do remédio, da hora do retorno ao hospital”, comenta Érika.
O TMO é motivo, portanto, de grande preocupação tanto entre médicos como entre os familiares dos transplantados. “Creio que não seja possível compreender ou mensurar quais as consequências do ‘silêncio’ aos pacientes que não puderam participar das oficinas”, diz Bruna Von Zuben, bolsista envolvida com o projeto. Irritabilidade, desorientação, perda de motivação e medo de morrer são alguns dos problemas verificados no pós-operatório. “Muitos estudos mostram a complexidade e intensidade da demandas emocionais, físicas e ocupacionais associadas ao transplante”, afirma Érika.
No início, o mosaico, pelo fácil manuseio, era a principal técnica aplicada nas oficinas, e os resultados eram vendidos. Após 2008, porém, foram introduzidos jogos, filmes e outras atividades, e em 2014 houve uma nova reformulação. “O primeiro momento era voltado a musicalização, os estagiários levavam instrumentos e confeccionam outros com os pacientes”, diz Érika. Havia, então, outras atividades, que incluíam fotografia. “Os alunos se reúnem comigo e com Manoel Antônio dos Santos [outro professor da área] semanalmente para planejarmos a intervenção da semana e discutirmos a oficina da semana anterior.”.
Experiência
Acompanhado, no início, pela terapeuta Ana Paula Mastropietro, hoje o projeto da pesquisadora já tem no histórico bolsistas oriundos dos cursos de psicologia, enfermagem e terapia ocupacional. Bruna, que terminou sua graduação em psicologia na USP de Ribeirão Preto em 2014, foi bolsista de projetos de cultura e extensão entre 2012 e 2014. Logo no início do programa, começou a colaborar com as oficinas terapêuticas da GATMO, experiência que gerou um artigo publicado na última edição da Revista de Cultura e Extensão da USP.
“Para ser sincera, a área da psicologia hospitalar nunca fora minha área pretendida”, conta Bruna, que optou pela área no estágio para aumentar seu leque de experiências. “Surpreendi-me com tal experiência positivamente, o resgate da potência dos pacientes por meio de sua expressão nas atividades propostas fez com que eu me envolvesse ainda mais com o projeto”.
A terapia, além de atingir seus objetivos, foi além. Érika se lembra do caso de Pedro, menino de baixa renda que na época de sua entrada na clínica, com apenas 11 anos, já havia se envolvido com atividades ilícitas. “Resolvemos tentar aproveitar a experiência dele do passado, que envolvia negociações, e fizemos a proposta para que ele nos ajudasse na compra e na venda dos materiais da oficina”. Pedro se animou, produziu a coruja que ilustra a reportagem, com a qual presenteou a pesquisadora, e hoje trabalha no comércio.
Flávia Prado Patrocínio, outra bolsista, sempre foi interessada em psicologia hospitalar e doenças crônicas. Começou a participar das oficinas no terceiro ano de graduação, e renovou a bolsa: “[As oficinas] proporcionaram o primeiro contato direto com pacientes e a prática profissional, visto que no nosso curso os estágios começam apenas no quarto ano”. Ela se lembra de outro paciente, que após oferecer grande resistência à iniciativa, deu a sugestão de que fizessem um filme para contar como era um dia no GATMO.
“Atualmente sou aluna de mestrado e continuo inserida nesse contexto de hospital e de pacientes crônicos, mas agora com ênfase em doenças neurodegenerativas”, comenta Flávia.
O artigo completo está disponível no portal de revistas da USP.