“Como um bichinho tão lento, molenga e de aparência frágil pode dominar um lugar tão rápido assim?!” Foi isso que pensei quando me deparei, em um quintal que frequento, com uma infestação do caramujo-gigante africano (Achatina fulica). Fiquei abismado com o fato de, em questão de uma semana para outra, o número de animaizinhos ter aumentado tanto.
Mas quem é esse caramujo e por que ele virou uma praga (que só quem conhece sabe o impacto e a dificuldade de eliminar)? Ele é o convidado (ou, melhor, penetra) para estrear a série de posts “De alimento a tormento”, onde iremos tratar de casos de animais, plantas, etc que, trazidas para nosso país para serem criados/cultivados como alimento, tornaram-se – por algo ter dado muito errado – pragas agrícolas, vetores de doenças, ameaças ecológicas (ou tudo isso junto).
Ao “caramujo”
Apesar do nome popular, o caramujo-africano é, mais precisamente, um caracol (por ser pulmonado e viver fora d’água). Para evitar confusão, no entanto, vamos continuar chamando-o pelo nome mais amplamente utilizado (mesmo em publicações científicas). O caramujo A. fulica veio para o Brasil na década de 80, para ser criado como Escargot – caracol comestível utilizado na culinária francesa e que tem alto valor nos restaurantes. Por ser mais resistente e ter reprodução mais rápida que as espécies tradicionalmente utilizadas como escargot (Helix aspersa, por exemplo), a espécie africana foi introduzida por produtores brasileiros do Paraná e de São Paulo, nas décadas de 80 e 90. Em virtude do declínio na demanda pelo produto, muitos produtores acabaram tendo que abandonar o negócio e os caramujos (adivinhe só) foram liberados no ambiente sem nenhum cuidado (como explica este artigo). Daí, até chegar a 24 estados brasileiros e ao Distrito Federal, foi “um pulo”.
Mas não precisamos ficar orgulhosos de nossa hospitalidade; essa espécie não é fã só das terras brasileiras, não. Segundo uma base de dados criada por um grupo internacional que estuda espécies invasoras, o A. fulica está presente em todos os continentes (com exceção da Antártica) e é considerado uma das 100 piores espécies invasoras do mundo!
Mas, afinal, como ele consegue?
O A. fulica é originário do continente africano e, por isso, muito adaptado a condições rústicas de sobrevivência, como acesso limitado a alimento e pouca chuva. Quando alcança ambientes com mais alimento e umidade, se adapta facilmente (é o que chamamos espécie generalista). A espécie, como mostra o trabalho de uma pesquisadora paranaense, adquiriu muitas estratégias evolutivas eficientes, como enterrar-se completamente em períodos de seca ou entrar em um estado de estivação, no qual diminui seu metabolismo drasticamente em épocas de pouca oferta de alimentos, por exemplo. Mas não para por aí: a espécie é capaz de produzir uma estrutura de sobrevivência chamada epifragma, um tipo de membrana que impede que o indivíduo perca umidade e se desidrate em períodos quentes. Somando-se a isso sua incrível taxa reprodutiva de até 400 ovos por indivíduo hermafrodita (após a cópula, ambos “engravidam”) e a ausência de predadores nas áreas urbanas do nosso país, o Brasil se tornou um paraíso para a espécie.
E qual o problema?
Apesar de eles serem, para muitas pessoas, feios e repugnantes (veja a foto e decida por você), não é o aspecto estético o principal problema destes bichos. Estes são de ordem agrícola/econômica, ambiental e de saúde pública.
Impacto ambiental
Muitos estudos têm sido feitos para avaliar a presença destes moluscos em áreas de preservação ambiental brasileira e os impactos decorrentes. Infelizmente, eles estão sendo cada vez mais encontrados (veja aqui e aqui). Sua presença tem vários impactos: diminuição de populações de moluscos nativos, com as quais disputa alimentos; eliminação de brotos de espécies vegetais nativas, atrapalhando sua dispersão; ingestão por animais silvestres (como o mico-leão-dourado), com consequências potencialmente negativas sobre sua saúde.
Impacto agrícola
Nas grandes plantações no meio rural, o A. fulica pode causar estragos e prejuízos. Entretanto, estudos indicam haver uma maior preferência da peste agrícola pelas unidades produtivas de menor tamanho, em área urbanas. A dificuldade maior está em como controlar a espécie, que consome de forma voraz principalmente folhosas.
Impacto à saúde humana
Muitos estudos vêm relacionando o A. fulica como hospedeiro de parasitas que podem trazer graves problemas de saúde para seres humanos e animais domésticos (confira nestes links: [1], [2], [3]). Este é o motivo pelo qual não devemos consumir e devemos mesmo evitar tocar nos caramujos africanos (caso isso aconteça, o ideal é higienizar muito bem as mãos com água e sabão e, se possível, álcool).
Como controlá-lo?
Se você, como eu, teve esse problema em seu quintal, hortinha, etc, existem algumas medidas de controle de pequena escala que podem ter certa eficácia (deixo este link, onde elas são melhor explicadas). Estão disponíveis, também, moluscicidas que podem resolver o problema, mas que possuem certa toxicidade. Há, de outro lado, pesquisas com extratos naturais e óleos essenciais que são bastante promissores e podem vir a substituir os produtos sintéticos existentes, sendo aplicáveis na agricultura orgânica, por exemplo.
Se o controle do caramujo não é fácil em área agrícola, imagine em área de mata nativa, onde qualquer intervenção mal feita pode afetar uma dezena de outras espécies. Por isso, os cientistas ainda estão quebrando a cabeça para resolver o problema nestas áreas.
Observação: nem todo caramujo ou caracol que encontramos no Brasil é uma praga ou causador de doenças; existem muitas espécies nativas que possuem função importante no ecossistema. Por isso, antes de matar os caramujos de seu quintal, certifique-se de que se trata mesmo do A. fulica.
Aqui em casa term quintal com plantas e recentemente vi vários desses ai.
Um dia estava vendo TV na sala e ouvi um barulho de algo caindo.
Era um caramujo que subiu a parede e caiu... estão entrando até na sala! :0
Agora vou ficar se é esse mesmom pois parece.
Orbigado!
Olá, Danilo.
Realmente estes caramujos estão por toda parte e são bem incômodos.
Tem um link no texto que traz algumas dicas pra lidar com eles. Vale a pena tentar (e depois contar aqui pra gente)!
Obrigado pelo comentário!
Nada que um controle de pragas eficiente não resolva.
No caso desse animais, como o dos escorpiões, acho que falta investir no desenvolvimento de armadilhas, pensando em todo tipo de tecnologia. Os "caramujos" acabam ficando nos buracos úmidos, escuros, e com folhas. Os escorpiões nos escuros.