Como boa parte dos brasileiros, me vi inserido em diversos debates políticos no último período eleitoral, pessoalmente ou pelas redes sociais. Numa destas ocasiões, ponderei, em certo momento da conversa, que para mim era quesito essencial e inegociável na escolha de um candidato (à presidência, no caso) a defesa dos ambientes naturais, o enfrentamento às mudanças climáticas e a proposição de uma política ambiental consistente e em sintonia com o conceito de desenvolvimento sustentável. Me surpreendeu, entretanto, o tom de desaprovação de alguns dos colegas com quem conversava, em reação à minha posição. “Como você pode ser tão egoísta!?”, indignou-se um deles, “ficar querendo proteger árvore e defender bichinho enquanto tanta gente está sem emprego no país?”. Logo outro emendou: “e as pessoas doentes à espera de leitos nos hospitais lotados, não importam?”.
De tudo dito, o que transparecia, de fato, na opinião deles, era a ideia de que defender causas ambientais seria coisa de quem não precisa trabalhar, de quem tem dinheiro ‘sobrando’ e não se preocupa em pagar contas…enfim, coisa de ‘playboy’ desocupado.
Mas, então, será que preservar o ambiente não tem nenhuma importância real para a vida das pessoas em geral: os trabalhadores, os pais e mães de família, as donas de casa e as crianças? O ambientalismo é mesmo algo valorizado só por quem é rico, não tem mais o que fazer ou quer parecer ‘descolado’?
Findado o processo eleitoral e tendo se anunciado o tom em relação à nova política ambiental, acho importante tentar mostrar que não é bem assim.
Uma teia de muitos fios
Considerar as questões ambientais uma preocupação menos importante ou até mesmo algo negativo, que consome dinheiro público escasso desnecessariamente, é um erro. Infelizmente, um que ocorre frequentemente. É duro constatar, mas muitos não enxergam qualquer conexão entre as questões relacionadas ao meio ambiente e as demais esferas de nossa existência enquanto sociedade. Boa parte das pessoas está afastada dos debates sobre a importância de se ter um ambiente conservado, equilibrado e funcional, ainda que sintam diariamente, na própria pele, os efeitos da omissão dada a estes temas.
O que parece um paradoxo, entretanto, pode ser fruto de vieses psicológicos que criamos enquanto sociedade, como explica o pesquisador Luiz Marques. No livro Capitalismo e Colapso Ambiental (Ed. Unicamp, 2015), Marques defende que existem alguns mecanismos psicológicos que levam as pessoas em geral a não verem real necessidade na preservação ambiental e não se preocuparem com os problemas decorrentes – mesmo que estes estejam gritando à nossa frente.
“Agem sobre as sociedades ao menos três mecanismos psicológicos tendentes a dificultar uma tomada de consciência da gravidade das crises ambientais e a fortiori uma ação política racional e proporcional à gravidade das crises” (p.20)
Luiz Marques – Capitalismo e Colapso Ambiental
Estes mecanismos seriam, resumidamente: a aversão à perda, que consiste em preferir um prazer imediato à abster-se em prol de algo melhor que só chegará num futuro não definido; o processo de habituação, onde o discurso recorrente de que algo catastrófico vai acontecer no futuro torna-se banal e perde seu poder de convencimento – o que ocorre por não entendermos a noção de tempo das dinâmicas da natureza; e o mecanismo da dissociação, em que há uma dificuldade de enxergar associação entre fenômenos complexos e de larga escala e efeitos palpáveis em nosso cotidiano.
A existência desses fenômenos psicológicos, ainda que não seja suficiente para explicar todo o cenário, fornece pistas do porquê o tema segue constantemente colocado como secundário pelos governantes, com a anuência da própria sociedade.
Mas, afinal, por que cuidar da natureza é importante?
Na natureza, nos ensina a ecologia, tudo está interligado. Os chamados ciclos biogeoquímicos funcionam há milhões de anos integrando os aspectos geológicos com as reações químicas e a ação dos seres vivos e é graças a este funcionamento que se desenvolveu toda a biodiversidade nos ecossistemas do nosso planeta e, por conseguinte, surgiram os seres humanos. Interferir ou modificar drasticamente o mecanismo dos ciclos naturais pode ocasionar a perda de muitas espécies de animais, plantas e micro-organismos.
No entanto, cuidar do ambiente não se resume apenas a manter vivas espécies de animais e plantas, porque gostamos delas, achamos bonitas ou acreditamos que tenham direito a dividir o planeta conosco. Ainda que estes sejam argumentos éticos muito fortes para a preservação ambiental, existem motivos muito mais utilitários para manter os processos ecológicos funcionando – dos quais nem mesmo o mais egoísta dos seres humanos pode se esquivar. Nos próximos textos, veremos de que forma a preservação ambiental pode ser mais útil para nossa sociedade do que imaginamos e que ela não está, de forma alguma, dissociada das outras questões que a política nos traz – como a economia e a saúde pública, invocadas pelos meus colegas do começo do texto.
Crédito imagem de capa: horantheworld
Faça um comentário