O meu cérebro quer saber: Inflação Psicológica existe??

brain_comprasO que psicologia tem a ver com inflação e economia (tirando o fato de que uma consulta psicológica está pela hora da morte)? A nossa cognição pode sim afetar a economia do país. Nossa cognição é responsável pelos nossos hábitos e comportamentos, inclusive nosso comportamento financeiro. Mas o que seria essa tal de inflação psicológica?

Pra começar, vamos entender o que é inflação. Inflação acontece quando existe um aumento generalizado no preço das coisas de maneira que seu dinheiro acaba valendo menos. Oi? Não entendeu? Tá bom, eu explico: imagine que cada brasileiro receba do governo um envelope com 7 mil reais. Todo mundo resolve gastar essa grana extra comprando um smartphone de última geração. As Casas Bahia vão ficar lotadas. Vai ter mais gente querendo comprar celular do que a quantidade de celular que eles têm em estoque. Para evitar que o estoque acabe logo, as Casa Bahia irão aumentar o preço do smartphone. Esse aumento de preço causado por esse desequilíbrio entre a demanda (pessoas querendo um smartphone) e a oferta (quantidade de smartphone no estoque) faz com que no final das contas esse seu dinheiro “extra” nem tenha tanto valor assim. Essa confusão inteira é o que os economistas chamam de inflação. E é exatamente por isso que o Brasil não pode simplesmente sair produzindo mais dinheiro na Casa da Moeda pra resolver os problemas financeiros. Mais dinheiro em circulação com a mesma quantidade de produção de bens, causa aumento de preços das coisas e, consequentemente, inflação.

Mas para a inflação realmente afetar a economia, esse aumento de preços das coisas tem que ser generalizado. Um aumento aqui e outro ali é normal (variações ocorrem) e não é considerado generalizado a ponto de causar inflação na economia. Acontece, no entanto, que existem duas áreas (intrinsicamente relacionadas) em que a nossa cognição é realmente péssima: (1) previsão acerca de acontecimentos futuros e (2) pensamento probabilístico e/ou raciocínio frente ao incerto. Essas duas deficiências juntas causam o que os economistas chamam de inflação psicológica.

Acontece assim: as pessoas observam alguns aumentos em alguns setores. Como elas não conseguem ver esses aumentos como flutuações (variações) normais, começam a agir como se esses aumentos fossem generalizados. Por exemplo, se o leite esse mês está mais caro que o mês passado, mas o açucar está mais barato, essa configuração faz com que o valor “final” da sua compra seja virtualmente o mesmo do mês anterior. Mas a crença de que esse aumento é generalizado (e que vai acontecer novamente no próximo mês e no próximo e no próximo) faz com que os hábitos de compra mudem. Ao invés de ir ao supermercado várias vezes durante o mês, as pessoas passam a ir menos, comprar maiores quantidades e estocar produtos em casa. Essa prática faz com que os comerciantes percebam que existem épocas de maior “procura” e aumentam os preços (agora sim de maneira generalizada) nessas determinadas épocas (semelhante ao que acontecia na década de 80 no dia de pagamento: os supermercados ficavam lotados e vazios no resto do mês).

Basicamente pelo fato de sermos péssimos em fazer previsões (sempre achamos que mês que vem vai ter mais aumento generalizado) e pelo fato de não sermos muito bons em pensamentos probabilísticos (sempre achamos que as variações normais são anormais e portando generalizadas), nos comportamos como se os aumentos fossem de fato generalizados e esse comportamento reformata o mercado de maneira que os preços realmente subam de maneira generalizada.

Mas e aí? Como resolver isso? Obviamente a solução não é tão simples assim, uma vez que existem vários fatores que influenciam a configuração de mercado e a economia de um país. Mas uma prática que podemos adotar é a prática de pesquisa de preços. Essa prática pode forçar o equilíbrio do mercado. Por exemplo, basta comprar menos daquele produto que o preço está mais alto, de maneira que a demanda diminua, forçando a queda do preço. Mas pra isso, precisamos saber como avaliar esses aumentos e flutuações. É daí que vem a minha crença de que seria muito bom se todo mundo tivesse, desde a educação básica, aulas e noções de estatística, variação e tomada de decisão frente ao incerto. Dessa forma, práticas do tipo “pesquisa de preços” seriam muito mais comum entre as pessoas de maneira que essa maioria forçaria uma reconfiguração do mercado (e isso talvez contribuísse para segurar a inflação em níveis aceitáveis).

Tem alguma pergunta sobre cognição, mente e cérebro? Mande pro Cognando.

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Mas eu não falo nem Português direito…

brain_muscleNão tem mais como fugir: falar uma segunda língua é tão essencial quanto ter uma educação básica. A justificativa para essa essencialidade é geralmente muito cliché: o mundo está altamente globalizado e para aumentar suas chances no mercado de trabalho é importante saber uma segunda língua — geralmente inglês. É daí que vêm a frases: “pra ser alguém na vida, tem que estudar inglês”. A minha justificativa pra te convencer de que você precisa aprender uma segunda língua é outra. E obviamente mais cognitiva: ser bilíngue faz bem para o seu cérebro. É como se fosse um suplemento vitamínico pra sua cognição. Simples assim.

Existem basicamente dois tipos de falantes bilíngues: simultâneo e sequencial. O bilíngue simultâneo é aquele que é exposto a duas línguas desde o nascimento. Filhos de pais de diferentes países (ex., mãe brasileira e pai alemão) que crescem ouvindo (e conversando) com as pais nas suas respectivas línguas. Bilíngues simultâneos geralmente aprendem as duas línguas com nível de proficiência próxima a de um falante nativo de apenas uma das línguas. O bilíngue sequencial é aquele que aprende uma segunda língua após já ser proficiente na sua língua materna. Pessoas que estudam fora do país, ou que aprendem uma língua estrangeira depois dos 4 ou 5 anos de idade são considerados bilíngues sequenciais.

Independente do tipo de bilinguismo (sequencial ou simultâneo), as vantagens cognitivas são impressionantes. Uma das primeiras vantagens já abundantemente estudadas por vários pesquisadores é a chamada vantagem no controle inibitório. Eu explico. Já viu um teste que circula muito pela internet, onde você precisa falar as cores de algumas palavras e não o que está escrito? Por exemplo, você vai ver a palavra “verde” escrita de “amarelo” e precisa dizer a cor (amarelo) e não a palavra (verde). Esse teste é conhecido como “Teste Stroop“. Basicamente ele mede a sua capacidade de “inibir” uma informação (ler a palavra) e ativar outra informação (falar a cor). Pessoas que têm um controle inibitório melhor, geralmente conseguem fazer esse teste sem errar muito e mais rapidamente. Vários estudos com crianças e adultos mostram que bilíngues têm um controle inibitório muito melhor, pois articulam essa habilidade com mais frequência.

Mas ninguém sai por aí fazendo esse teste de Stroop. Qual é a real vantagem que o bilinguismo tem no nosso dia-a-dia? Esse mesmo mecanismo inibitório usado no Teste Stroop é acionado quando precisamos tomar uma decisão que envolve algum tipo de troca (por exemplo: economizar agora e ter mais depois, ou ter o que quer agora e nada depois?). Pesquisas mostram que bilíngues planejam muito mais antes de agir em comparação com falantes monolíngues. Bilíngues geralmente planejam mais, o que faz com que eles errem menos nas suas tomadas de decisão.

E quando a velhice chega, bilinguismo também ajuda. Algumas pesquisas realizadas na Universidade da Califórnia em San Diego sugerem que, dentre idosos com risco de Alzheimer e demência, aqueles que eram falantes bilíngues, tinham o início da doença significativamente mais tarde do que os idosos que falavam apenas uma língua. Em outras palavras, a doença demorava mais tempo pra se manifestar em falantes bilíngues, o que obviamente, aumenta a qualidade de vida desses idosos.

Mas por que isso acontece? As representações mentais das duas línguas estão ativas o tempo todo, ou seja, o nosso cérebro não “desliga” a língua portuguesa enquanto você fala o inglês e vice-versa. Por esse motivo, o seu cérebro precisa estar sempre em alerta com relação as pistas contextuais que ativam o uso de uma língua ou de outra. Esse exercício constante faz com que seu cérebro se exercite mais do que o cérebro de um falante monolíngue. E esse exercício constante faz seu cérebro mais “forte” em todos os sentidos, não somente no quesito “falar uma língua estrangeira”.

E mesmo que inicialmente, quando você está começando a aprender uma segunda língua, as coisas pareçam confusas e difíceis, saiba que seu cérebro está certamente criando mais e mais conexões e melhorando a performance dele em outros domínios. Aprender uma língua é como aqueles primeiros dias na academia: chato e sem resultado. Mas os benefícios a longo prazo são inquestionáveis.

Tem alguma curiosidade sobre como funciona seu cérebro e sua mente? Mande para o Cognando.

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O meu cérebro quer saber: Por que arranhar a unha no quadro de giz nos causa arrepios?

brain_sounds2Tenho certeza que você se arrepiou só de ler o título dessa postagem. Essa é uma curiosidade muito comum que as pessoas têm (e que bastante gente já investigou de alguma forma).

Temos praticamente duas respostas para essa pergunta: uma biológica e uma psicológica.

A biológica é a seguinte: os sons que nós escutamos têm uma certa frequência. Sabe quando jogamos uma pedra na água e ela forma umas ondas na água? Quando “jogamos” som no ar, ele forma uma ondas no ar e o número de ondas que esse som forma no ar caracteriza a sua frequência. Essas frequências são medidas em Kilohertz (kHz). Vários estudos já demostraram que o nosso ouvido é muito sensível a frequências entre 2kHz e 4kHz. Basicamente a anatomia do nosso ouvido amplifica essas frequências de tal forma que, assim que entram no nosso ouvido, percebemos os sons como se fossem mais altos. E não só isso, a maioria dos casos de surdez causadas por sons, são oriundas de sons que têm frequência entre 2kHz e 4kHz. Ou seja, essa frequência não é bem vinda aos nossos ouvidos. Frequências de sons podem ser modificadas em laboratório. Um estudo recente, por exemplo, modificou a frequência do som que a gente ouve quando alguém arranha a unha em um quadro de giz. Com a frequência modificada, as pessoas não sentiam tanto arrepio quanto antes.

A explicação psicológica é um pouco mais complexa. Na verdade existem várias. E elas estão todas ligadas de certa forma. O nosso cérebro está o tempo inteiro aprendendo padrões para economizar energia. Assim, para te proteger de sons que supostamente podem te deixar surdo, o seu cérebro aprendeu a criar uma resposta negativa a esse tipo de som (ativando áreas de estresse e liberando substâncias que te deixam em estado de alerta — por isso o arrepio) para que você faça alguma coisa com relação ao som quando ele ocorre (por exemplo, coloque as mãos nos ouvidos). Mas o nosso cérebro é bem espertinho, e as vezes ele “antecipa” algumas dessas reações. Por exemplo, um estudo mostrou que as pessoas começam a ter arrepios antes mesmo de uma pessoa começar a arranhar a unha no quadro. Provavelmente foi o que aconteceu quando você leu o título dessa postagem. Outro estudo mostrou que se você só ouvir o som de unhas passando no quadro, mas achar que é uma música contemporânea, sua irritabilidade e respostas negativas serão menor.

Esse tipo de reação do cérebro para certos sons tem uma vantagem evolutiva importante. Além de nos proteger contra sons prejudiciais, ela pode também nos deixar mais alerta contra certos predadores e nos deixar mais alertas para enfrentar certos perigos. Um estudo super recente mostrou que o cérebro da mãe de um bebê recém-nascido reage ao choro do bebê de uma forma muito semelhante à maneira como o nosso cérebro reage a sons de unhas arranhando quadro de giz ou quando raspamos um isopor no outro. Esse tipo de resposta cerebral faz com que a mãe fique mais alerta ao choro do bebê e busque conforta-lo mais prontamente. Já percebeu que seu marido nem mexe na cama quando o bebê chora? A resposta que o homem tem ao choro do bebê é bem diferente e não é colocado em estado de alerta assim como o cérebro da mãe.

Tem mais alguma coisa que seu cérebro quer saber? Mande pra mim!

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Mãe, liga pro cara do TI.

kids-and-technologyEu sei que os profissionais da área de TI irão me odiar pelo que vou dizer agora, mas a impressão que tenho é que, apesar da boa intenção, muitas vezes eles mais atrapalham que ajudam. Há dois meses, eu enviei um e-mail para o departamento de TI aqui da Universidade do Alabama para reclamar da interface do nosso webmail (sim, restrições da Family Educational Rights and Privacy Act não nos permite utilizar interfaces tipo Gmail para acessar nosso e-mail profissional). A resposta foi até rápida. Eles conseguiram migrar a minha conta para uma versão mais “nova” do Microsoft Outlook Web App (uma m***). E como parte do processo de migração, eles deveriam fazer toda a configuração da conta no novo sistema. Esse tipo de configuração é fácil e eu mesmo poderia ter feito. Mas é requerimento do trabalho deles que eles façam toda a configuração. Foi divertido assistir por mais de 25 minutos o show de erros e equívocos que o cara cometeu ao tentar configurar a conta. Eu mesmo teria configurado a conta em 5 minutos.

Ontem, durante uma reunião do meu grupo de pesquisa, alguém mencionou que poderíamos solicitar ajuda ao TI para instalação de um equipamento novo que adquirimos. Essa instalação eu não saberia fazer. Mas mesmo assim, fiquei com o pé atrás com relação à ideia de chamar o TI. A história de erros e equívocos me deixaram com a pulga atrás da orelha. Mas será que somos sempre assim?

Uma grande parte do conhecimento que temos das coisas e de como elas funcionam vem do que outras pessoas nos dizem e não necessariamente da nossa experiência direta com as coisas. Apesar disso ser uma coisa boa, temos o problema da crença. Que tipo de informação devemos ou não acreditar? Se um cientista diz que certos microorganismos (que você nunca viu) podem causar uma certa doença (que você também nunca viu) se você não lavar a sua mão, como saber se você deve ou não acreditar nesse cientista?

Uma informação valiosa que usamos pra saber se acreditamos ou não nas informações que outras pessoas nos passam é o número de vezes que essa pessoa esteve certa ou errada no passado. Por exemplo, se a pessoa sempre te dá uma informação errada, você tende a não acreditar nas informações que essa pessoa te passa. Mas pode acontecer da pessoa estar errada apenas algumas vezes, e outras vezes ela estar certa. E nesse caso? Acreditamos ou não?

Nossa mente tem uma capacidade muito boa de detectar padrões. E essa capacidade começa cedo. Por exemplo, Tamar Kushnir mostrou em um dos seus estudos que bebês de apenas 20 meses de idade conseguem detectar padrões estatísticos e utilizam esse conhecimento para inferir se uma pessoa gosta de um brinquedo ou de outro. Mas e com relação à crença? Será que detectamos padrões de erros e acertos das pessoas também? Parece que sim.

Algumas pesquisas mostram que até mesmo crianças utilizam o número de vezes que você esteve certo no passado pra saber se acreditam ou não em você. Um estudo com crianças de 2 a 5 anos mostrou que se uma pessoa está errada 100% das vezes ou certa 100%, as crianças usam essa informação para saber se acreditam ou não em informações que vêm dessa pessoa. A pessoa que esteve 100% certa recebe toda a credibilidade da criança. Já a pessoa que esteve 100% errada não tem nem um pingo da credibilidade da criança.

Se a criança tiver que escolher entre uma pessoa que esteve 100% certa e uma outra pessoa que esteve 75% certa, as crianças escolhem a que esteve 100% certa. No entanto, quando somos muito novos (2 anos de idade) não toleramos muito o erro. Por exemplo, se uma pessoa esteve certa 75% das vezes e a outra esteve certa 25% das vezes, as crianças de 2 anos não acreditam em nenhuma das duas, pois as duas mostraram estar erradas no passado. Já as crianças de 5 anos preferem a que esteve certa 75% das vezes.

É interessante notar que essa habilidade de perceber padrões é recorrente em vários domínios e pode ser observada em vários momentos do desenvolvimento da criança. Ela rastreia o número de vezes que o choro dela é atendido e cria apego com base nessa informação. Ela rastreia o número de vezes uma pessoa faz algo ruim e não é punida e utiliza essa informação pra saber se deve ou não agir da mesma forma. Ela rastreia o número de vezes que um certo fenômeno causa um outro e utiliza essa informação para aprender sobre como as coisas funcionam, etc.

Na última postagem do Cognando, falei sobre a importância de se ensinar estatística na educação básica. Esse tipo de ensino só serviria para aprimorar ainda mais uma capacidade que já está lá na nossa cognição desde pequeno. Difícil mesmo é convencer a criançada a se tornarem bons profissionais de TI. 🙂

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Pegue seu carrinho de rolimã e corra pra aula de Estatística

carrinho-de-rolimaO mundo de hoje é bem diferente do mundo dos meus 10 anos de idade. E não. Não vou começar com aquela chatice de que criança daquela época que era feliz, por que soltava pipa na rua e brincava de carrinho de rolimã. Bobeira isso. Se eu tivesse um tablet ou qualquer outro tipo de smart device naquela época, eu estaria feliz do mesmo jeito (iria provavelmente tirar várias selfies no meu carrinho de rolimã). Há quem diga que essa tecnologia danada a que essas crianças de hoje estão expostas está emburrecendo a meninada. Eu acho que o que está realmente emburrecendo essa garotada é o fato de que a educação formal que eles recebem na escola de hoje é a mesma que eu recebi quando eu tinha 10 anos de idade.

Eu adoro matemática. E não tenho dúvidas de que o ensino de matemática é, de fato, importante. O combate mortal geralmente começa com álgebra simples. Na fase seguinte enfrentamos a geometria, passamos pela trigonometria e, se formos corajosos o suficiente, chegamos ao combate final com o Goro, também conhecido como Cálculo. Ok. Mas esse tipo de conhecimento é insuficiente para as demandas de hoje. Quantas vezes, na última semana, você precisou de um conceito de cálculo para resolver um problema cotidiano? Isso mesmo. Nenhuma.

Eu sou da opinião que essa meninada de hoje tinha que aprender Estatística. Isso mesmo. Estatística. Obviamente deveriam ter as aulas de matemática, mas deveriam aprender a pensar no incerto. Quantas vezes durante essa semana você precisou tomar alguma decisão que envolvia algum tipo de incerteza? Quantas vezes já precisou tomar alguma decisão sem ter acesso à todas as informações necessárias? Quantas vezes você já esteve em alguma situação que envolvia escolhas caóticas e um pouco confusas? Pelo menos comigo, esse tipo de coisa acontece pelo menos duas vezes por semana.

O mundo é caótico. Sempre foi. Mas antes não tínhamos acesso direto a esse caos. Hoje, com o volume de informações a que estamos expostos — e em tempo real — a nossa percepção do caos é maior. Pensar estatisticamente parece ser cogente no mundo de hoje. E pensar estatisticamente é muito mais que simplesmente saber calcular médias, medianas e fazer testes de hipóteses. Essa é a parte que a matemática ajuda. Pensar estatisticamente é saber racionalizar frente ao incerto. Estatística é a ciência da incerteza. É treinar sua mente para que ela encontre padrões e tome decisões coerentes mesmo diante do caos.

Eu dou aula de estatística já a bastante tempo. A galera odeia. Mas sempre noto que os alunos nunca têm dificuldades de entender como calcular um coeficiente de correlação ajustado, ou como estimar a máxima verossimilhança de um conjunto de dados. O que eles não sabem é pensar estatisticamente. Eles têm uma dificuldade tremenda de entender conceitos básico, tipo média, amostragem aleatória, ou probabilidade condicional. No final das contas, os alunos sabem pensar matematicamente, mas não sabem pensar em termos do incerto. E eu não digo isso porque quero que todo mundo vire estatístico profissional (da mesma forma que ninguém espera que todos virem matemáticos profissionais apenas por que estudam matemática na escola). O que eu gostaria mesmo é de ver essa meninada entendendo como pensar sobre padrões, como detectar as besteiras que estão no meio das informações relevantes. Essa meninada deve estar preparada para encontrar o sinal em meio ao ruído. Aqui nos Estados Unidos eu costumo dizer aos meus alunos que estatística é uma espécie de bullshit detector (detector de merdas). Isso faz minhas aulas serem bem mais divertidas (e úteis) do que Cálculo.

No final das contas, não acho que as crianças de hoje estão emburrecendo. Mas acho sim que elas estão sendo mal preparadas para os combates que irão certamente enfrentar no mundo de hoje. O Goro de 10 anos atrás tinha quatro braços. O de hoje tem Twitter e provavelmente já leu muito sobre Big Data. Seu carrinho de rolimã não vai te ajudar a escapar dessa vez.

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Bonitinho, mas ordinário.

apple-vs-samsung-fightEm Setembro do último ano (2014), a Apple lançou o seu flagship smartphone, o iPhone 6. Toda vez que a Apple ou a Samsung lançam um novo smartphone, as pessoas correm para as lojas e operadoras para garantir o seu aparelho — que será o “último lançamento” por pelo menos alguns meses. Quase todo mundo hoje em dia tem um smartphone. Uma pesquisa recente divulgada pela Nielsen Digital Consumer Report mostrou que só nos Estados Unidos, mais de 70% da população com idades entre 25 e 34 anos possui um smartphone. Mas com tantas opções de smartphones no mercado — e cada um com dezenas de funcionalidades — como será que escolhemos qual celular preferimos?

Uma coisa legal que pouca gente sabe é que a maioria dessas empresas de tecnologia (e até mesmo algumas operadoras de telefonia móvel) tem laboratórios internos que fazem o que chamamos de “testes de usabilidade”. Dentre outras coisas, esses testes de usabilidade têm como função principal investigar a melhor forma de interação entre o usuário e o produto que eles pretendem lançar. Como, em termos bem gerais, esses testes de usabilidade buscam mapear e direcionar as preferências dos usuários, eles (os testes) têm estado cada vez mais alinhados às teorias cognitivas e de comportamento humano.

O que influencia a usabilidade de um produto? Algumas pesquisas sugerem que eficiência e eficácia são dois fatores que influenciam bastante a nossa percepção sobre a usabilidade de um certo produto. Em outras palavras, quando estamos julgando a usabilidade de um produto, se ele faz o que se compromete a fazer (i.e., é eficaz) e o faz da maneira mais rápida (i.e., é eficiente), geralmente esse produto recebe uma nota alta no quesito usabilidade.

O interessante, no entanto, é que, algumas vezes, mesmo que o produto não seja eficaz e eficiente, as pessoas dão a eles notas altas com relação a usabilidade. O que vários pesquisadores notaram é que esses produtos geralmente são produtos atraentes. Isso mesmo. Mesmo que não funcionem bem, produtos mais atraentes recebem avaliações altas com relação a sua usabilidade. Pesquisadores do laboratório de usabilidade da Sprint/Nextel nos Estados Unidos fizeram um estudo onde eles mensuraram a eficiência, eficácia, beleza e usabilidade de uma série de smartphones. Os resultados mostraram que a beleza dos telefones teve uma correlação muito forte com as notas de usabilidade, mesmo depois de levarem em consideração a eficácia e eficiência dos telefones. Nesse estudo, a beleza dos smartphones teve um papel grande na avaliação da usabilidade deles.

Mas será por que isso acontece? Acontece alguma coisa na nossa cabeça que explica isso? Sim. Vários estudos em Psicologia Cognitiva sugerem que coisas bonitas e atraentes são processadas pela nossa mente de maneira mais fluente (i.e, elas geralmente têm características que são facilmente identificadas e consequentemente são processadas mais rapidamente). Esses mesmos estudos também sugerem que informações processadas mais fluentemente são vistas como melhores e mais positivas (já até falei disso aqui no Cognando). Pode ser essa a ligação entre os julgamentos positivos com relação à usabilidade e a beleza do telefone.

Existe uma outra explicação um pouco mais confusa. Sensações positivas fazem com que as pessoas sejam mais criativas. Criatividade envolve solução de problemas. Assim, mesmo que um produto seja difícil de usar, se ele for bonito, a sensação positiva que a beleza dele causa no usuário faz com que esse usuário seja mais criativo na busca das soluções para as dificuldades de utilizar o produto. Em outras palavras, os usuários as vezes resolvem os problemas de usabilidade tão rapidamente e criativamente que nem chegam a reconhecer a dificuldade de usabilidade do produto.

A Apple parece enfatizar bem esse aspecto na sua linha de produtos. Um preview do smartwatch que ela lançará em breve mostra uma tela de aplicativos altamente poluída e de difícil navegação. No entanto, como sempre, a Apple aposta em um design elegante e arrojado. O relógio é, sem dúvidas, bonito. Não é sem razão que muita gente acha os produtos da Apple “fáceis” de usar, mesmo que eles apresentem problemas e dificuldades de navegação e usabilidade.

A próxima vez que tiver que decidir sobre qual smartphone comprar, saiba que a aparência do aparelho te influencia mais do que você imagina. Todo mundo sabe disso. Menos a Nokia, eu acho.

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Acho que vou deixar o regime pra depois do carnaval

DSC00021Se os meus cálculos estiverem corretos, a essa altura do campeonato (mais precisamente, com apenas 4 dias do novo ano que começa), ou você já desistiu de cumprir pelo menos metade das suas resoluções de ano novo, ou já tentou se convencer de que tudo aquilo que você prometeu que iria fazer em 2015 nem é tão urgente e importante assim. Não cumprir as várias promessas que fazemos toda virada de ano é tão previsível quanto as enchentes que ocorrem entre os meses de dezembro e fevereiro na cidade de Belo Horizonte. Todo ano é a mesma coisa.

Mas será por que isso acontece sempre? Vamos pensar sobre as chuvas primeiro. Por que todo ano chove na mesma época do ano? As alterações climáticas que observamos no nosso planeta são causadas primordialmente pela posição que a Terra ocupa no sistema solar no decorrer dos 365 dias que ela leva pra dar uma volta completa ao redor do Sol. O que é menos claro para a maioria das pessoas é o que causa as enchentes que observamos todo ano. Aquele palito de picolé que você jogou no chão naquele dia lindo de sol, ou aquela garrafinha de água que você jogou pela janela do carro durante aquele passeio legal com os amigos certamente entupiram os canais de escoamento de água e com isso, as águas das chuvas se acumulam e causam as enchentes que vemos.

Mas o que isso tem a ver com o fato de eu não conseguir cumprir minhas resoluções de fim de ano? Nossa mente é tão previsível quanto as mudanças climáticas que acontecem na Terra no decorrer do ano. E do mesmo jeito que não associamos o palito de picolé que jogamos no chão às enchentes que ele mesmo causa em certas épocas do ano, raramente associamos a maneira como a nossa mente funciona com os objetivos e as resoluções que fazemos todo ano.

Pensar gasta muita energia. Para resolver isso, nossa mente automatiza (liga no automático) certos processos de maneira que não precisamos gastar tanta energia assim quando vamos executá-los. Por exemplo, você provavelmente tranca e destranca a porta da sua casa sem ao menos notar que está trancando e destrancando a porta de casa (e é por esse motivo que sempre que você tem a sensação de que esqueceu alguma coisa, você nunca sabe ao certo se trancou ou não a porta de casa). Essas coisas que fazemos no automático são os nossos hábitos. Nossa mente está o tempo todo criando hábitos. E mudar esses hábitos não é nada fácil. Por isso as suas resoluções de 2015 já estão todas falhando. Mas e aí? Não tem jeito? Tem. Aqui vão três dicas de como fazer valer as suas resoluções. Todas elas baseadas em como a nossa mente funciona.

Seja mais específico: por mais que sejamos seres inteligentes, nossa mente não gosta de coisas difíceis e pouco estruturadas. Se sua resolução de 2015 foi “vou ser uma pessoa melhor“, sua mente vai ver isso como algo muito complexo. Como consequência, ela vai criar uma aversão a essa tarefa. O resultado disso: você nunca vai começar a tentar ser uma pessoa melhor. A dica pra resolver isso é simples. Pegue esse objetivo geral e complexo e o transforme em pequenas tarefas que pareçam menos complexas e fáceis de serem executadas. Seja mais específico sobre o que você realmente precisa fazer para ser uma pessoa melhor. Por exemplo, dar uma cesta-básica para aquele vizinho seu que sempre te pede dinheiro emprestado pra fazer a compra do mês, ou ser voluntário por algumas horas naquela ONG que acolhe crianças com necessidades especiais. Seja mais objetivo e concreto nos planos. Ao invés de planejar coisas do tipo “se voluntariar na ONG“, planeje algo mais concreto tipo “se voluntariar por duas horas todo sábado na ONG“. Uma tarefa desse tipo parece ser bem menos complexa e aversiva do que “ser uma pessoa melhor“, e sua mente vai perceber isso.

Não deixe sua mente te enganar: nossa mente é muito espertinha. Quando ela não quer fazer alguma coisa (e.g., organizar o armário, ou limpar o quarto), ela não vai fazer e ainda vai te convencer que fazer isso não é tão importante assim. Essa é a maneira como a nossa mente resolve o que chamamos de dissonância cognitiva. Você quer uma coisa. Sua mente quer outra. Como ela resolve isso? Te convence que o que você quer não é importante. E não só isso. Ela o faz de maneira que você se sente dono de suas atitudes. Em outras palavras, ela te convence que você não precisa fazer o que planejou e ainda te faz se sentir bem por ter decido não fazer o que você deveria ter feito. Esse tipo de estratégia da sua mente funciona ainda muito melhor quando ela vê que existe algo por perto que ela pode utilizar como justificativa. Por exemplo, se seu computador está ligado e conectado na internet, a sua mente vai te convencer que você deve primeiro asistir àquele ultimo vídeo do Porta dos Fundos. Aí você assite a esse. E depois outro. E outro. E outro. Uma dica para resolver isso é modificar seu ambiente de maneira que as distrações que são comumente utilizadas pelas sua mente pra te convencer a não fazer as coisas não estejam presentes. E não só isso. Lembra que eu disse que nossa mente está o tempo inteiro formando hábitos pra economizar energia? Faça com que a distração seja algo não-automático e que necessite de bastante energia para ser executado. Se não quer se distrair com as redes sociais, por exemplo, bloqueie-as por um tempo de forma que checar algo no Twitter, Facebook ou Instagram, mesmo que rapidinho, seja difícil e aversivo.

Seja paciente na criação de novos hábitos: essa é certamente a parte mais difícil. Criar novos hábitos é demorado e difícil. E por ser difícil (lembre-se do primeiro ponto), sua mente vai criar uma aversão natural a esse novo hábito e (segundo ponto) te convencer que você não precisa desse novo hábito. Hábitos são criados quando eles são bem-sucedidos. Só repetimos ações que funcionam de alguma forma. Mudar hábitos é mudar algo automático que funciona bem. A dica aqui é atrapalhar o funcionamento do seu hábito, de maneira que ele não seja mais bem sucedido. Por exemplo, a maioria das pessoas hoje em dia são altamente viciadas nos seus smartphones. Checam emails a cada 10 minutos e não saem das redes sociais. Se por um lado esse tipo de tecnologia deixa o mundo pequeno e mais explorável, por outro ela mata a produtividade e a nossa capacidade de concentração. Eu já disse em várias postagens do Cognando que fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo (multitasking) é ruim e prejudica o aprendizado. Como então criar um novo hábito de não checar seu smartphone a cada 10 minutos? A primeira dica óbvia é “desligue o smartphone” quando precisar fazer alguma coisa que demande concentração. Se isso é difícil, você pode criar alguns desafios pra sua mente (nossa mente gosta de ser desafiada). Coloque o seu celular longe de você (e de preferência no silencioso) e se desafie a ficar 20 minutos fazendo algo sem tocar no celular. Quando conseguir fazer isso por uns três dias, mude de 20 minutos para 40 minutos e assim sucessivamente. Mudar de hábito é como aprender a andar. Você não vê nenhum bebê que acabou de aprender a andar correndo na corrida de São Silvestre. Não coloque pra você hábitos que sejam muito distantes do que aquilo que você faz atualmente. As mudanças devem ser graduais e é preciso paciência para ver os resultados. O importante é começar.

Aproveite pra criar o hábito de ler mais sobre ciência e tecnologia em 2015 aqui no ScienceBlogs. Se você acha que não consegue fazer isso, tudo bem. Pelo menos não jogue palito de picolé e garrafinhas de água no chão 🙂

Feliz 2015.

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Vai votar em quem? Como nossa mente funciona em época de eleição

BrazilElectionA batalha pela presidência da República do Brasil tem sido acirrada e marcada por debates fervorosos e, em certos momentos, até engraçados. Humorismo à parte, o momento é delicado e deve ser encarado com seriedade. Mas como será que funciona a nossa cabeça em época de eleição? Como decidimos em quem votar? Como escolhemos os nossos candidatos? Entender um pouco da natureza da cognição humana nos ajuda a compreender o que está acontecendo nesse momento político do Brasil.

Nós somos seres racionais, certo? Hmmm médio! Apesar de sempre termos a impressão de que agimos de maneira racional e cautelosa, vários estudos mostram que não é bem assim. Na maioria das vezes, as decisões que tomamos não são decisões racionais. Por exemplo, um estudo realizado em 2008 mostrou que apesar de as pessoas sempre reclamarem de filas longas, elas preferem ficar em uma fila que tem mais pessoas a ficar em uma fila que tem pouca gente. Para decidir em que candidato votar, a história não muda. A verdade é que raramente o eleitor faz uma lista dos pros e contras de cada candidato envolvido e toma uma decisão racional com base no candidato que apresenta mais pontos a favor que contra.

Em geral, decidimos em quem vamos votar usando o que chamamos de gut rationality, ou seja, utilizamos uma forma de cognição mais implícita, rápida e pouco racional. Esse tipo de “pensamento” é geralmente associativo e mais susceptível a erros. Por exemplo, se eu te disser que uma bala e um pirulito custam juntos R$ 1,10 e que o pirulito sozinho custa R$ 1,00 a mais que a bala, e depois te perguntar quanto custa somente a bala, intuitivamente você vai responder R$ 0,10, apesar de ser essa uma resposta incorreta. O sistema que processa essa informação de forma mais intuitiva nos conduz a erros desse tipo. E esse é o mesmo sistema que alguns de nós utilizamos para decidir qual candidato é melhor para a presidência do Brasil.

As nossas emoções também têm papel muito proeminente nas decisões políticas que fazemos. Alguns estudos nos Estados Unidos, por exemplo, mostraram que um eleitor — que tem o direito de escolher se vai votar ou não — geralmente escolhe participar da eleição apenas para votar no oponente do candidato que ele odeia. Em outras palavras, ele não leva muito em consideração as propostas do candidato que ele escolheu, mas leva em consideração o fato de que o candidato que ele escolheu é oponente do outro candidato que ele odeia. O medo também está associado às decisões que tomamos. Alguns estudos sugerem que pessoas mais medrosas (não só com relação à política, mas medrosas em geral), tendem a ser mais conservadoras e apoiar candidatos que irão manter a sua situação particular a mesma. A propósito, o pensamento irracional e intuitivo é marcado por análises de situações específicas e não análises da situação global. Assim, o pensamento intuitivo nos leva a decidir que o candidato A é ruim só por que ele não aumentou o meu salário, mesmo que a política desse candidato seja globalmente mais benéfica que a do outro.

Lembra do exemplo de que as pessoas preferem filas com mais pessoas do que filas com menos pessoas? A ideia por trás desse comportamento é o fato de que as pessoas preferem se sentir parte de um grupo a não fazer parte de um grupo. É o que chamamos em inglês de group bias. Assim, muita gente decide em quem votar pelo simples fato de que votando no candidato A ela vai se sentir parte daquele grupo de pessoas que votam no candidato A. E esse sentimento de pertencimento é alimentado pela percepção de que somos mais parecidos com os membros daquele grupo. Assim, se você é professor e professores em geral votam no candidato A, seu sistema intuitivo vai te levar a perceber o candidato A como a melhor escolha (mesmo que as propostas dele não sejam as que você avalia como as melhores).

E por último, um ponto que tem sido muito pervasivo nos debates políticos entre os candidatos e entre os adeptos de cada um: o papel das informações negativas. Nosso sistema cognitivo processa informações negativas de maneira muito diferente de como ele processa informações positivas. Até vale ressaltar que esses dois tipos de informação são processados por áreas distintas no nosso cérebro. Informações negativas tendem a durar mais tempo na memória e requerem um esforço cognitivo maior para serem processadas. Por esse motivo, baseamos nossas decisões muito mais nas informações negativas de cada candidato do que nas informações positivas que temos de cada um deles. E isso os candidatos têm feito muito bem: expor o lado podre de cada um.

O que deve ficar claro com isso tudo é que nós não utilizamos o melhor aspecto da nossa cognição para decidir em quem votar. Estamos o tempo todo sendo influenciados por viéses sociais, emocionais e (ir)racionais. O candidato que melhor explora esses aspectos da nossa cognição acaba vencendo a batalha. Precisamos ficar atentos, no entanto, a esses viéses e, sempre que possível, procurar contorná-los buscando informações e fatos mais precisos e confiáveis para evitar erros de intuição na hora de decidir quem vai ser nosso próximo presidente.

O voto deve ser consciente. E ter ciência de como nossa mente funciona certamente ajuda nessa tarefa. My two cents! 🙂

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Mulher e matemática combinam sim.

female_mathUma característica assustadoramente fascinante da cognição humana é o fato de que fazemos péssimas previsões do futuro. Por exemplo: se eu te pergunto hoje o quanto você acha que estará feliz se, em 2019, eu depositar 10 mil reais na sua conta bancária, provavelmente você vai me dizer que ficará super feliz. No entanto, quando 2019 chegar, você vai notar que os 10 mil reais nem te fazem tão feliz assim como vc imaginou hoje. Mesmo não tendo evidência nenhuma de que você ficará feliz, você faz uma previsão baseada na nossa situação hoje. E isso não é errado. É o melhor que podemos fazer.

O problema é que na grande maioria das vezes, nós moldamos nossa cognição, emoções e ações com base em traços que muitas vezes nem são verdadeiros. Um exemplo que eu tenho certeza que você vai se identificar: lembra quando você ia fazer aquela prova de matemática e, mesmo sem saber se a prova seria mesmo tão difícil quanto pensava, você agia como se aquela prova fosse a mais difícil do mundo? Então. A mesma coisa acontece nos exames de Vestibular. A pessoa fica tão nervosa e ansiosa esperando que a prova seja difícil, que mesmo uma questão super fácil se torna extremamente impossível de solucionar. Em outras palavras, nossas expectativas, medos e anseios criam aparências. E muitas vezes agimos como se essa aparência fosse real. A verdade é que muitas vezes a prova nem é tão difícil assim, mas partimos de uma crença de que é difícil e acabamos achando mesmo tudo muito difícil.

Mas como isso influencia nossas ações? Já ouviu dizer que homens são melhores que as mulheres em habilidades matemáticas? Então. Esse tipo de afirmação é, em grande parte, responsável pelo alto índice, entre as mulheres, de ansiedade relacionada à matemática e/ou à áreas do conhecimento relacionados à matemática, tais como física, engenharia e estatística. Mas será que isso é verdadeiro? Será mesmo que as mulheres são piores que os homens em áreas exatas? Ou é apenas mais uma dessas coisas que a nossa cognição nos passa a perna?

Um estudo realizado por um grupo de pesquisadores da Humboldt University em Berlim, Alemanha, mostrou que essa ansiedade é apenas fruto de uma crença. Nesse estudo, eles perguntaram a um grupo de pessoas (homens e mulheres) qual o nível de ansiedade que sentiam com relação à matemática. Como essas medidas são fortemente influenciadas por crenças já existentes, o resultado mostrou que as mulheres tinham um nível de ansiedade maior do que o nível de ansiedade dos homens. Pelo menos era assim que as mulheres se viam.

No entanto, os pesquisadores resolveram medir o nível de ansiedade durante uma prova de matemática. A ideia era ver se essa ansiedade era apenas uma impressão causada pela crença, ou se ela realmente existia na prática. Os resultados mostraram que apesar de as mulheres acharem que são mais ansiosas que os homens em relação à matemática, na prática, durante uma prova, o nível de ansiedade entre homens e mulheres foi praticamente o mesmo. E mais ainda. As notas nas provas de matemáticas foram comparáveis, ou seja, as mulheres se saíram tão bem ou até melhor que os homens.

Mas por que esse tipo de pesquisa é importante? Bem, o nível de ansiedade que as pessoas percebem em si acabam afetando diretamente as escolhas que essas pessoas fazem no decorrer da vida. Por exemplo, pesquisas mostram que por se sentirem mais ansiosas, mulheres acabam evitando escolher carreiras que envolvem matemática. E isso tem um impacto grande no nível de representatividade das mulheres em certas carreiras tais como física, engenharia, matemática, astronomia, etc. Perpetuar esse tipo de crença sem muito respaldo acaba por ter um impacto social desagradavelmente grande.

Feliz Dia Internacional da Mulher a todas as pessoas (em especial às pessoas do sexo feminino) que contribuem para que crenças como essas não sejam perpetuadas! 🙂

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Na foto: Émilie du Châtelet

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Eu amo matemática… e meu cérebro também!

mathheartCerta vez, fui acusado de ser um polímato. Apesar de ter achado a acusação um pouco exagerada (quem me dera ser um…) ela não veio sem fundamento. Sou uma pessoa que tenho interesses e curiosidades diversas: desde uma paixão sem noção por literatura de escrita feminina (quem já leu Virginia Woolf vai saber do que estou falando), até uma fascinação sem limites pela matemática teórica.

Essas são duas áreas vistas como completamente distintas. Literatura é arte, beleza, encantamento. Literatura como arte desperta no cérebro as áreas relacionadas às emoções, e/ou à apreciação de coisas belas e fascinantes. Já a matemática é vista como um domínio altamente intelectual. A matemática seria responsável por despertar áreas relacionadas ao raciocínio lógico e ao pensamento objetivo e técnico. E é por isso que as pessoas, em geral, acham estranho quando alguém tem interesse (e conhecimento) sobre áreas que são assim tão distintas.

Pra mim, esses domínios são um pouco difusos. Existem algumas fórmulas matemáticas que, pra mim, são belas. É como se elas fossem peças de arte que eu poderia passar horas e horas só admirando. Lembro bem de quando eu estudava as Equações de Maxwell, por exemplo, e ficava literalmente fascinado com elas. Coisa de doido, né?

Bom, nem tanto. Um estudo recente publicado no periódico Frontiers in Human Neuroscience, e conduzido por uma equipe de pesquisadores liderado pelo professor Semir Zeki da University College of London na Inglaterra mostrou que a mesma área do cérebro que é comumente acionada quando estamos apreciando uma obra de arte (i.e., uma pintura, ou uma escultura) é ativada no cérebro de matemáticos quando eles observam fórmulas matemáticas.

No estudo, os pesquisadores pediram a um grupo de matemáticos que julgasse a beleza de 60 fórmulas matemáticas enquanto o cérebro deles era escaneado por Ressonância Magnética Funcional (fMRI). Os resultados mostraram que houve uma ativação significativa em uma região do córtex órbito-frontal conhecida como campo A1. Vários outros estudos já mostraram que essa área (que está localizada em uma região conhecida como “cérebro emocional”) está associada à experiências de beleza vindas de várias fontes (i.e., arte, música). Mais interessante ainda, o estudo sugere que essa percepção de beleza não está necessariamente correlacionada com o conhecimento intelectual da fórmula. Mesmo aqueles matemáticos que julgaram não conhecer certas fórmulas, as julgaram como belas, sugerindo que esse julgamento tem uma natureza mais abstrata — assim como o julgamento de muitas peças de arte.

Dentre as fórmulas julgadas como mais belas estão a Identidade de Euler, a identidade trigonométrica fundamental e as equações Cauchy-Riemann (a propósito, leiam aqui também). A fórmula que foi unanimemente julgada como a mais feia foi a fórmula de Srinivasa Ramanujan que sugere que o recíproco de pi é uma soma infinita.

Apesar de ser ainda um estudo com bastantes arestas para serem aparadas, é interessante pensar que arte e matemática não estão tão separadas como geralmente pensamos. E da próxima vez que seu filho ficar olhando, sem palavras, para uma fórmula matemática, não fique bravo com ele. Ele pode estar apenas exercitando o talento de apreciar arte. lol

Para acessar o estudo original, clique aqui e para seguir as novidades do Cognando clique aqui.

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