Anatomia Aplicada do Joelho: Ligamento Cruzado Anterior

 

Toda articulação precisa de MOVIMENTO e ESTABILIDADE. O joelho é a maior articulação do corpo humano. Ao contrário do quadril, onde o fêmur se encaixa na bacia, gerando estabilidade óssea, no joelho o fêmur e a tíbia não se encaixam. Por isso, existe a necessidade de estruturas capazes de unir os dois ossos e conferir estabilidade para a articulação. Essas estruturas são os ligamentos e os meniscos. De uma forma simplificada, existem dois ligamentos por fora da articulação: os colaterais medial (LCM) e lateral (LCL); dois ligamentos por dentro: os cruzados anterior (LCA) e posterior (LCP); e dois meniscos: medial (MM) e lateral (ML).

 

Os dois ligamentos cruzados, anterior e posterior, são nomeados de acordo com sua inserção na tíbia. Eles são essenciais para o funcionamento do joelho. O LCA é o restritor estático primário da translação anterior da tíbia em relação ao fêmur. Além disso, auxilia na estabilidade rotacional do joelho. O restritor estático secundário é o corno posterior do MM. Em pacientes com lesão crônica do LCA, é muito frequente observar degeneração ou até ruptura do corno posterior do MM por sobrecarga. Os restritores dinâmicos são os músculos flexores do joelho (bíceps da coxa, semi membranáceo e semi tendinoso). Outra alteração comum em pacientes com lesão crônica do LCA é a perda da extensão máxima do joelho (deformidade em flexo) por causa da contratura destes músculos).

 

Os testes clínicos mais usados para diagnosticar a lesão do LCA são:

 

  • Teste de Lachman – joelho posicionado em 30 graus de flexão. O médico provoca a translação anterior da tíbia. Se for maior que 3 mm em relação ao lado saudável, o teste é positivo. A explicação anatômica é que o LCA é o principal restritor da translação anterior. Funcionalmente, o LCA se comporta como tendo duas bandas: a póstero lateral (mais tensa em 30 graus) e a anteromedial (mais tensa em 90 graus);
  • Teste da Gaveta Anterior – similar ao Lachman, mas com o joelho posicionado em 90 graus de flexão. Nesta posição, a banda anteromedial está mais tensa. Embora a banda anteromedial seja maior, a póstero lateral é a mais importante para evitar o sintoma do falseio;
  • Teste do ressalto – com o joelho em extensão, o médico força a rotação interna e o valgo da perna. Se o LCA estiver lesionado, isso acarreta uma subluxação antero lateral da tíbia. Ao fletir o joelho nesta posição, quando chega a 30 graus de flexão, ocorre a redução desta subluxação, causando um movimento brusco do joelho (o ressalto). A explicação anatômica do teste é que o Trato Ílio Tibial (TIT), em extensão, está anterior ao centro de rotação da articulação, provocando a translação anterior da tíbia. Quando chega nos 30 graus de flexão, o TIT passa a ficar posterior ao centro de rotação, promovendo a translação posterior da tíbia. Portanto, esse teste depende da integridade do TIT.

 

É possível acessar os vídeos ensinando a fazer estas manobras no www.joelhounicamp.br.

Nem todo paciente com lesão precisa de cirurgia. A finalidade do tratamento é manter a estabilidade da articulação para evitar entorses de repetição e danos a cartilagem e aos meniscos que possam evoluir para osteoartrite (OA). É possível, através da fisioterapia, ensinar o corpo a usar o estabilizador dinâmico (musculatura flexora) para suprir a falta do LCA.

 

São candidatos a cirurgia:

 

  • praticantes de esportes que envolvam dribles, saltos ou mudanças bruscas de direção. Exemplo: futebol, basquete, vôlei, artes marciais;
  • pacientes que tenham duas novas torções mesmo durante a fisioterapia para reeducação muscular;
  • lesões múltiplas envolvendo os meniscos ou outros ligamentos;
  • fraturas com desvio associadas (fraturas por avulsão da espinha da tíbia).

 

A cirurgia consiste na reconstrução do LCA (substituição por um enxerto), já que as suturas (reparo) tem um alto índice de insucesso.

Os enxertos podem ser de 3 tipos:

 

  • autólogos – do corpo do próprio paciente; tem a vantagem de evitar a transmissão de vírus e príons, apresentam incorporação mais rápida (integração do enxerto), com retorno precoce ao esporte. Nesta categoria se encontram os tendões patelar, grácil + semitendineo (G-ST) e quadricipital. Os mais usados atualmente são o G-ST e o patelar;
  • homólogos – são tendões obtidos de cadáveres. Apresentam risco de transmissão de doenças infecciosas e integração mais demorada do enxerto. Em geral, são usados para joelhos com lesões multi ligamentares;
  • artificiais – foram abandonados na década de 80 devido o alto índice de insucesso, pois o material submetido a carga cíclica tende a entrar em fadiga e arrebentar.

 

 

É importante ressaltar que a cirurgia ainda está longe de reconstruir exatamente a anatomia normal. Por isso, mesmo os melhores cirurgiões tem uma taxa de insucesso (instabilidade pós cirúrgica) em 10% dos pacientes. Das diversas diferenças entre o LCA nativo e o enxerto, a mais evidente é que estamos substituindo um LIGAMENTO POR UM TENDÃO. Embora ambos sejam formados predominantemente por feixes de colágeno tipo 1, ligamentos unem dois ossos e conferem estabilidade a articulação. Tendões unem um músculo a um osso e transmitem a força da contração para gerar movimento. Macroscopicamente são muito parecidos, mas o comportamento biomecânico e a organização histológica diferem.

 

Bibliografia: Scott WN. “Insall & Scott, Surgery of the Knee, Vol 1”, 6th Ed. Elsevier.

 

 

Alessandro Zorzi

Médico ortopedista e pesquisador na UNICAMP e no Hospital Albert Einstein, com mestrado e doutorado em ciências da cirurgia pela UNICAMP e especialização em pesquisa clínica pela Harvard Medical School.

3 thoughts on “Anatomia Aplicada do Joelho: Ligamento Cruzado Anterior

  • 13 de novembro de 2018 em 08:48
    Permalink

    Durante a prática do futebol de final de semana, J.L.P., 33 anos, fisicamente ativo, relata dor e limitação de movimento, além de edema no joelho direito. O paciente informa que durante a prática esportiva, em um dado momento executou uma rotação do corpo, com a intenção de mudar de direção na corrida. Neste momento, escutou um forte “estalo” e muita dor, impossibilitando de continuar a executar a atividade. Após avaliação clínica e exame de imagem (figura 1), foi diagnosticado ruptura do ligamento cruzado anterior.

    1. Qual o movimento gerenciado pelo ligamento cruzado anterior e quais são os ligamentos encontrados no complexo articular denominado joelho?
    2. Indique as peças ósseas em que os ligamentos são fixados e os movimentos gerenciados por cada um deles.
    3. Pesquise os processos de regeneração dos tecidos lesionados
    4. De acordo com sua competência acadêmica proponha uma terapêutica para este indivíduo

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    • 27 de maio de 2019 em 16:21
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      Olá!

      A ruptura ou estiramento do ligamento cruzado anterior é uma das lesões mais frequentes.

      Os ossos dos joelhos, constituídos por fêmur (osso da coxa), tíbia (osso da perna) e patela (rótula), são unidos por meio de ligamentos.

      Há quatro ligamentos principais no joelho:

      Ligamento colateral - Medial e lateral

      LIgamento cruzado - anterior e posterior

      Em metade das lesões do ligamento cruzado anterior há lesões associadas, como: danos à cartilagem articular, aos meniscos ou a outros ligamentos.

      O tratamento para a ruptura do LCA rompido variará conforme as necessidades de cada paciente. Entretanto, o LCA rompido não cicatriza sem a realização de cirurgia.

      Espero ter ajudado.

      Resposta
  • 9 de dezembro de 2018 em 12:15
    Permalink

    LCA é uma lesão fácil de se encontrar em praticantes de futebol

    Resposta

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