O que andei vendo no Netflix em dezembro

Os marmanjos que idolatram novinhas japonesas, tentativas de alcançar o “centro do Universo”, um retrato íntimo da última equipe familiar da Fórmula-1, a velha polêmica dos grafites paulistanos e uma série sobre sequestrados encerraram os documentários que vi em 2017 — agora com trailers após cada resenha


Tokyo Idols (88 min., 2017) — O que você faria por um encontro de um minuto cravado com seu ídolo favorito? Largaria o emprego? Pedalaria por quilômetros? Gastaria a maior grana? Seriam atitudes compreensíveis para um(a) jovem, mas no Japão isso é coisa que homens de meia-idade fazem por meninas que ainda estão na adolescência, as idols, um misto de cantora, dançarina e modelo. Embora pareçam inalcançáveis, há cerca de 10 mil adolescentes japonesas que se apresentam como idols. Rio Hiragi, 19 anos, Yuka Hirano, 22, e Amu, 14, são algumas delas. Seus fãs também se contam aos milhares e são homens que levam uma vida comum, por vezes até medíocre — como o revendedor de eletrônicos, Koji, 43 anos e o funcionário de transportadora Mitacchi. Mas o que leva esses marmanjos a venerar as novinhas? Essa é a questão discutida por jornalistas, economistas, sociólogos, empresários e produtores musicais neste documentário dirigido por Kyoko Miyake. Entre as respostas estão fatores culturais (como o culto à virgindade dos japoneses), sociais (uma geração de homens deprimidos e socialmente retraídos) e econômicos (uma economia em estagnação desde os anos 1990). As legendas das músicas cantadas também ajuda a entender o contexto dessa subcultura: os temas variam de algo parecido com o gospel a canções de dor-de-cotovelo e com teor de auto-ajuda. Além disso, acompanhamos a rotina das idols, que inclui constantes livestreams nas redes sociais, competições acirradas — como a da AKB48, banda mais popular do gênero, que tem centenas de integrantes e eleições anuais — e meios de promoção pouco ortodoxos — como a turnê ciclística da Rio pelo Japão. Embora movimente 1 bilhão de dólares por ano e seja cada vez mais mainstream, a cultura idol não representa necessariamente um meio de ascensão socioeconômica para as meninas (aliás, cada vez mais jovens) que almejam essa carreira. Ao mesmo tempo, esse é um dos poucos (se não o único) espaço onde as mulheres têm protagonismo na cultura japonesa. Por fim, ainda que alguns fãs vejam suas idols de forma romântica e mesmo sexualizada, a maioria parece segui-las como uma forma de lidar com as frustrações do dia-a-dia e de buscar ambientes mais informais, que lhes permitam se expressar livremente: cantando, dançando e até mesmo com gritos histéricos típicos de qualquer fã de pop. Trailer (em inglês):

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Meru – o centro do universo (90 min., 2015) — Após se casar, o alpinista americano Conrad Anker prometeu à esposa que não iria mais se arriscar em grandes montanhas. Alguns anos mais tarde, porém, lá estava ele organizando mais uma expedição ao lado do companheiro Jimmy Chin e do novato Renan Oztark. O objetivo era o Monte Meru, uma montanha sagrada para o hinduísmo, considerada o ponto de encontro entre o Céu, a Terra e o Inferno além de abrigar a nascente do rio Ganges. Para os alpinistas o motivo da atração é o enorme paredão quase inteiramente vertical de cerca de 6000 metros chamado Barbatana do Tubarão. Conrad já havia tentado conquistar o Meru em 2003. Esse documentário, dirigido por Chin, aplinista-fotógrafo-cinegrefista-sino-americano, começa com a segunda tentativa, feita em 2008. Pendurados numa barraca durante quatro dias sob nevasca intensa, o trio de escaladores perdeu metade do suprimento de comida com 90% da escalada pela frente. Para surpresa de Oztark, os veteranos decidem seguir até o fim e quase alcançam o topo. Três anos mais tarde, em 2011, nova tentativa. Apresentada na segunda metade do filme, essa terceira expedição ao Meru foi dramática antes mesmo de começar: meses antes da subida, Renan sofre uma grave lesão no crânio e no pescoço enquanto gravava um comercial com snowboarders; quando vai terminar esse serviço, Jimmy é engolido por uma avalanche e sobrevive milagrosamente. Com 2/3 da equipe ferida fisica e psicologicamente, Conrad chega a ponto de desistir. Mas como aconteceu em 2008, os três resolvem seguir em frente apesar de todas as circunstâncias e buscam alcançar o ponto da superfície terrestre em que nenhum homem jamais esteve: o topo do Meru. Trailer (em inglês):

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Williams (104 min., 2017) — Ele sempre foi moleque e sempre precisou de velocidade. Há mais de 40 anos à frente de uma equipe de Fórmula-1 — a última à moda antiga, controlada diretamente por seu proprietário —, Sir Frank Williams já seria lendário apenas por isso. Mas Mr. Williams não é nem nunca foi acomodado. Após aprender a dirigir no carro da mãe (que o criou sozinha), sua carreira começou nos anos 60, quando passou a pilotar um Austin que lhe custou 80 libras. Como todo jovem piloto, ele almejava ser o melhor de todos mas era meio afobado e vivia saindo das pistas. Quando percebeu que não era tão bom assim na pilotagem, voltou-se para a área mecânica e começou a ganhar a vida com a compra e venda de peças e montando carros de corrida por encomenda para pilotos europeus. Um deles, Piers Courage, foi o parceiro que o levou a montar carros para Fórmula-1 em 1969. Era uma parceria promissora, mas não durou muito: Courage faleceu no ano seguinte ao se acidentar no GP da Holanda num carro montado por Williams. O ex-piloto conseguiu se manter na perigosa F-1 setentista, mas era o saco de pancadas da categoria — mal tinha dinheiro para comprar pneus e velas. Quem sempre lhe deu apoio incondicional foi sua esposa, Virginia “Ginny” Williams, que se apaixonou por ele quando estava prestes a se casar com outro cara. Em 76, Frank teve que vender a própria equipe e chegou a ser expulso dela. A Williams renasceria, no ano seguinte, com o patrocínio de uma cervejaria belga e viveria sua era dourada nos anos 1980, quando passaram por ela nomes como Alan Jones, Nigel Mansell e Nelson Piquet. Em 86, Frank e sua equipe estavam no auge quando ele ficou tetraplégico num acidente de carro na pré-temporada. Todo mundo sofreu, claro, mas ninguém mais do que Ginny — de repente, ela teve que se tornar mãe do próprio marido e ajudar a administrar a equipe. Outro grande baque foi a morte de Senna em 94. Desde então a equipe já não é mais a mesma e só não fechou as portas por causa da teimosia do chefe. Entretanto, este documentário, dirigido por Morgan Matthews e co-produzido pela BBC, não é apenas a história de uma equipe e do homem que a criou. Williams também revela o lado familiar e íntimo de Frank, que sempre zelou pela vida privada e foi avesso a entrevistas. Para contornar o laconismo do patriarca, a história é contado por meio de entrevistas com familiares, amigos, ex-funcionários da equipe e sobretudo as gravações de áudio de Ginny, que escreveu um livro após o acidente do marido, além das recordações de Claire Williams, filha de Frank e primeira mulher a chefiar uma equipe de F-1. O resultado é um filme primoroso, capaz de interessar até quem não acompanha a categoria de ponta do automobilismo: egoísta e teimoso, carismático e inexpressivo, Frank é um personagem riquíssimo. Trailer (em inglês):

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Cidade Cinza (79 min, 2013) — Uma das grandes polêmicas do recém-finado 2017 foi o apagamento dos grafites de São Paulo — como os grandes paineis da Avenida 23 de Maio — no início do governo de João Dória. No entanto, essa é uma questão mais antiga do que parece: a postura higienista e cinzenta da prefeitura paulistana vem de muitos anos e ultrapassa as colorações partidárias dos prefeitos. É isso que mostra esse documentário dirigido por Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo e ambientado em dezembro de 2008. Naquela época o mural da 23 de Maio também foi alvo das brigadas cinzentas da prefeitura (então administrada por Gilberto Kassab), o que gerou uma polêmica e uma desculpa muito parecidas com a deste ano: o apagamento, segundo o prefeito, havia sido um “engano”. Com entrevistas com artistas do grafite como Osgemeos (Otávio e Gustavo Pandolfo), Nunca (Francisco Rodrigues), Ise (Cláudio Duarte), Nina (Carina Pandolfo), Zefix e Finox, além de Fábio Cypriano, crítico de arte da Folha, e curadores de arte nacionais e estrangeiros, o filme debate a questão: onde termina o grafite e começa o pixo? Quais são os critérios para preservar esse tipo de manifestação artística? Enquanto os artistas explicam como se iniciaram nessa cultura ligada ao hip hop e quais são suas inspirações, suas motivações e suas técnicas, os produtores do filme acompanham (a) a operação de recriação do painel apagado na 23 de Maio e (b) uma equipe de terceirizados encarregados de pintar os muros (e a cidade) de cinza. Há subjetividade em ambos os processos, mas a dos funcionários da prefeitura tem uma carga destrutiva: dois grafites no mesmíssimo muro podem ser tratados de maneira diferente dependendo se agradam ou não aos fiscais — entre os quais, curiosamente, há um ex-grafiteiro que parece ser bem rígido na operação de “limpeza”. Além de discutir a falta de critérios nesse tipo de operação, Mesquita e Valiengo destacam como o nosso grafite só passou a ser visto como arte por aqui depois de ser reconhecido no exterior. Por fim, a reinauguração do mural, onde Kassab, Andrea Matarazzo e um bispo aparecem para uma entrega “simbólica” e falam mais num tom autocongratulatório do que em pedidos de desculpas e na busca por entendimento com as demandas dos artistas. Estes, por sua vez, terminam com a esperança de que passem a ter suas obras mais respeitadas e preservadas — algo que, praticamente dez anos depois, ainda não aconteceu. Trailer:

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Série documental

Captive: Histórias sobre Reféns (1 temporada, 2016) — Quando se fala em refém, a primeira coisa que vem à cabeça é o sequestro, um crime relativamente comum. Exceto pela executiva da Coca-Cola sequestrada no Rio nos anos 90, os reféns que contam suas histórias nessa série exclusiva do Netflix foram vítimas de sequestros bastante incomuns: presos rebelados numa penitenciária dos EUA, iatistas capturados por piratas na Somália, missionários em cativeiro nas selvas filipinas, voluntários encarcerados na Chechênia, palestinos sitiados numa igreja em Belém, filantropos levados por terroristas no Iêmen e ativistas de direitos humanos em cativeiro no Iraque pós-guerra. Com cerca de uma hora cada, os oito episódios ouvem não apenas os sequestrados mas também os seus familiares, os negociadores e, em alguns casos, os responsáveis pelo cativeiro. Os crimes, retratados por meio de reconstituições e imagens de arquivo ou áudios das negociações, variam tanto em duração — de poucos dias a mais de um ano — quanto em grau de violência — algumas vítimas acabam mortas, outras não — e em motivações, que nem sempre se resumem à obtenção de dinheiro em troca do resgate das vítimas. Nos cativeiros mais longos é possível observar o desenvolvimento de uma aproximação paradoxal entre sequestrado e sequestrador, algo conhecido como Síndrome de Estocolmo. Nesses casos, seria interessante a participação de algum psicólogo para explicar o que há por trás desse tipo de reação. Trailer (em inglês):

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