O poder bífido
Não é de hoje que ouvimos falar sobre probióticos. Mas é inegável o destaque que eles tem tido na mídia nos últimos anos. Diversos produtos que estão no mercado utilizam seu potencial probiótico como estratégia de marketing. Davi Barreto (@davibio) tem um post legal no BioConnection falando o que são probióticos e dando exemplos de produtos comerciais: “Probióticos no mercado, o que você come e por que?“.
O post de hoje é um artigo que saiu do meu laboratório (e eu sou um dos autores!) – a referência completa está no final do post. Neste trabalho, avaliamos algumas propriedades que são critérios para dizermos se um determinado microrganismo pode, ou não, ser considerado probiótico.
INTRODUÇÃO
A definição de probiótico varia um pouco de acordo com o autor, por esse motivo, usamos a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) que diz que: “probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício ao hospedeiro”. O objetivo de um probiótico é, na verdade, reforçar, ou substituir temporariamente (em caso de certas doenças como a DAA, veja este post), as funções da microbiota normal do hospedeiro. Já dicutimos sobre microbiota AQUI, AQUI, AQUI e AQUI neste blogue. Dentre os microrganismos utilizados como probióticos humanos temos (em destaque) os lactobacilos, as bifidobactérias, além da levedura Saccharomyces boulardii – que é comercializada como medicamento e bem caro por sinal.
Nesse trabalho, analisamos algumas propriedades probióticas de duas linhagens de Bifidobacterium animalis subespécie lactis, que chamamos de Bifido-A e Bifido-B. Para isso, realizamos alguns testes in vitro e outros in vivo (ou seja, em camundongos).
EXPERIMENTOS
O teste in vitro tinha por objetivo verificar se Bifido-A e B produziam substâncias que fossem capazes de impedir o crescimento de bactérias patogênicas (como Salmonella, Shigella e Vibrio cholerae). O resultado mostrou que as duas linhagem são capazes de inibir o crescimento desses patógenos.
Para o teste in vivo, utilizamos um modelo de febre tifóide (induzida por Salmonella). O primeiro fator avaliado é a mortalidade dos camundongos. Para isso usamos a seguinte metodologia:
O gráfico abaixo mostra o resultado desse experimento, na verdade apenas o resultado da Bifido-B que foi a que mostrou um melhor resultado. Observe que quando os camundongos foram infectados com Salmonella houve sobrevivência de apenas 50% dos animais. Porém, quando esses animais receberam inóculos da bactéria probiótica (Bifido B) antes do desafio com a Salmonella a sobrevivência foi de 80%.
Analisamos também, outros fatores como a capacidade do probiótico em impedir/diminuir a translocação da Salmonella – ou seja: que o patógeno atravesse o epitléio intestinal, e que, pela corrente sanguínea, chegue a outros órgãos como o fígado, por exemplo. Observamos que em alguns órgãos (fígado e baço), se houve translocação, foram em níveis tão baixos, que não fomos capazes de detectar Salmonella no fígado ou no baço. E nos outros órgãos avaliados (linfonodos) a translocação foi reduzida significativamente.
A Salmonella é um patógeno que invade e destrói as células do epitélio intestinal. Então, avaliamos, histologicamente, o aspecto da mucosa intestinal. O resultado é impressionante, veja nas fotos:
Na foto A vemos o intestino de camundongos que foram somente desafios com salmonela. Em B, os animais foram tratados com Bifido-A antes do desafio. Em C, os animais foram tratados com Bifido-B, antes do desafio. É curioso ressaltar que em A e B vem os infiltrado de células inflamatórias, além da perda das vilosidades intestinais. Porém, em C, não vemos o infiltrado e as vilosidades estão presentes!
Outro aspecto analisado foi a capacidade do probiótico em estimular o sistema imune. O resultado foi positivo, mostrando que as bifidobactérias estimulam o sistema de defesa dos camundongos.
Outros aspectos ainda foram avaliados, mas acho que os exemplos aqui suficientes para exemplificar não só o trabalho que faço, mas demonstrar como os probióticos atuam. (Quem quiser mais detalhes, a referência do artigo está no final do post).
COMENTÁRIOS
A referência aos próbióticos é antiga… muuuuito antiga, na verdade. Temos citação do consumo de leite fermentado desde o antigo testamento. Mas, apenas recentemente, a associação entre o consumo de produtos fermentados e melhoria da saúde foram estabelecidos. Diversos testes tem sido feitos em todo o mundo com o objetivo de verificar, avaliar e comprovar a eficácia e os riscos da utilização de micro-organismos no tratamento de doenças causadas (ou não) por outros micro-organismos. No nosso laboratório, utilizamos o modelo de febre tifóide – outros utilizam modelos de infecção por Vibrio ou Shigella por exemplo, em outros o modelo são doenças inflamatórias crônicas como artrite ou doença chron. Em todos vemos aspectos de melhora significativa – dependendo do probiótico utilizado. Além de todas essas evidências em modelos animais, avaliações em humanos (testes clínicos) já foram iniciados e muitos resultados positivos são observados.
Acredito que o grande “boom” da utilização dos probióticos deve acontecer num futuro próximo. Já vemos no mercado alimentício diversos produtos que utilizam o slogan “contém Lactobacillus vivos”; “contém o exclusivo bacilo Dan regularis” ou, ainda, “melhoram o intestino”.
O Activia (da Danone), como pode ser lido no próprio site, é um iogurte que tem o bacilo DanRegularis, que nada mais é do que Bifidobacterium animalis linhagem DN-173 010. A mesma bactéria, mas de linhagem diferente das que utilizamos no nosso trabalho.
Mas como mostramos a utilização dos probióticos vai além do simples ato de melhor a motilidade intestinal. Probióticos ajudam no tratamento de doenças (infecciosas ou inflamatórias crônicas) por diferentes mecanismos: produção de substâncias de matam/impedem-o-crescimento de outros microrganismos, competindo por espaço no trato intestinal ou mesmo estimulando o sistema de defesa! E, ainda, quando consideramos a frequente disseminação rápida de linhagens resistentes a múltiplos antibióticos, podemos ver os probióticos como uma alternativa real para o tratamento dessas doenças.
ARTIGO
Martins AKS, Martins FS, Gomes DA, Elian SDA, Vieira AT, Teixeira MM, Cara DC, Nardi RMD, Nicoli JR (2010). Evaluation of in vitro antagonism and of in vivo immune modulation and protection against pathogenic experimental challenge of two probiotic strains of Bifidobacterium animalis var. lactis Archives of Microbiology DOI: 10.1007/s00203-010-0626-0
PARA DESCONTRAIR…
Live lactobacillus dead (A morte dos lactobacilos vivos)