Salmonella, sua danadinha!

Na série “Superorganismo: acredite, você é!”, eu fiz um post comentando que consideramos um micro-organismo como patogênico não apenas por suas estruturas, mas também pelo seu comportamento – o que, em momentos específicos, nos permite incluir alguns membros da microbiota nessa classificação. Acontece, porém, que alguns micro-organismos são classicamente considerados patógenos, a Salmonella (Fig 1) é um exemplo.

Fig 1. Salmonella, essa danadinha…

Pra início de conversa, essa bactéria é um patógeno intracelular facultativo, o que significa que ele é capaz de invadir e multiplicar em células animais (podem ser células epiteliais do intestino ou mesmo células do sistema imunólogico – como macrófagos ou netrófilos). E, para entrar nessas células, a salmonela induz modificações na membrana da célula hospedeira, promovendo seu próprio engolfamento (Fig. 2). Depois de estar dentro da célula, a bactéria permite a restauração da membrana da célula hospedeira e impede a sua própria destruição pelas enzimas da célula.

Fig 2. Salmonella induzindo a própria fagocitose em célula intestinal

Não vou entrar em detalhes, mas uma cascata de enventos é ativada pela presença de Salmonella, e isso leva a um quadro inflamatório. O mais curioso de tudo isso é que a bactéria não se intimida com a tentativa do corpo em eliminá-la e, inclusive, se beneficia da inflamação para sua sobrevivência e multiplicação. Difícil de acreditar, não é? Mas não duvide, vou citar dois exemplos (Fig 3):

1. Salmonella produz seu próprio e exclusivo sideróforo. Bactérias precisam de ferro para alguns de seus processos metabólicos vitais e, para capturá-lo, utilizam sideróforos (quelantes de ferro). Um desses quelantes, bastante difundidos entre as bactérias da microbiota intestinal é chamado “enterobactina” ou “enteroquelina”. As células do epitélio intestinal, quando ativadas pela cascata pró-inflamatória, liberam uma proteína chamada “lipocalina”. Essa, por sua vez, liga-se à enterobactina, impedindo que as bactérias que estão no lúmem intestinal absorvam o ferro e se multipliquem (aqui incluímos as bactérias simbionticas da microbiota e também a Salmonella). Acontece que a Salmonella é capaz de produzir um sideróforo denominado “salmoquelina”, que não se liga à lipocalina, garantindo, assim, uma grande vantagem à multiplicação do patógeno.

Achou pouco? Olha só esse segundo exemplo:

2. Salmonella aproveita produtos metabólicos gerados durante a inflamação como nutrientes. O ambiente intestinal é anaeróbico e o metabolismo das bactérias que vivem ali é baseado em fermentação. Durante esse processo, a microbiota libera sufeto de hidrogênio (H2S) – um composto citotóxico que é convertido pelas células do epitélio intestinal em tiosulfato (S2O32-). Neutrófilos migram para o lúmen intestinal durante a inflamação, e ali liberam espécies reativas de oxigênio (ROS, reactive oxygen species) que oxidam o tiosulfato em tetrationato (S4O62-). Salmonella, por sua vez, é capaz de usar o tetrationato como aceptor final de elétron em um processo de respiração anaeróbia – que é muito mais eficiente que a fermentação, garantindo ao patógeno maior quantidade de energia para sua multiplicação!

Fig 3. Salmonella utiliza seus fatores de virulência para invadir e sobreviver no interior das células do hospedeiro.A emergência da resposta inflamatória leva a liberação de lipocalina que sequestra os quelantes de ferro (enterobactina) produzidos pela microbiota, mas não o quelante produzido pela Salmonella (salmoquelina). Espécies reativas de oxigênio geradas por neutrófilos que migram para o lúmen intestinal oxidam compostos de enxofre produzindo um aceptor de elétrons para a respiração anaeróbia de Salmonella, garantindo ao patógeno vantagens para multiplicação e transmismissão.

Utilizando-se dessas duas estratégias, a Salmonella garante vantagem competitiva em relação a outros membros da microbiota, multiplica-se e aumenta suas chances de transmissão pela via fecal-oral.

Ficou impressionado? Isso é evolução, bebê!

Referência

Figuras 1 e 2: Sadava et al. (2009) Vida. 8 ed. Porto Alegre: Artmed.

Figura 3:

ResearchBlogging.orgThiennimitr, P., Winter, S., & Bäumler, A. (2011). Salmonella, the host and its microbiota Current Opinion in Microbiology DOI: 10.1016/j.mib.2011.10.002

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