Parede celular bacteriana: você realmente sabe sobre ela?

No ano passado, escrevi o post “Genoma bacteriano – por uma visão menos simplista…“, como resultado de um seminário que apresentei em uma disciplina de morfologia e fisiologia bacteriana…

Um outro tema muito curioso que me chamou a atenção nessa mesma disciplina foi um seminário sobre parede bacteriana… Sim, esta estrutura tão conhecida ainda tem coisas que podem nos surpreender.

Foi por isso, que pedi ao Rafael Bastos, que é biólogo pela UFV e está fazendo mestrado no meu lab, para escrever um pouquinho sobre esse tema, já que na disciplina desse ano o grupo dele foi responsável pelo tema!

Vamos quebrar mais um paradigma da microbiologia!?


Parede celular bacteriana: você realmente sabe sobre ela?

por Rafael Bastos

Acredito que a estrutura da parede celular seja um dos temas mais abordados em qualquer disciplina básica ou avançada de microbiologia. No entanto, será que realmente conhecemos a estrutura da parede celular bacteriana? E as diferenças entre Gram positiva e Gram negativa?

Todos os livros de microbiologia caracterizariam a parede celular bacteriana da seguinte maneira:

Composta por uma rede macromolecular de peptideoglicano, cuja parte sacarídica é constituída de dois açúcares, N-acetilglicosamina(NAG) e N-acetilmurâmico (NAM), ligados um ao outro e formando uma fileira de dissacarídeos repetidos. As fileiras adjacentes são ligadas por polipeptídeos e esses polipeptídeos, ainda, podem estar ligados a uma ponte interpeptídica em algumas espécies.

E as diferenças entre Gram positiva e Gram negativa?

As Gram positivas possuem ácidos teicóicos e muitas camadas de peptideoglicano, enquanto as Gram negativas não possuem ácidos teicóicos, possuem uma ou poucas camadas de peptideoglicano, além de possuírem a camada de lipopolissacarídeo (LPS) e o periplasma.

Comparação clássica das paredes de bactérias Gram-positivo e Gram-negativo, imagem do livro “Microbiologia de Brock” – clique para ampliar

Contudo, recentes publicações têm demonstrado que a estrutura pode ser muito mais complexa e diversificada do que nós imaginávamos e que ainda não conhecemos algo que parece tão trivial em um primeiro momento que é a parede celular bacteriana.

Na verdade, parecem existir dois principais modelos de parede celular:

O primeiro é conhecido como modelo em camadas e seria esse que nós estamos habituados, com a camada de dissacarídeos repetidos sendo paralela ao eixo principal da célula.

O outro modelo é conhecido como “Scaffold” (andaime). Nesse caso, a camada sacarídica seria perpendicular ao eixo principal da célula. Acredita-se que a parede celular do Staphylococcus aureus poderia ser assim, mas os estudos ainda não são totalmente conclusivos.

Modelo em camadas e em andaime. (Gan et al., 2008)

Além disso, outras novidades seriam a presença do periplasma (ou um espaço semelhante ao periplasma) em bactérias Gram positivas e o fato que a fileira formada pelos dissacarídeos repetidos não é contínua e sim interrompida. Essas fileiras, portanto, podem possuir diferentes tamanhos, o que pode indicar se a parede celular de uma determinada bactéria se encaixa em um modelo ou outro.

Outro fato que às vezes não está muito claro nos livros didáticos é que a camada mais externa de LPS praticamente não possui fosfolipídeo, ao contrário da camada mais interna e das membranas plasmáticas. Essa camada (camada externa da membrana externa) possui apenas lipopolissacarídeos.

Mas o mais interessante sobre esse assunto é o que descobriram sobre a parede de Bacillus subtilis. Os pesquisadores descobriram que as fileiras formadas pelos dissacarídeos nessa bactéria eram muito grandes, bem maior que o comprimento e a largura da célula. Dessa forma, ela não se encaixaria em nenhum dos dois modelos já citados ( camadas e andaime).

Através da microscopia de força atômica eles observaram e concluíram que o peptideoglicano de B. subtilis se enrola sobre ele mesmo e circunda toda a célula, semelhante a uma corda, por isso esse modelo ficou conhecido como “modelo em corda”.

Parede de B. subtilis: modelo em cordas. (Hayhurst et al., 2008)

Essas descobertas são interessantes por si só, contudo, elas também nos fazem pensar como a ciência é dinâmica e que nós ainda sabemos pouco sobre assuntos que muitas vezes podem parecer bem estabelecidos.

ResearchBlogging.org Gan, L. et al. (2008). Molecular organization of Gram-negative peptidoglycan Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.0808035105

Hayhurst, E.J. et al. (2008). Cell wall peptidoglycan architecture in Bacillus subtilis Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.0804138105

7 thoughts on “Parede celular bacteriana: você realmente sabe sobre ela?

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  • 6 de setembro de 2020 em 14:45
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    Diante das informações contidas, no artigo percebe-se a importância dos plasmideos e genes para as bactérias, e que diante de tantos estudos, pesquisas e esforços ainda, tem muito a ser descorberto e explorar.mas percebe-se o qual o potencial e importância a ser descorberto para a indústria farmacêutica e seu desenvolvimento.

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  • 7 de junho de 2021 em 17:29
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    Obrigada! Eu tinha uma curiosidade muito aflorada a cerca da organização estrutural dessa parede

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  • 1 de julho de 2022 em 04:05
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    Muito obrigada por tudo isso. Sou estudante de enfermagem na faculdade, e essa matéria me abriu mais a mente na área de microbiologia. Gostaria de receber mais vezes se me permite!

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  • 13 de outubro de 2022 em 09:19
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    Estas diferenças interferem diretamente na coloração que estas bactérias apresentarão na microscopia após a coloração pelo método de Gram?

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    • 13 de outubro de 2022 em 10:43
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      Oi, Gege,
      infelizmente não sei responder com certeza a essa pergunta, mas acredito que não. Porque acho que se fosse assim, já haveria pesquisas nesse sentido há muito tempo, tentando explicar as diferenças na coloração de algumas espécies de bactérias Gram-positivo.

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