Em 1970, o biólogo molecular Har Gobind Khorana, atualmente professor do MIT, fez a primeira demonstração da síntese de um gene de modo artificial.
Apesar de estarmos em tempos de Caminho das Índias e do hype indiano por causa dos BRIC (ou pelo menos da versão Global da Índia, que é photoshopada até a alma), o nome desse pesquisador pode não dizer nada mesmo para os biólogos. Para dar uma idéia de quem é esse senhor, vou deixar esse link com uma curta biografia (em Inglês), e me limitar a dizer que ele foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1968.
O que deu um Nobel à ele? Ah, nada muito importante… Ele SÓ interpretou a função do Código Genético na síntese de proteínas, o que faz dele, no mínimo, um dos “padrinhos” da Biologia Molecular como a conhecemos. Mas você está aqui prá aprender, então não se sinta culpado por não saber de antemão. E, claro, acredite que eu já sabia 😉
Bom, voltando à síntese de genes, atualmente existem inúmeras empresas de biotecnologia que oferecem esse serviço, muitas vezes com um custo inferior a 1 dólar por par de base solicitado na síntese (sem esforço encontrei “promoções” com preços menores ainda). Barato, e, sem dúvida, uma ferramenta de extrema importância para inúmeros estudos.
Apesar disso, há muito se debate o perigo por trás de um acesso tão fácil à fabricação artificial de genes. Existe um temor de que essa tecnologia seja utilizada para a criação de novas linhagens de organismos patogênicos (como vírus e/ou bactérias), ou então para que se possa “ressuscitar” organismos perigosos já extintos.
Como países como EUA e Inglaterra vivem em constante alerta sobre uma eventual ação terrorista de grandes proporções como visto em 11 de Setembro de 2001, os pedidos feitos às empresas que oferecem o serviço de síntese de genes artificiais possuem mecanismos de verificação sobre as encomendas, de modo a se evitar o problema descrito acima. No entanto, como uma das principais ações de toda e qualquer empresa para maximizar seus lucros é diminuir os gastos, existe hoje uma grande discussão em torno do procedimento de verificação utilizado, que foi aumentado pela atitude de duas empresas, a DNA2.0 (EUA) e a Geneart (Alemanha).
Há mais de um ano existe na Europa a International Association of Syntetic Biology (IASB – Associação Internacional de Biologia Sintética), que vem desenvolvendo um código de conduta que, claro, inclui procedimentos-padrão para a análise desses pedidos de genes sintéticos. O problema? As duas empresas citadas acima anunciaram a criação de um código próprio de análise que, segundo a matéria da Nature News que adaptei para escrever esse texto, se escolhido pode ser crucial para a biossegurança global.
Mas qual é a grande diferença proposta, e por que ela pode significar o aumento do perigo?
Atualmente, o processo de verificação dos genes sintéticos envolve, num primeiro momento, um passo automatizado, em que os genes de um determinado pedido são comparados com os dados de organismos presentes em listas contra bioterrorismo, como essa aqui mantida pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC – Centro para Controle e Prevenção de Doenças). Esse passo do processo de verificação é feito pelo uso de programas de computador como o BLAST (Basic Local Alignment Search Tool), velho conhecido d e qualquer um que tenha trabalhado ou trabalhe com Biologia Molecular. Esse programa busca similaridades entre sequências gênicas escolhidas pelo usuário, ou seja, ele fornece a porcentagem de “igualdade” entre as sequências que você queira comparar.
No entanto, apesar de o código elaborado pelo IASB especificar que um especialista analise os resultados obtidos pelo computador caso haja uma identificação positiva (entre um gene conhecido de um agente patogênico, por exemplo, e um pedido feito à empresa), o código elaborado pela DNA2.0 e pela Geneart determina que o processo de verificação de segurança dos pedidos termine na parte automatizada, sem verificação posterior. Isso fará com que a empresa ganhe agilidade na entrega dos pedidos, e, CLARO, fará com que as mesmas economizem uma boa grana em gastos com funcionários, visto que o especialista responsável pela verificação não será mais necessário.
Apesar disso, nenhum especialista acredita que uma lista contendo TODOS os genes “perigosos” possa ser criada. Por exemplo, sem a revisão de um especialista, pode acontecer de as listas utilizadas no processo automatizado não identifiquem organismos não-patogênicos que tenham sido modificados geneticamente para formarem algo novo, e potencialmente perigoso.
A defesa de um dos vice-presidentes da DNA2.0, Claes Gustafsson, é de que a revisão de especialistas também não é perfeita, podendo acontecer o mesmo fato, de modo que ele defende que não há uma padronização que possa ser feita para garantir 100% de segurança dos produtos sintetizados. Além disso, ele alega que as autoridades governamentais debatem isso há muito tempo sem chegar à um consenso, razão pela qual eles decidiram adotar esse novo código. Algumas empresas anunciaram a possibilidade de fazer o mesmo que a DNA2.0 e a Geneart, e uma reunião organizada pela IASB ocorrerá agora em Novembro nos EUA, para que as empresas adotem o código que a mesma desenvolveu.
A esperança de especialistas em “boas práticas de trabalho”, preocupados com a adoção do padrão exclusivamente automatizado pelas empresas que sintetizam esses genes artificiais, é de que o governo dos EUA, o país mais preocupado com biossegurança, manifeste sua preferência pelo código desenvolvido pela IASB, “forçando” a oficialização desse padrão.
Apesar de eu não ter certeza de que esses códigos de verificação possam realmente ter efeito na proteção contra a fabricação de armas biológicas, creio que há casos em que é melhor não se testar a sorte. Junto à isso, nunca vou preferir os resultados de um computador, se me derem a opção de ter os resultados de um computador revisados por um especialista.
É torcer para a reunião de Novembro ter sucesso em convencer que, em alguns casos, não se pode simplesmente usar o “mínimo denominador comum” na indústria, só porque o concorrente decidiu forçar a briga por maior faturamento por diminuição da qualidade de seus produtos.
* Esse texto foi adaptado de “Keeping genes out of terrorists’ hands”, escrito por Erika Check Hayden e publicado na Nature News em 31 de Agosto de 2009.