Dimensões do progresso em Juscelino Kubitschek

Crédito: Francisco Aragão. Imagem obtida em Flickr: https://www.flickr.com/photos/aragao/15768264917

Por: Leonardo Dias Nunes1

Apresentar as dimensões da noção de progresso de Juscelino é um exercício de reconstituição histórica de horizontes de expectativas positivos em relação a um futuro que passou (…).

(…) conhecer as dimensões da noção de progresso de Juscelino auxilia na apreensão da complexidade da sociedade brasileira e, consequentemente, na ainda maior complexidade em transformá-la.

Introdução

Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo era o lema do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) que foi marcado por: aceleração da transformação; constante busca pelo distanciamento do subdesenvolvimento; constante busca pelo distanciamento da estrutura agrário-exportadora; e industrialização conjugada com uma institucionalidade democrática. Este é um momento singular na história nacional e a análise dos problemas que seu governo tentou resolver continua a auxiliar na compreensão dos desafios existentes para a transformação de uma sociedade caracterizada por ser desigual, heterogênea e continental.

Neste artigo, busca-se apresentar de forma geral e sintética as principais dimensões da noção de progresso existentes nos Discursos e nas Mensagens ao Congresso Nacional de Juscelino Kubitschek com o intuito de mostrar a relevância histórica deste período2 e de refletir sobre a complexidade inerente à transformação econômica e social no Brasil. Através das dimensões médico-sanitária, educacional, técnico-científica, industrial e regional serão apresentadas as características de um período histórico em que houve planejamento racional da transformação social e expectativas positivas em relação ao futuro.

Recorre-se aos conceitos analíticos de Reinhart Koselleck para compreender as dimensões da noção de progresso de Juscelino. O historiador argumentou que o conceito de progresso sintetizou o tempo histórico da modernidade ao observar que neste conceito estava condensada a tensão entre o espaço de experiência (o vivido no passado e o presente que transcorre) e o horizonte de expectativa (o que se espera viver com base nas possibilidades do presente que transcorre e que transforma o vivido)3. Desta forma, ao analisar os Discursos e as Mensagens… de Juscelino, observa-se que o presidente carregava a tensão do tempo histórico da modernidade tal como apresentada por Koselleck.

As dimensões do progresso em Kubitschek

A primeira dimensão do progresso que fazia parte das preocupações de Juscelino era a médico-sanitária, pois em meados do século XX, no Brasil, havia carências relacionadas ao saneamento básico e ao tratamento de doenças tropicais. Também já era sabido que, com o desenvolvimento da economia brasileira, seria necessário um maior investimento no setor médico-sanitário, que era extremamente carente. Por isso, para Juscelino não havia como levar “(…) adiante um programa que tem por escopo acelerar o progresso nacional, sem cuidar do homem que será o executor desse plano de ação”4.

O progresso educacional era a segunda dimensão do progresso destacada por Juscelino. Naquele momento, com a construção de uma nova indústria no Brasil, seria necessário formar novos trabalhadores e técnicos qualificados. Por isso, o presidente defendia o investimento no ensino superior e em institutos de pesquisa, pois nestas instituições seria formada a elite gestora do desenvolvimento econômico. Assim se posicionava Juscelino sobre as universidades, entendendo-as com sendo o

[…] coroamento do ensino, constituem a segurança de formação dos quadros das elites dirigentes, para a supervisão cultural e técnica do progresso do País. São as forças vivas empenhadas no desenvolvimento da cultura, imprescindível às realizações construtivas. Da prosperidade das nossas instituições de ensino superior e especializado decorrerá a própria civilização espiritual da Pátria5.

Além da criação e da manutenção de cursos de ensino superior, era necessário resolver o problema relacionado ao tipo de profissional que era formado nestas instituições, pois a maior parte de seus formandos eram egressos de cursos que não auxiliavam diretamente na formação dos profissionais necessários para o esforço de industrialização que ocorria no Brasil6.

O progresso técnico-científico estava diretamente relacionada com a dimensão anterior. Afinal, em uma sociedade que se industrializava e se urbanizava, seriam necessários profissionais qualificados para resolver problemas complexos nas áreas da saúde, nos diferentes setores da indústria e no imenso esforço educacional que estava sendo feito. Através dos investimentos nesta área, Juscelino buscava formar uma “[…] nova estirpe de trabalhadores intelectuais, capaz de resolver, pela inteligência e pela cultura, os imensos problemas que o Brasil ainda tem pela frente, dentro dos instrumentos da técnica e do progresso científico”7.

O progresso industrial era, sem dúvida, a dimensão mais enfatizada pelo presidente. Nas fontes históricas pesquisadas, observa-se a presença do repertório conceitual estruturalista que defendia a industrialização das economias periféricas para que elas pudessem participar dos ganhos do progresso técnico advindos da segunda revolução industrial. Para tanto, seria necessário construir usinas de energia hidroelétrica, siderúrgicas, desenvolver a indústria petrolífera e a automotiva. Esta dimensão do progresso se baseava nas dimensões citadas anteriormente, pois uma sociedade que se industrializava e se urbanizava precisaria de uma maior infraestrutura médico-sanitária, de trabalhadores mais qualificados para exercerem um trabalho mais complexo e de técnicos que fossem capazes de liderar este processo de transformação através da intervenção do conhecimento racional e de princípios nacionais.

Ao se aprofundar nestas dimensões do progresso presentes nos Discursos e nas Mensagens ao Congresso Nacional, observa-se a alta complexidade dos problemas que o presidente e sua equipe buscavam resolver ao longo do mandato. A próxima dimensão sintetizava essa complexidade, qual seja, a de transformar estruturalmente uma sociedade.

Esta dimensão é a do progresso regional. Através dos objetivos nela contidos, o presidente buscava conectar as diferentes regiões do país e diminuir a imensa diferença existente entre a franja litorânea urbanizada e o despovoado interior do Brasil. Para tanto, a construção de Brasília era entendida como um elemento chave para alcançar este objetivo. De acordo com o presidente, a nova capital seria o foco de “[…] irradiação civilizadora para aquelas regiões, que, afastadas do bafejo do poder central e daqueles pontos mais afortunados e prósperos, não puderam ainda acompanhar o ritmo de progresso verificado em outras partes da nação”8.

A nova capital se ligaria às capitais dos estados das regiões norte e nordeste através de rodovias, criando assim um corredor de movimentação de pessoas e cargas até então inexistente. Mas, para que houvesse a integração das diferentes regiões além da mera ligação rodoviária, seria necessária a criação de riquezas em todos os extremos do país. Diante da observação dos desafios existentes para reestruturar a dinâmica regional do Brasil, afirma-se que esta dimensão do progresso era a síntese do projeto de desenvolvimento de Juscelino9.

Ponderações sobre o período Kubitschek

Apresentar as dimensões da noção de progresso de Juscelino é um exercício de reconstituição histórica de horizontes de expectativas positivos em relação a um futuro que passou. Assim sendo, hoje, tais horizontes são uma relíquia histórica, um futuro passado. Sabe-se que os planos criados e os projetos executados durante o governo de Juscelino buscavam transformações estruturais. Por isso, instituições e pessoas foram organizadas com o objetivo de solucionar os problemas complexos existentes na sociedade brasileira. Não por acaso, muitos dos chamados intérpretes do Brasil eram os pensadores que à época debatiam teórica e politicamente os rumos do progresso nacional10.

A leitura crítica do período histórico de Juscelino também auxilia a contextualizar, em âmbito mundial, um período de grandes expectativas em relação ao futuro. O filósofo Paulo Arantes caracterizou os anos dourados desenvolvimentistas como sendo fruto de um período de trégua da crise do progresso existente na sociedade burguesa. Um curto momento em que foi possível planejar a criação, ainda que de forma restrita, de uma sociedade liberal e burguesa no Brasil. Entretanto, o Golpe de 1964 mostrou os limites existentes a este projeto no desenvolvimento capitalista do Brasil11.

No período de Juscelino foram feitos diagnósticos de problemas da sociedade brasileira e foram executados programas para resolvê-los. Hoje, conhecemos os feitos e os limites destes programas, assim como observamos a renovação dos problemas em um período de expectativas negativas em relação ao futuro.

Considerações finais

Diante desta conjuntura, dois desafios estão colocados para quem reflete sobre o Brasil contemporâneo. Primeiro, diagnosticar, através do conhecimento histórico, os problemas estruturais e as tensões sociais existentes na sociedade brasileira. Segundo, lidar com a complexidade dos desafios da atualidade e com os limites existentes para resolvê-los. No que se refere apenas ao primeiro desafio, conhecer as dimensões da noção de progresso de Juscelino auxilia na apreensão da complexidade da sociedade brasileira e, consequentemente, na ainda maior complexidade em transformá-la. O segundo desafio está além do escopo do artigo, pois os problemas que não foram resolvidos na sociedade na sociedade brasileira desde a época de Juscelino, hoje são muito mais complexos. Desta forma, o conhecimento da história deste período é apenas um passo na reconstituição dos desafios atuais. Por isso, para concluir, argumenta-se que apreender a transformação do horizonte de expectativa presente nos modelos de desenvolvimento é de extrema relevância para o conhecimento das tensões presentes na sociedade brasileira e que tal tarefa poderá ser abordada em outros artigos sobre a história econômica do Brasil.

1 Este artigo apresenta alguns dos resultados da tese de doutorado do autor. Outros resultados já foram expostos nos artigos apresentados no XIII Congresso de História Econômica e 14ª Conferência Internacional de História de Empresas, ocorrido na Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), em setembro de 2019, na cidade de Criciúma; e no X Encontro de Pós-Graduação em História Econômica & 8ª Conferência Internacional de História Econômica, realizado virtualmente em novembro de 2020 e organizado Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

2 Para pesquisas relacionadas com o período do governo de Juscelino Kubitschek, ver: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961. 3a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979; CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento: JK-JQ. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977; DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004; IANNI, Octavio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1971; LAFER, Celso. JK e o programa de Metas (1956-61): processo de planejamento e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002; LESSA, Carlos Francisco. Quinze anos de política econômica. 2a ed. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981; MELLO, João Manuel Cardoso De; BELLUZZO, Luiz Gonzaga Mello. Reflexões sobre a crise atual. Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. 3a ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 141–158; SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 14a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; SOLA, Lourdes. Idéias econômicas, decisões políticas: desenvolvimento, estabilidade e populismo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 1998; YOUNG, Victor Augusto Ferraz. JK, Estados Unidos e FMI: da súplica ao rompimento. 1a ed. São Paulo: Alameda, 2014.

3 Para um maior detalhamento destes conceitos, ver: KOSELLECK, R. “Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”: duas categorias históricas. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2006. p. 305–327.

4 KUBITSCHEK, J. Discursos – proferidos no quinto ano do mandato presidencial,1960. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1961, p. 310.

5 KUBITSCHEK, J. Mensagem ao Congresso Nacional remetida pelo Presidente da República por ocasião da abertura da Sessão Legislativa de 1956. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956, p. 201.

6 Sobre este tema, ver CARDOSO, F. H.; IANNI, O. As exigências educacionais do processo de industrialização. Revista Brasiliense, n. 26, p. 141–167, 1959; TEIXEIRA, Anísio. A educação e a crise brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

7 KUBITSCHEK, J. Discursos – proferidos no terceiro ano do mandato presidencial,1958. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1959, p. 23.

8 KUBITSCHEK, J. Discursos – proferidos no terceiro ano do mandato presidencial,1958. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1959, p. 436.

9 Ao apresentar a dimensão do progresso regional em Juscelino, preferiu-se focar na análise da construção de Brasília. Para a relevante discussão sobre a Sudene, ver: JURGENFELD, Vanessa Follmann. A grande articulação política de Celso Furtado para a criação da Sudene retratada pelo Correio da Manhã. História Econômica & História de Empresas, v. 24, n. 1, p. 98–130, 2021.

10 Sobre este tema, ver: PERICÁS, L. B.; SECCO, L. (Org.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. 1a ed. São Paulo: Boitempo, 2014.

11 Sobre a trégua existente na crise do progresso da sociedade burguesa, ver: ARANTES, P. E. O novo tempo do mundo. In: ARANTES, P. E. (Org.). O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência. 1a ed. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 27–97.; sobre o Golpe de 1964, ver: ARANTES, P. E. 1964. In: ARANTES, P. E. (Org.). O novo tempo do mundo: e outros estudos sobre a era da emergência. 1a ed. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 281–314.

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