
Por Vítor Lopes de Souza Alves.
Uma publicação anterior deste blog tratou do conceito de economia monetária, tal como apresentado por Fernando Cardim de Carvalho. Viu-se que tal concepção, que afirma a não neutralidade da moeda, constitui a pedra angular da teoria econômica de Keynes e do paradigma pós-keynesiano. A seu respeito, Cardim de Carvalho formula seis princípios fundamentais: 1) princípio da produção; 2) princípio da estratégia dominante; 3) princípio da temporalidade dos processos econômicos; 4) princípio da não ergodicidade ou incerteza; 5) princípio da coordenação; e 6) princípio das propriedades da moeda. (Carvalho, 1992; 2020).
O professor Giuliano Contento de Oliveira, do Instituto de Economia da Unicamp, em artigo apresentado no 14º Encontro da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), sugere a adoção de três princípios adicionais de uma economia monetária. Ao fazê-lo, visa a complementar os seis princípios já mencionados e contribuir para uma melhor compreensão do conceito. Esses três princípios já estão presentes na obra de Keynes ou são suscitados por ela e foram desenvolvidos por autores pós-keynesianos. (Oliveira, 2021). Segue abaixo uma exposição sucinta dos mesmos.
1) Princípio da endogenia da oferta de moeda
A oferta de moeda é endógena. Os bancos são capazes de criar moeda ex nihilo (a partir do nada), através de uma operação contábil. Operando o sistema de reservas fracionárias, eles podem manter como reserva apenas uma fração do volume de depósitos que detêm sob sua guarda, convertendo o restante em empréstimos. Em tempos de estabilidade, a moeda bancária ou escritural dispõe de status equivalente e exerce as mesmas funções que a moeda estatal de curso forçado.
Assim como os demais agentes econômicos, os bancos possuem preferência pela liquidez e respondem ao estado geral de expectativas. Num contexto de baixa incerteza, eles emprestam moeda; noutro de alta incerteza, eles retêm moeda (racionamento de crédito). Portanto, os bancos possuem um comportamento pró-cíclico, influenciando a demanda efetiva no sentido de potencializar as altas e baixas dos ciclos de negócios.
Por fim, deve-se reconhecer que a endogenia da oferta de moeda não invalida as propriedades da moeda indicadas por Keynes: as nulas elasticidades de produção e substituição.
2) Princípio da hierarquia de moedas
As diferentes moedas oferecem diferentes graus de liquidez aos seus detentores e, por conseguinte, a ordem monetária é organizada de forma hierárquica.
A hierarquia de moedas possui duas dimensões. No plano doméstico, tem-se que a moeda estatal de curso forçado encontra-se em posição privilegiada relativamente às moedas privadas (moeda bancária ou escritural). No plano internacional, a moeda do país hegemônico (atualmente, o Dólar dos EUA) é considerada superior às demais moedas nacionais. Por ser utilizada majoritariamente nas transações entre os países e exercer as três funções clássicas da moeda (unidade de conta, meio de troca e reserva de valor) em âmbito global, ela constitui a moeda-reserva da economia mundial. As demais moedas nacionais possuem diferentes graus de conversibilidade internacional.
Em contextos de instabilidade e crise, os agentes buscam converter as moedas menos líquidas em moedas mais líquidas, trocando a moeda privada pela moeda estatal e a moeda nacional pela moeda hegemônica. Isso traz consequências mais danosas para os países periféricos, que tendem a sofrer mais com a instabilidade monetária e financeira.
3) Princípio do endividamento e da instabilidade financeira
Uma economia monetária é inevitavelmente uma economia de crédito, em que os agentes financiam seus gastos através da tomada de empréstimos. De acordo com Minsky, a economia pode ser entendida como um sistema de balanços inter-relacionados: aos débitos de uns correspondem os créditos de outros. Disso resulta a instabilidade financeira de natureza endógena, isto é, decorrente do funcionamento normal da economia.
A estrutura financeira subjacente à economia sofre mudanças ao longo do ciclo de negócios. Os períodos de otimismo e expansão ensejam a redução das margens de segurança e o aumento do endividamento dos agentes, com a emergência de estruturas financeiras frágeis e a formação de um rastro de dívidas. O crédito, portanto, dinamiza o ciclo econômico: por um lado permite a aceleração do processo de acumulação, por outro reforça a instabilidade do sistema e acentua suas crises.
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O texto do professor Giuliano pode ser acessado na íntegra clicando aqui.
Referências
CARVALHO, F. J. C. Mr. Keynes and the post keynesians: principles of macroeconomics for a monetary production economy. Aldershot: Edward Elgar, 1992.
CARVALHO, F. J. C. Keynes e os pós-keynesianos: princípios de macroeconomia para uma economia monetária de produção. Rio de Janeiro: Alta Cult, 2020.
OLIVEIRA. G. C. Sobre os princípios de uma economia monetária da produção. Anais do 14º Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira. 2021.
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