A rica relação entre marketing e divulgação científica

Enquanto o marketing já se apropria da ciência, contrariamente, a recíproca não é verdadeira

Por Kátia Kishi e Germana Barata, do Divulga Ciência
Publicado na revista ComCiência

Cientistas de jaleco branco na bancada de um laboratório apresentam nova pasta dental que deixa os dentes brancos como neve; a molécula de DNA dança dentro da gasolina tecnológica; o “suprassumo” da inovação em carros que com muita precisão e cálculo computacional escrevem mensagem vista da Estação Espacial Internacional. Esta e outras propagandas, que já fazem parte do nosso cotidiano, trazem consigo a imagem da ciência que lhes garante credibilidade e qualidade. Mas o quanto a ciência se apropria do marketing para vender sua imagem, conquistar admiradores e valorizar seu passe?

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Marcos de Oliveira aponta a relação entre marketing e divulgação científica. Para ele, a Nasa é um modelo de instituição que faz forte e eficiente uso da publicidade.

Foi com algumas dessas questões que no último dia 15 o Divulga Ciência recebeu no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor/Unicamp) a visita de Marcos de Oliveira (foto), diretor do marketingLAB, que propõe a divulgação de informações científicas em produtos, como a cerveja artesanal, para enriquecer o consumidor com conteúdos que vão além do simples consumo e que o aproximada ciência.

Sua fala foi permeada por exemplos de projetos que o administrador e publicitário participou ao longo de sua carreira, mostrando que é possível, e bastante usado por algumas organizações, aliar a publicidade e o marketing na promoção da ciência ao baseá-la em um entendimento sobre as tendências do mercado. “Temos um uso científico nefasto do marketing na Segunda Guerra [Mundial], principalmente entre os nazistas, onde a campanha ganhou forma; e vemos esse modelo ser perpetuado até hoje de forma mais branda. […] Toda a pesquisa utilizada durante a Guerra sobre o convencimento de quem estava certo e quem estava errado, quem era o inimigo e quem não era, foi aproveitada depois pela publicidade. E eis que vem o advento da internet e a possibilidade do conhecimento compartilhado, onde diferentes fontes de informação estão disponíveis para todo mundo.”, introduz Marcos de Oliveira. Nesse contexto, cria-se uma demanda por conteúdo também no cenário publicitário.

Oliveira aponta a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) como um dos modelos de instituição de pesquisa que faz forte e eficiente uso da publicidade tanto para alimentar um censo de orgulho nacional como para influenciar a população mundial sobre a importância de suas atividades, eda ciência em geral, e justificar a prospecção por altos investimentos para as pesquisas e projetos.

Exemplo recente é o filme Interestelar, dirigido por Christopher Nolan e lançado em 2014, no qual, a história de ficção científica conta com a consultoria do físico teórico Kip Thorne que trouxe precisão científica para o filme e credibilidade para a ciência, tecnologia e inovação desenvolvidas pela Agência. “A Nasa faz um trabalho muito bem feito de divulgação, de convencimento do contribuinte e do mundo inteiro”, ressalta o publicitário sobre o uso de marketing na promoção da ciência, que também tem sua marca visível no longa-metragem como estratégia de divulgação e credibilidade mútua.

Cartazes dos filmes
Cartazes dos filmes “O Homem do Futuro” e “Interestelar”. Para Marcos de Oliveira, os filmes se diferem na maneira de fazer divulgação científica.

Comparando com o caso brasileiro, ele menciona o filme O homem do futuro,  dirigido por Cláudio Torres (2011), também uma ficção científica, mas na qual a instituição cientifica pouco aproveitou a relação com o cinema. O filme usou as instalações do maior acelerador de partículas da América Latina, o Sincrotrón, lozalidado em Campinas (SP), como cenário, mas o público pouco ou nada percebe o contexto científico brasileiro. Perdeu-se aí, lamenta Oliveira, um nicho de divulgação científica e uma rica oportunidade de estabelecer uma moeda de troca que traria visibilidade para a instituição e, quiçá, para a ciência. “Tem que haver uma preocupação maior com a divulgação. E aí chegamos em quem sabe divulgar bem e as oportunidades perdidas.”.

Marcos de Oliveira, carioca que há 15 anos se estabeleceu na capital paulista, destacou sua participação no ramo cervejeiro, com atuação no marketing de microcervejarias que produzem as cervejas especiais ou artesanais e produziu o canal Cerveja Brasilis que traz a história, o modelo de negócio, a tecnologia e o processo de fabricação dessa bebida que chegou ao Brasil junto com a família real, em 1808.

Em meio a inúmeras entrevistas, Oliveira brindou com personalidades como o físico Rogério Cerqueira Leite, o físico e químico Sérgio Mascarenhas, o historiador João Azevedo Fernandes, o engenheiro Eduardo Grizendi, especialista em inovação, além do teólogo Leonardo Boff, para trazer aspectos científicos, inovadores e culturais, que vão muito além dos clichês sobre cerveja.

Outro projeto de aproximação da ciência com o público apresentada por Oliveira em seu ramo de atuação é o projeto EMC² – Encontro Memorável de Ciência e Cerveja, em que se tem uma discussão científica com renomados cientistas e temas variados em encontros nos bares, aproveitando-se da necessidade humana de descontração, representado pelo diálogo no bar, e informações. A ideia foi inspirada no evento Beer, Science and Good Spirits, organizado pela Weizmann Institute of Science, em Israel. A versão brasileira estreou em 2013 com o biólogo José Mariano Amabis que discutiu a evolução da vida na Terra, enquanto o público provava cervejas nacionais. Para 2015, Marcos adiantou que está organizando mais uma temporada do EMC² com 5 eventos em Ribeirão Preto e São Carlos, interior de São Paulo.

Marcos justifica que essas estratégias foram adotadas porque o acesso às informações é desejável, mas ele deve ser atraente e essa ponte entre público e informação pode se realizar com pequenas e efetivas ações e parcerias, no entanto, “são essas oportunidades que ficam quicando, e essa visão [de publicidade e divulgação] não permeia dentro da universidade. Tem a coisa da publicidade se apoderando da ciência, e a ciência tem o dever de conhecer o marketing. Porque no momento que você coloca o cientista com o jaleco, você distancia [do público], cria um ícone, quando nós estamos mais é que precisando de engenheiro com barba, barriga, cara de gente… Então, humanizar é a bola da vez, mas a publicidade não vai fazer isso, gerar conteúdo pode fazer isso”, afirma o publicitário.

Marcos de Oliveira mostrou a importância da ciênciase aproximar do marketing e o Divulga Ciência espera enriquecer suas estratégias de comunicação e facilitar o diálogo entre os consumidores de informação e os produtores de conhecimento científico, entre as revistas científicas e o público em geral.

Informação científica. Consuma sem moderação.

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Pesquisadoras do Labjor/Unicamp e integrantes do projeto Divulga Ciência recebem Marcos de Oliveira no evento. Da esquerda para a direita: Germana Barata, coordenadora do projeto Divulga Ciência; Marcos de Oliveira, diretor do marketingLAB; Kátia Kishi, repórter do Divulga Ciência e pesquisadora do Labjor/Unicamp; Simone Pallone, pesquisadora do Labjor/Unicamp; Carolina Medeiros, repórter do Divulga Ciência e pesquisadora do Labjor/Unicamp; e Mônica Frigeri, secretária executiva da Revista Brasileira de Inovação.
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