Novos Artigos – Uma tipografia ideal para o português

Influência da tradição anglo-saxã afeta legibilidade e aparência de textos em português brasileiros
Por Bruno Vaiano, publicado na Agência Universitária de Notícias

tipografia2“Se a impressão é a arte negra, o design de livro pode ser a arte invisível”.

Robert Bringhurst, estudioso do design de livros, reforça na introdução de ‘Elementos do Estilo Tipográfico’ a quase sempre esperada discrição do bom projeto gráfico em uma obra impressa.

Luiz Fukushiro, em artigo originado de trabalho apresentado ao final do curso de pós-graduação em ‘Design e Humanidade’, no Centro Universitário Maria Antônia, talvez busque um invisível devidamente brasileiro. Sua analise de pares de caracteres na obra de Machado de Assis revelou peculiaridades da composição tipográfica ideal para o texto tupiniquim, um estudo que envolveu sociologia, história e até matemática.

A tipografia, como ciência ou arte, depende do equilíbrio entre sua visão como uma representação visual criativa e em si mesma e como um suporte para outras manifestações. O autor cita Jan Tschichold, que, reconhecido por ser expoente notável da aplicação de premissas modernistas ao design de caracteres, transitou ao longo de sua vida entre os extremos dessa escala. “Ele, que fazia parte da Bauhaus (célebre escola alemã de design), ajudou a tornar popular, através de um manifesto, os tipos ‘grotescos’ (os ‘sem-serifa’ estilo Helvética) e o uso de caixa-baixa”.

O que exatamente significa isso? Esta matéria (originalmente) foi composta em uma fonte sem serifas, a ‘Verdana’. Ela não possui as pequenas hastes e extensões que ornam tipos como a célebre ‘Times New Roman’, e foi projetada para se adequar aos ‘pixels’ do mundo virtual, que poderiam dificultar a exibição de detalhes em baixas resoluções. Há quem defenda que as serifas possam conferir maior ritmo de leitura ao texto pelo seu efeito visual, mas sua presença decresceu com a aplicação de princípios básicos das artes do início do século 20. “Se formos pensar, (o uso de tipos ‘grotescos’) condiz com as premissas modernas: economia, formas geométricas essenciais e universalismo”, afirma Luiz.

Na prática, as serifas são encontradas em jornais ou publicações da área de direito, enquanto sua ausência deverá lembrar, por exemplo, a sinalização de uma estação de metrô ou de um aeroporto. Os sistemas sobre trilhos de Nova York e São Paulo, de forma curiosa, compartilham a ‘Helvética’ citada anteriormente.

Há duas coisas essenciais para se compreender aqui: uma é que a fonte ao mesmo tempo define e ajuda a veicular o ‘clima’ que determinado ambiente ou publicação deve passar, a outra é que isso depende diretamente de detalhes de seu desenho: “Catálogos de arte costumam utilizar grotescas, como a Helvética, para dar neutralidade, replicar a ‘caixa branca’ do museu, é uma sofisticação pelo mínimo. Uma Bodoni é, por suas proporções, mais imponente, não combinaria com o título de uma comédia em um cartaz de cinema. Assim como os jornais e revistas de notícias preferem ficar nas serifadas humanistas, para replicar a Times, que é uma espécie de paradigma na área”, afirma Luiz.

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Nas aventuras de “Asterix, o Gaulês”, a tipografia toma o lugar da língua. Os povos germânicos, apesar de perfeitamente inteligíveis para o leitor, carregam a marca cultural nos caracteres góticos. Crédito: majorspoilers.com

A tipografia pretende ser invisível, mas não é. O leitor percebe, consciente ou inconscientemente, suas sutilezas. Pensando nisso, o autor do artigo mergulhou na complexa tarefa de domar o nosso português único, constituído de um mundo de influências variadas, todas fundidas em um contexto de dominação e submissão cultural. Os problemas já começam no nosso próprio alfabeto, compartilhado por boa parte do mundo ocidental. ”Reportamos aos gregos e aos romanos assim como o alemão”, diz Luiz, mas “não temos uma tradição brasileira de tipografia como os alemães”, o que torna o português alvo fácil da adequação a modelos estrangeiros. Isso é resultado de nossa tradição escrita jovem e da introdução tardia, limitada e censurada da imprensa no Brasil, com D. João em 1808.

“O que hoje se chama de tipografia brasileira ou é a ”tipografia vernacular”, que são tipos inspirados em letreiros de rua (cartazes de preços), ou uma tentativa de construir localmente os princípios da tipografia industrial (para a indústria editorial e publicitária, principalmente). Acontece que há estudos que mostram que mesmo os letreiros de rua têm como base as fontes européias.”

Fukushiro investiu, portanto, em detalhes, tentando vencer algumas barreiras mais discretas da importação de fontes. Uma delas é a acentuação gráfica simplificada em relação ao design dos demais caracteres, problema herdado dos símbolos diferentes do alemão ou simplesmente inexistentes, no caso do inglês. A outra é a combinação de vogais acentuadas com os demais elementos: “Muitos manuais de tipografia falam sobre o espaçamento entre as letras, mas poucos falam dos encontros com vogais com diacríticos (‘ã’, ê’ e ‘ó’, por exemplo), que são um grande problema ao utilizar as fontes criadas em países de língua inglesa e alemã, que em alguns casos nem os têm desenhados de forma detalhada”.

As questões também vão além da língua em si e se pautam no efeito visual das letras no papel. O encontro ‘rn’, tão comum no português, será facilmente confundido com um ‘m’ com o espaçamento incorreto entre os caracteres. Já o encontro ‘ffl’, encontrado no alemão, não representa um problema para nós. A diferença também aparece na ‘mancha visual’ dos elementos: o maior número de vogais em textos lusófonos ocupa mais espaço e gera mais áreas brancas do que a grande concentração de consoantes das línguas germânicas.

Para informações completas, é só acessar o artigo, disponível na revista ‘Pós’, da FAU, no portal de revistas da USP.

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