Revistas científicas brasileiras com mais qualidade e ética

Nesta última sexta-feira (19/03) tomou posse a nova diretoria da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC), com claros propósitos de investir na qualidade, na ética e na capacitação das equipes editoriais das revistas científicas brasileiras. A abertura de cerimônia contou com a ótima palestra da química e editora da Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS), Solange Cadore, cuja atuação na revista já tratamos, e que reforçam os objetivos da Abec.

Da esq. p/ dir. Benedito Barraviera (Tesoureiro), Ana Marlene de Moraes (vice-presidente), Rui Seabra (presidente), Suzana Lannes (tesoureira); Suely de Brito (secretária geral) e Milton Shintaku (secretário)
Da esq. p/ dir. Benedito Barraviera (Tesoureiro), Ana Marlene de Moraes (vice-presidente), Rui Seabra (presidente), Suzana Lannes (tesoureira); Suely de Brito (secretária geral) e Milton Shintaku (secretário)

Solange iniciou sua fala lembrando do gigantesco papel que os artigos científicos adquiriram e que estão moldando a academia de modo bastante questionável. Os estudantes universitários que iniciam estágio de pesquisa (a chamada iniciação científica) se interessam mais por projetos que vão gerar artigos científicos do que pelo tema em si, afirma. Outro exemplo é que as publicações em revistas de impacto (aquelas que em média recebem mais citações por artigo) ganham maior relevância do que a experiência em sala de aula entre os candidatos a concursos públicos para professores universitários.

Essa pressão por publicações tem multiplicado os exemplos de má conduta científica. A química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) lembrou que os cuidados éticos e com a qualidade devem partir não apenas dos autores, mas também dos editores e dos pareceristas, que avaliam os artigos e, portanto definem critérios de qualidade.

Dentre os autores há casos de fraudes (falsificação de dados), plágio (cópias de trechos de outros autores sem a referência à fonte de informação), auto-plágio (reprodução de trechos de artigos ou trabalhos do próprio autor, sem a devida referencia), o fatiamento de um trabalho em vários artigos menores (salame science), ou o envio de um mesmo artigo para avaliação em mais de uma revista. Solange lembra que a pressa por publicar se reflete no descuido de alguns autores que enviam cartas de apresentação do artigo para editores com o nome de revista distinta daquela para o qual há intenção de se publicar.

Entre os pareceristas Solange lembrou bem que as avaliações estão “cada vez mais telegráficas e às vezes mal-educadas”, que não contribuem para o aperfeiçoamento do artigo e, portanto, para a melhoria da própria ciência. Há ainda o uso de informações privilegiadas (artigos não publicados que estão em avaliação) que podem ser usadas, sem a permissão do autor, retidas para impedir a publicação rápida, além de pareceristas que identificam autores “desafetos” com o claro prejuízo do autor, ou mesmo o uso da mesma estrutura de pareceres dos sistemas eletrônicos e que serve de base para várias rejeições, sem o cuidado de personalizar cada avaliação.

Neste cenário, o editor científico precisa cuidar para receber pareceres bem-feitos e ter bons artigos publicados, sem que o objetivo final seja apenas aumentar as citações da revista. “É importante que os editores tratem os manuscritos de forma igual; não imponham citações de artigos de seu periódico nos artigos aprovados; respeitem prazos e escolham assessores competentes”, além de terem bom senso para avaliar casos de má conduta ética.

Solange Cadore, editora da JBCS, fala sobre ética e qualidade nas revistas científicas brasileiras
Solange Cadore, editora da JBCS, fala sobre ética e qualidade nas revistas científicas brasileiras

Valorizar as revistas brasileiras

Além das questões éticas, Solange frisou que “é preciso estimular a publicação em periódicos nacionais”. Entre cientistas persiste a visão de que devemos deixar nossos melhores artigos para as revistas internacionais, de maior impacto (aquelas classificadas de acordo com a média de citações que seus artigos recebem, por exemplo), até porque toda a política científica nos conduz para a internacionalização – sem dúvida válida – e atribui maior peso às revistas internacionais. Exemplo disso é o polêmico sistema Qualis Periódicos, que classifica revistas científicas nacionais e internacionais e é um importante definidor sobre escolha de revistas para publicar. O sistema, apesar de construído a partir de critérios de especialistas de cada área, se baseia fortemente em critérios de indexadores internacionais (Scopus e Web of Science, por exemplo), e que desfavorece as publicações brasileiras.

“Está cada vez mais difícil manter uma revista científica”, lamentou Solange cuja revista recebeu financiamento de R$120 mil do CNPq no ano passado e neste ano teve aprovado apenas R$25 mil, ainda não liberados. A situação se agrava quando lembramos que a JBCS, revista na qual Solange atua como editora, está nos estratos mais altos do Qualis (A2 em química) e está indexada no Scopus, ou seja, mesmo dentro dos critérios de qualidade estabelecidos como sendo desejáveis a revista passa por dificuldades.

Importante lembrar que as revistas brasileiras além de enfrentar reduções orçamentárias também estão diante de custos crescentes para atender a critérios de qualidade, como os estabelecidos pelo SciELO (Biblioteca científica virtual que reúne e indexa revistas científicas de 15 países) em 2014, como a conversão de arquivos em XML, revisão de artigos em uma segunda língua, em especial o inglês, para citar apenas alguns exemplos. Para amenizar o impacto no orçamento, Solange conta que a JBCS passou a cobrar taxa de publicação dos autores, prática bastante comum em publicações estrangeiras, mas que apresenta resistência de autores.

Educação e capacitação são chave

Solange lembrou que a qualidade das publicações científicas brasileiras deve estar também atrelada à educação dos futuros cientistas, especialistas. Essa educação precisa começar desde a infância, quando as crianças começam sua relação com a escrita. Segundo ela, faz parte de nossa educação “copiar” conteúdo da lousa ou nos trabalhos escolares, sem que se ensine que o que é copiado precisa ser indicado (referenciado). Depois na universidade e na pós-graduação, lembra, a escrita de artigos e projetos depende de bons professores e orientadores, pois comumente o aprendizado não faz parte da grade obrigatória de disciplinas. Isso quer dizer que boa parte das falhas nas publicações científicas podem ser atribuídas a uma falha na formação científica.

 

 

Eu, como ex-aluna da biologia da Unicamp, posso afirmar que há vinte anos e tampouco nos dias atuais existe uma disciplina obrigatória que componha a grade curricular e que nos dê base para a redação científica. No entanto, existem mais iniciativas nessa direção como cursos de curta duração, como os oferecidos pelo Espaço da Escrita na Unicamp, que despertam enorme interesse da comunidade e quase sempre esgotam suas vagas rapidamente.

Solage Cadore terminou sua fala defendendo que as revistas científicas brasileiras comuniquem seus conteúdos para além dos muros da academia. “As publicações não devem ficar circunstanciadas à universidade. Precisamos criar canais de difusão do conhecimento científico para a sociedade”, defendeu. Concordamos, aplaudimos a sugestão e esperamos que as revistas científicas potencializem sua missão de comunicar para os pares e também para a sociedade.

Como jornalista de ciência e pesquisadora da área sempre me interessei por artigos científicos publicados no Brasil (em português, mas também em inglês ou espanhol) com relevância social. Nossas revistas podem melhorar sua qualidade e impacto, sem dúvida, mas muitas delas já guardam resultados que podem impactar diretamente nossa sociedade tanto quanto (ou mais) do que aqueles publicados em revistas internacionais. Além disso, nossas revistas são majoritariamente publicadas com recursos públicos e são de acesso aberto (gratuito para quem quer ler e publicar), o que facilita seu acesso e compartilhamento e justifica a importância da divulgação de seus resultados para a sociedade.

Junto com os membros da nova diretoria da ABEC, a autora deste post assumiu como membro do conselho deliberativo com a missão de levar a divulgação científica para dentro da cultura editorial de modo a contribuir para mudar a percepção de que revista científica brasileira é ruim, pouco relevante e desinteressante. Ao mesmo tempo para ajudar a mudar a cultura de que revista científica só deve comunicar para a reduzida comunidade de experts, mas pode ampliar seu público leitor e acelerar a transferência do conhecimento da ciência para a sociedade.

 

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Barata, Germana. “A importância da divulgação científica como prática acadêmica”. Publicado originalmente no portal da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC). 3 de junho de 2015.

Kishi, Kátia. “Editores da revista científica JBCS investem em seminários para ampliar público”. Publicado no Blog Divulga Ciência em 29 de junho de 2015.

 

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