Colapso antropocêntrico

Tem se tornado cada vez mais comum falar em problemas ambientais, impactos das atividades humanas na natureza, aquecimento global e por aí vai. No entanto, a inserção da temática no senso comum não veio acompanhada de ações de enfrentamento do problema da magnitude que merecem.

Sobre o tema, teve lugar no dia 24 de agosto na Unicamp, o encontro temático “A Alternativa Biocêntrica”. A inciativa fez parte da série “Perspectivas – Unicamp 50 anos” – uma das atividades comemorativas dos 50 anos da Universidade, a serem completados em 2016.

Reunindo especialistas e pesquisadores, além do Brasil, de países como França, Áustria e Inglaterra, as duas mesas-redondas propostas atenderam pelos títulos de “Crise Ambiental e Decrescimento” e “Cidadania Ampliada: um novo pacto entre as espécies”.

Como tudo que, no tempos atuais, diz respeito às questões ambientais, as exposições e discussões tiveram, inevitavelmente, certo tom de preocupação e alerta.

Infelizmente, não se trata de puro alarmismo. A situação ambiental que enfrentamos, tanto a nível de Brasil quanto planetário, é realmente grave. Um dos raciocínios centrais debatidos foi o de que a destruição ambiental é parte inseparável do capitalismo e, em grande medida, decorre do comércio internacional.

Dados impactantes

Das florestas que, inicialmente, cobriam a superfície terrestre após a última era glacial, 30% já não existem mais e 20% está seriamente degradada.

De 15 a 30% da madeira comercializada no mundo é ilegal. No caso brasileiro, 70% é vendido para a China (com a inegável conivência de todos os últimos governos federais, independentemente do partido).

Ato realizado em 2014 contra retirada ilegal de madeira da Amazônia. Crédito: Mídia Ninja
Ato realizado em 2014 contra retirada ilegal de madeira da Amazônia. Crédito: Mídia Ninja

Nos últimos dois séculos, 10 milhões de Km2 de florestas foram destruídas mundo afora.

No caso da Amazônia – “o mais fulminante ecocídio cometido pelo capitalismo”, nas palavras do Prof. Dr. Luiz Marques (IFCH/Unicamp) -, o desmatamento já atingiu 40% da área total inicial e atualmente segue a uma taxa de 2 mil árvores a menos por minuto!

Cerca de 50% de todas as espécies animais foram extintas nos últimos 40 anos.

De todos estes dados (e muitos outros) surge a necessidade de um novo modelo de organização da sociedade que vá além do modelo antropocêntrico, no qual o ser humano é o elemento central e único que tem real importância. Uma proposta debatida foi o modelo Biocêntrico, onde todas as espécies sencientes tenham direitos garantidos, como vida, bem-estar e liberdade.

Não cabe aqui, tão brevemente, discorrer sobre a factibilidade e plausibilidade da proposta Biocêntrica. O que fica evidente, no entanto, é que o atual modelo sócio-político e econômico não está sendo capaz de proteger a biodiversidade de nosso planeta e, num futuro que parece cada vez menos distante, tampouco será capaz de proteger nossa própria espécie.

 

Os dados, apresentados pelos palestrantes, provém das seguintes fontes:

FAO – State of the World’s Forests (relatório aqui)

Imazon.org.br

globaltimber.org

International Tropical Timber Organization – ITTO

Sobre Gustavo 29 Artigos
Cientista de Alimentos e Mestre na mesma área. Especialista em Jornalismo Científico pelo LABJOR/UNICAMP, dedicando-se a atividades de divulgação científica.

2 Comentários

  1. São questões interessantes Gustavo! Sabe o que pode ser levado em conta na problematização da questão? Sobre quais grandes campos os problemas estão solicitando para que sejam solucionados. E essa observação é muito boa! Campos como política, ciência ou até mesmo a própria sociedade enquanto campo, não estão dando conta de compreender o que está acontecendo, muito menos propor um modelo que combata a destruição que estamos causando no sistema Terra. Na minha opinião, existe um campo que não está sendo chamado para a discussão, e que felizmente ou infelizmente é o campo que eu acredito que pode ter alguma voz quando solicitado e provocado de maneira adequada. Ele é a Educação. Mas é muito clichê ainda, não? De que Educação estou falando? Falo daquela educação que ensina o homem a refletir. Esquecemos como é refletir, e prova disso é, por exemplo, a diminuição da atuação de internautas nesse tipo de espaço, os blogs. Com a reflexão vem o pensamento e com o pensamento vem a vivência cotidiana de uma nova postura diante do mundo, da vida, e dos outros e das coisas. E olha que ironia, a culpa ainda é toda nossa. Quando reduzimos o mundo à apenas uma das suas características estamos fazendo justamente essa instrumentalização que, por tabela, proporciona e facilita o pensamento exploratório e consequentemente a própria exploração. Uma pensa ser um espaço pequeno para uma discussão tão pertinente e longa, mas por exemplo, a não consideração dos outros tipos de conhecimento que configuram o mundo, junto à ciência é o que provoca essa instrumentalização. Pedimos mais humanidade e humanidade é o que menos vemos sendo exercitada. Arte, Religião, Filosofia e Ciência, como os grandes campos da existência humana sobre a Terra, deveriam ser chamadas ao diálogo. E de que maneira isto impactaria positivamente para a construção de uma sociedade diferente? Na medida em que possamos perceber que: 1)não estamos sozinhos no planeta, ao contrário do que o pensamento capitalista nos faz acreditar; 2)enquanto seres orgânicos, nossa condição material apenas é satisfeita a partir de outras materialidades, que nesse caso é a Terra em si, e sua capacidade de vida - o que permite a agricultura; 3)na constituição de um conhecimento existencial, não há separação alguma na experiência entre sujeito e objeto, sendo que o que existe de fato é uma relação visceral to Todo e cada uma de suas Partes, como a Terra e os homens. É triste perceber que só se tem alguma consciência sobre o que esta Terra é para nós quando passamos por algum evento escatológico. O cuidado com a Terra deveria acontecer pelo simples fato de ser nela onde erigimos nossa habitação. Talvez isso abra espaço para discutirmos outra coisa como as consequências ontológicas na sociedade em geral da busca por planetas habitáveis promovido em grande parte pela NASA, quer dizer... se você, inconscientemente introjeta na sociedade de que existe outro planeta ai, à mão, podemos explorar este aqui que "não dá nada". Infelizmente talvez nem "dê", pois quando der já estaremos todos mortos. Quem sabe? Mas outra pergunta a se fazer é: Biocentrismo é a solução adequada? Não devemos esquecer nunca que boa parte dos nazistas eram um tipo de "partido verde", e olha no que deu... Esses movimentos "absolutistas" e insuficientemente refletidos podem gerar absolutismos desastrosos. Mas agora piora, pelo menos aqui no Brasil quando não teremos mais o interesse pela filosofia no ensino médio... e o ciclo se repetirá, com mais degradação.

  2. Obrigado pelo comentário bastante pertinente, Henrique.
    Eu concordo com você quando diz que precisamos de uma nova educação, que nos ensine a ver o ambiente como nossa (única) casa realmente, e não como uma fonte inesgotável de recursos a serem utilizados como bem quisermos.
    Também tenho minhas divergências com o Biocentrismo, principalmente quanto a certa corrente mais radical - não sei dizer se minoritária - que coloca todos os seres sencientes como merecedores dos mesmos direitos. Não me parece eticamente defensável, por exemplo, poupar a vida de um animal e deixar uma pessoa morrer de fome, quando este seja a unica fonte de alimento disponível. No entanto, acho que podem haver proposições e reflexões relevantes vindas do Biocentrismo, enquanto perspectiva que valoriza os outros seres além dos humanos.
    Um abraço!

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