Dengue: como é sua transmissão e sintomas?

Vimos anteriormente um pouco da biologia do vírus da dengue, onde ele surgiu e em que países acontecem as principais epidemias. Mas como essa doença é transmitida para nós e, principalmente, quais são os seus sintomas?
Texto escrito por Maurílio Bonora Junior, Mariene Ribeiro Amorim e Alexandre Borin Pereira.

A dengue, como dito anteriormente, é uma arbovirose, isto é, uma doença causada por um vírus transmitido por artrópodes (os chamados vetores). Os principais vetores da dengue são os mosquitos Aedes aegypti (original da África e bem conhecido por nós) e Aedes albopictus (original da Ásia).

Os Aedes aegypti costumam viver dentro das casas, precisam de água parada e limpa para colocar os ovos, picam de dia e são encontrados principalmente em regiões tropicais e subtropicais (como a América Latina e África). Já os Aedes albopictus costumam viver fora de casa, compartilhando todas as outras características com o Ae. aegypti. Apesar do Aedes albopictus ser mais comum na Ásia, ele também se faz presente aqui no Brasil.

Outro fato pouco divulgado, é que somente a fêmea do mosquito transmite o vírus, por meio da saliva que ela usa durante a mordida para anestesiar a pele onde está nos picando. Os mosquitos machos são incapazes de transmitir a dengue, pois eles não se alimentam de sangue e sim de, exclusivamente, suco das frutas, néctar das flores e seiva de plantas.

Como o vírus passa de nós para o mosquito e do mosquito para nós?

Quando um mosquito fêmea pica um ser humano infectado com o vírus da dengue, ela ingere o sangue com o vírus. Esse vírus vai se multiplicar nas células do intestino do mosquito fêmea e vai se espalhar pelo corpo dela, chegando até as glândulas salivares, onde a saliva com o vírus será produzida. Esse processo do mosquito fêmea se infectar e começar a transmitir o vírus pela picada para outros humanos leva, em média, 8 a 10 dias, podendo ser mais rápido ou mais demorado conforme a temperatura do lugar, linhagem do vírus e do próprio mosquito.

Após o mosquito fêmea se infectar, ela pode transmitir o vírus até morrer, podendo picar e transmitir para vários humanos nesse meio tempo. Em média, a fêmea do mosquito vive 6 semanas, mas pode atingir até 5 meses. Assim, um mosquito infectado pode transmitir o vírus para MUITAS pessoas durante sua vida.

Existem outras formas de se pegar essa doença?

Sim! A dengue também pode ser transmitida de outras maneiras, sem a necessidade do mosquito, como: transfusão de sangue, transplante de medula, transmissão intraparto e perinatal (caso a mãe esteja infectada durante o parto). Diferente do que foi visto para o Zika, não há registro de transmissão via sêmen. Contudo, na maioria dos casos a transmissão da dengue se dá pelo mosquito. Nesse ponto, as atividades humanas, relacionadas principalmente à retenção de água em objetos como vasilhas e pneus, favorecem o aumento do número de mosquitos possivelmente infectados com o vírus.

A detecção do vírus da dengue pode ser realizada tanto via cultura de células infectadas do paciente ou a detecção de anticorpos contra o vírus no sangue. Assim como é feito com a covid-19, o RTq-PCR é muito útil para detectar o vírus, mas somente nos primeiros dias de sintomas (1-7 dias). Um outro método para identificação da infecção de dengue é a chamada Prova do Laço. Nessa técnica se mede a quantidade de pontinhos vermelhos na pele (chamados de petéquias), após alguns poucos minutos com o braço pressionado. O teste é considerado positivo ao aparecer +20 petéquias em adultos e +10 em crianças, após (respectivamente) 5 e 3 minutos com o braço apertado.

Quais são os sintomas da dengue?

Mesmo que muitas vezes não seja divulgado, os sintomas da dengue variam muito, desde sintomas leves até mais severos. Na prática, a dengue pode ser assintomática ou sintomática, sendo que somente 20 – 30% dos casos desenvolvem sintomas (sejam leves ou graves). Parecido com o que acontece com a covid-19, os casos assintomáticos são aqueles que mais contribuem (84%) para a transmissão do vírus, pois as pessoas não sabem que estão infectadas. Elas então são picadas pelos mosquitos, que vão picar e transmitir o vírus para novas pessoas. 

Agora, quando uma pessoa desenvolve dengue com sintomas, a doença tem três fases: febril (Febre da Dengue), crítica (Dengue Severa) e convalescente. 

A fase febril (ou aguda) é quando acontece um aumento repentino da febre e desidratação, que pode durar de 2-7 dias. O começo da fase febril é conhecido por ter sintomas de gripe comum (febre, dor no corpo, na cabeça e na garganta), e por causa disso, é muito difícil distinguir de outras doenças. Muitos desses pacientes com sintomas leves nunca procuram ajuda médica, contribuindo para não sabermos ao certo a porcentagem de casos sintomáticos. Além disso, pelos sintomas iniciais da doença não serem específicos, quando esses pacientes procuram ajuda médica, os sintomas deles podem ser confundidos com outras doenças virais.

A Febre da Dengue é o nome dado a esse conjunto de sintomas da fase febril da doença: febre, dor no corpo, na cabeça, nas juntas e atrás dos olhos; náuseas e vômito; manchas vermelhas na pele e nas gengivas (que podem ser de diferentes tipos e tons), sangramento pelo nariz, redução de plaquetas e leucócitos, e linfonodos inchados. A partir da fase crítica, o paciente começa a melhorar (fase convalescente), quando a febre diminui. Durante esse período de melhora, ainda podem ser observadas algumas manchas na pele, coceira e aumento de apetite. Contudo, alguns pacientes podem piorar após a febre baixar (fase crítica), desenvolvendo a forma da doença chamada Dengue Severa (ou Hemorrágica).

E a forma grave da dengue?

A Dengue Hemorrágica é uma doença bem mais severa, relacionada ao mau funcionamento da coagulação do sangue, aumento da permeabilidade dos vasos sanguíneos e grande extravasamento de líquido para os tecidos (fazendo com que a pressão sanguínea fique mais baixa). Tudo isso deriva da grande redução no número de plaquetas (evento conhecido como trombocitopenia), sintoma este que se inicia lá na fase febril e que tem como principal sinal o desenvolvimento de hematomas na pele (as famosas manchas vermelhas).

Essa redução de plaquetas é de suma importância, pois as plaquetas são os principais componentes do nosso sangue envolvidos na coagulação. Um excesso de plaquetas pode levar a formação de um trombo. Já a sua falta, leva a hemorragias (mais leves ou mais graves). No caso da dengue, a hemorragia propriamente dita geralmente é interna, o que significa que muitas vezes não sabemos que estamos perdendo sangue, e só notamos a redução da pressão sanguínea, sem entender a origem dela.

Se não tratada, a dengue hemorrágica pode levar à Síndrome de Choque associada a Dengue, um fenômeno corporal que — devido ao baixo volume de sangue no corpo — os órgãos e tecidos não conseguem receber nutrientes e energia, causando dano a esses tecidos e múltipla falência de órgãos. A maioria das mortes por dengue é derivada da Dengue Hemorrágica e da Síndrome de Choque associada a Dengue.

Por que dizem ser mais perigoso pegar dengue uma segunda vez?

Tanto fatores relacionados à genética do vírus quanto fatores do paciente podem estar relacionados com a severidade da dengue. Pesquisadores já identificaram alguns fatores de risco para nós: anemia falciforme, diabetes, asma bronquial. Contudo, o principal elemento discutido até hoje como contribuinte para causar uma dengue mais severa é o efeito chamado Aumento Dependente de Anticorpos (ADE, do inglês, antibody-dependent enhancement). Apesar de haver fortes evidências que apontam o acontecimento do ADE ao desenvolver a dengue hemorrágica, tal efeito continua sendo uma hipótese, ainda não sendo compreendido em toda sua plenitude. Entretanto, ele continua sendo uma importante hipótese, sendo bastante considerado durante o desenvolvimento de vacinas (que será falado mais a frente).

Para entender esse fenômeno, nós precisamos lembrar que uma vez que nos infectamos com um sorotipo de dengue, nós montamos toda uma resposta imune que nos deixa protegido para o resto da vida contra esse sorotipo. Essa proteção também dura alguns meses contra os outros sorotipos, mas depois de um tempo, ela se torna mínima. O fenômeno ADE acontece quando temos uma segunda infecção de dengue, com um sorotipo diferente do primeiro.

Vamos ver um exemplo para ficar mais claro: 

Um ano atrás tive dengue causada por um vírus do sorotipo 4 (DENV-4) e agora tive dengue novamente, com um vírus do sorotipo 1 (DENV-1).

Muita pesquisa foi e continua sendo feita para se entender melhor esse fenômeno, que até hoje em dia gera dúvida nos cientistas. O que se sabe é que ele acontece principalmente pelos anticorpos desenvolvidos contra o sorotipo da primeira infecção. Voltando ao nosso exemplo:

Quando me infectei com o DENV-4, meu sistema imune montou toda uma resposta protetora contra esse vírus, incluindo anticorpos neutralizantes, capazes de se ligar no vírus e impedir que ele infecte uma célula. Quando me infectei com o vírus DENV-1, esses anticorpos conseguem se ligar nele ainda, mas diferente do que deveriam fazer, eles não conseguem neutralizar esse vírus, permitindo que ele infecte livremente minhas células. Como os anticorpos estão ligados nesse vírus, muitas células começam a colocá-lo para dentro de si, pensando que ele não poderá se multiplicar. Entretanto, como os anticorpos não estão fazendo sua função, esse vírus consegue se multiplicar livremente dentro dessa célula. E isso se torna um processo exponencial.

Mas o que tudo isso significa?

Na prática, o Aumento Dependente de Anticorpos facilita a entrada do vírus nas células e a sua multiplicação, gerando mais vírus e, consequentemente, mais sintomas graves.  Além disso, o reconhecimento do vírus através desses anticorpos prévios não neutralizantes ativa uma grande liberação de citocinas por outras células do sistema imune, chamada Tempestade de Citocinas, uma forma “desesperada” do corpo de tentar controlar a grande infecção que está acontecendo (você pode ler mais sobre isso aqui e aqui). Essa tempestade de citocinas é uma das responsáveis pelo aumento da permeabilidade vascular, contribuindo para os sintomas da forma grave da dengue.

Algumas pesquisas sugerem que o risco de desenvolver dengue hemorrágica em uma segunda infecção é 10x maior do que na primeira, muito disso  — provavelmente — devido ao ADE. Contudo, é importante dizer nem todos os casos de dengue severa acontecem pro causa do ADE, por exemplo, uma pessoa infectada pela primeira vez com um sorotipo da dengue pode desenvolver dengue hemorrágica.

E como lidar com essa doença?

O tratamento de dengue consiste principalmente no uso de antitérmicos para baixar a febre, analgésicos para a dor e soro para repor a perda de líquidos. É importante lembrar que alguns remédios NÃO devem ser tomados quando uma pessoa está com dengue, principalmente aqueles que mexem com a coagulação sanguínea, pois podem interagir com os sintomas da dengue hemorrágica. É por esses e outros motivos que muitas vezes vemos em propagandas os avisos “Não recomendado em caso de dengue”. O ideal é nunca se automedicar e sempre ver com um médico sobre possíveis medicações.

Não existem ainda drogas antivirais para dengue, apesar de muitos testes já terem sido feitos com diversos tipos de inibidores de proteínas virais e anticorpos monoclonais (também temos dois materiais explicando sobre esses anticorpos aqui e aqui). Contudo, várias substâncias produzidas por algas marinhas têm sido estudadas, após cientistas verem que tais substâncias têm uma alta atividade antiviral contra os vírus da dengue.

Quando se fala de drogas e vacinas para tratar a dengue, a principal dificuldade em desenvolver esses medicamentos é a alta variabilidade dos sorotipos virais, dificultando e muito a criação de uma droga que afete os quatro de uma vez só. Lembrando que os sorotipos são como raças de vírus da dengue, cada um contendo vários grupos de vírus, similares entre si. Um bom medicamento ou vacina contra a dengue deveria conseguir afetar (no caso de uma droga) ou proteger (no caso de uma vacina) contra todos os quatro sorotipos.

E engana-se quem pensa que o meio ambiente não influencia a dengue!

O aquecimento global, o desflorestamento e a grande mobilidade urbana são fatores que aumentam o número de casos de dengue ao redor do mundo, pois com o aumento da temperatura de um local, os mosquitos começam a circular por lá. Assim, países que antes não tinham casos de dengue, pois eram muito frios para os mosquitos sobreviverem, agora se veem com epidemias de dengue devido à circulação do mosquito (e consequentemente, do vírus).

Por causa disso, o controle dos mosquitos continua sendo o principal método para se prevenir a dengue, seja por intervenções ambientais (não deixando vasilhas e pneus com água parada), controle químico (inseticidas e larvicidas) e biológico (uso de organismos para comer as larvas). Um (famoso) recente controle biológico são os mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia, uma bactéria endossimbiótica (não encontrada naturalmente nos Aedes aegypti) que torna os mosquitos resistentes a infecções de arbovírus, como o vírus da dengue, zika e chikungunya. 

Atualmente, ainda há algumas dúvidas quanto a eficiência dessa estratégia: a princípio, sabemos que a bactéria passa dos mosquitos pais para filhos, assim, depois de um tempo não seria mais necessário liberar mosquitos com a bactéria na natureza. Contudo, alguns estudos atuais mostram que populações de mosquitos com Wolbachia são substituídos por populações de mosquitos livres dela, após um certo período de tempo. Entretanto, é inegável a influência positiva desse método na redução de casos de dengue, zika e chikungunya.

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