Texto por Ana Campos Codo e Ana Arnt

Quem está acompanhando as notícias sobre o novo coronavírus, causador da Covid-19, deve ter visto sobre grupos de risco e associação com algumas doenças que várias pessoas têm. Muito se fala em grupo de risco, por exemplo. Isto em função de buscarmos, com isso, minimizar os impactos na saúde, destas pessoas que podem apresentar casos mais severos da doença. Assim, ao conseguirmos saber quais são os grupos de risco, conseguimos estabelecer quem deveria se expor menos ainda às possibilidades de contágio. Uma das doenças que muito cedo foi percebida como grupo de risco é a diabetes.

Mas você sabe o que é a diabetes?

De modo bem sucinto, a diabetes é uma doença caracterizada pela insuficiência da produção de insulina ou diminuição na sensibilidade e função da insulina. A insulina é um hormônio. Ela é produzida no pâncreas e têm como função controlar a quantidade de açúcar que está em circulação nos nossos vasos sanguíneos. Basicamente, uma das principais ações da insulina é se ligar em receptores que ficam nas membranas das células e promover, assim, a entrada do açúcar nestas células, retirando-o da corrente sanguínea.

Quando nosso corpo produz pouca insulina (insuficiência de produção deste hormônio) ou diminui à reação na presença de insulina (diminuição na sensibilidade à insulina), o que acontece é que o açúcar não é metabolizado corretamente, isto é: as células não conseguem retirá-lo do sangue e ele permanece em circulação, ficando em excesso. Este excesso, em si, causa uma série de problemas no funcionamento do nosso corpo.

E qual a relação entre a quantidade de açúcar no sangue e a Covid-19?

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Pois esta é a pergunta que um grupo de pesquisadores aqui da Unicamp também se fez! E, mais do que isso, tentou compreender os mecanismos químicos e fisiológicos que fazem com que o excesso de açúcar no sangue aumente a probabilidade de pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 apresentarem casos mais severos da doença Covid-19!

Esta pesquisa mostrou que o açúcar favorece a infecção pelo novo coronavírus e sua replicação no interior dos monócitos. (ah, ok, agora entendi tudo!). Como assim, monócitos? Calma, a gente vai chegar lá…

Os monócitos são células de defesa do organismo. Ou seja, eles circulam no sangue e são “recrutados” para irem até os tecidos infectados ou danificados – como os pulmões no caso da Covid-19, para combater a doença. Essas células de defesa são as mais abundantes no pulmão de indivíduos infectados com o novo coronavírus, de forma que é fundamental entender a resposta dessas células quando em contato com o coronavírus.

O que acontece é que o coronavírus usa a glicose (açúcar) como combustível para sua replicação no interior destes monócitos. Como um dos principais órgãos afetados pelo coronavírus é o pulmão, quando nosso corpo detecta a infecção, envia uma grande quantidade de monócitos até lá – pois é uma célula importante de defesa. Acontece que o pulmão é, também, um órgão altamente vascularizado! Isto é, além de monócitos, no sangue de pessoas que têm diabetes quando não está sob controle, há um excesso de glicose chegando ao pulmão também.

Assim, o coronavírus usa a célula que teria o potencial de nos defender contra a infecção para se replicar e aumentar a infecção ainda mais. 

Espera que isso ainda não é tudo…

Uma vez infectados, os monócitos produzem grandes quantidades de proteínas que geram inflamação, chamadas de citocinas. Essas citocinas são importantes na resposta contra patógenos ou danos, principalmente na ativação de outras células de defesa, como linfócitos T. Já os linfócitos T são essenciais para eliminar células infectadas por vírus ou para auxiliar os monócitos a eliminarem esses patógenos quando eles precisam de um estímulo! Durante a infecção pelo SARS-CoV-2, no entanto, há uma produção excessiva de citocinas. Isto tem sido comumente chamado de tempestade de citocinas! E ela é danosa ao tecido e também aos linfócitos T. Nessa pesquisa, foi apresentado que as células epiteliais do pulmão quando entram em contato com essa tempestade de citocinas morrem. Os linfócitos, por sua vez, perdem a capacidade de proliferação e acabam se tornando “exaustos”. 

Pareceu confuso? Isto foi só um spoiler do nosso próximo texto, em que vamos esmiuçar o que é essa “tempestade de citocinas” e sua relação com a infecção pelo coronavírus!

Por fim…

Falando assim, tudo isto, parece tudo muito trágico, não é mesmo? Esta pesquisa que apresentamos não fala de tratamentos possíveis. Tampouco nos indica a cura. Esta é uma pesquisa que costumamos chamar, na universidade, de “pesquisa básica”. Para além da aparente curiosidade que move uma pesquisa como esta que apresentamos, é fundamental em um momento como este que estamos vivendo entender detalhes químicos e moleculares desta doença. Saber como funcionam os tecidos, órgãos e células do nosso corpo (o que a biologia estuda há séculos) nos dá condições para termos, desde que percebemos esta nova doença, perguntas mais direcionadas para solucionarmos este grande quebra-cabeças que é a cura/tratamento para o novo coronavírus.

Assim, é a partir de pesquisa básica que entendemos de forma detalhada o processo químico, fisiológico, molecular da infecção. Toda esta pesquisa pode apontar possíveis alvos para, aí sim, conseguirmos alcançar tratamentos, ou diminuir o risco para pessoas que estão nestes grupos mais afetados.

Força Tarefa da Unicamp

O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisdores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

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Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

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As autoras

Ana Campos Codo – Farmacêutica-bioquímica de formação e apaixonada por Ciência, Imunologia e Star Wars. Atualmente faz mestrado em Genética e Biologia Molecular com ênfase em Imunologia e participa da Força-Tarefa da Unicamp, tem interesse em temas diversos

Ana Arnt – Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB), do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Evolução. Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

Como citar este texto:

Codo, AC, Arnt, A, (2020) Qual a relação entre diabetes e Covid-19?, Blogs de Ciência da Unicamp: Encarte Especial Covid-19, Ano 1, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/qual-a-relacao-entre-diabetes-e-covid-19/, Acesso em: dd/mm/aa.


4 comentários

Beatriz · 01/08/2020 às 19:40

Muito interessante a postagem! Fiquei com uma dúvida: por que o coronavírus usa a glicose para a replicação? Isso é comum entre os vírus?

    Ana Arnt · 04/08/2020 às 22:43

    A glicose funciona como um combustível que alimenta outras vias que são importantes para a replicação do vírus, como a formação do RNA e membrana para expelir o vírus, entre outras coisas.
    Quanto aos outros vírus, isto foi testado no artigo citado! Realmente a glicose parece ser necessária para vários deles, mas por outros mecanismos (Ana Codo e Ana Arnt na resposta)

    Priscila Murad · 23/08/2020 às 07:32

    O Coronavírus não precisa de insulina para "se alimentar" do açúcar?...por isso, diabéticos descontrolados "favorecem" a doença?

      Ana Arnt · 04/09/2020 às 15:49

      Na verdade, Priscila, o açúcar em excesso favorece entrada do vírus, por isso é a diabetes "descontrolada" que se vincula ao risco de infecções severas.

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