100 trilhões “delas” em nós

Você já se olhou no espelho hoje?

Não!?

Uhmm… corre lá, que ainda dá tempo. Depois deste post você não vai se ver do mesmo jeito. Depois não diga que não avisei…

Pablo Picasso, Mulher Ao Espelho, 1932

Já foi?!

Bom… alguma vez você já se perguntou quantas células você possui no seu corpo? Cientistas fazem uma estimativa de cerca de 100 trilhões de células [escrevendo em números seria um número “1” seguido de 14 “zeros”] (vamos considerar 110 trilhões, para ficar mais fácil). Outra estimativa muito interessante é a de que apenas 10 trilhões de células do nosso corpo são células humanas.

Pausa.

Sim, façamos as contas:

110 trilhões 10 trilhões = 100 trilhões

Ou seja: Há 100 trilhões de células no nosso corpo que não são células humanas… Uai,  então somos só ~10% nós mesmos?

—-–> Sim.

Edvard Munch, O grito (detalhe), 1893

Mas isso não é motivo para  crise existencial, muito menos para pânico (mesmo quando eu contar que esse tantão de células são, na verdade, bactérias – e outros microrganismos em menor quantidade).

Essas bactérias colonizam nossas superfícies e mucosas – ou seja: a pele, a boca, tratos urinário, olfatório e [principalmente] digestório – pesam cerca de 1,2 Kg e possuem uma atividade metabólica altíssima (como um fígado). Hoje [e nos proximos posts] eu vou falar essencialmente da microbiota do trato gastrointestinal.

Esse conjunto de bactérias que habitam nosso corpo é o que nós conhecemos como “flora normal” – mas na verdade, os pesquisadores da área preferem chamar de “microbiota” ou de “comensais”. Esse segundo termo [COMENSAIS] é derivado do latin “commensalis”, que literalmente significa (em inglês) “at table together” – o que eu traduziria como “juntos em uma mesma mesa” (ou “almoçando juntos”, ou ainda “convidado para a refeição” – e outras variações)

Faz sentido? Em seu artigo, a pesquisadora Lora Hooper diz que sim! Isso, porque o alimento tanto para os micróbios quanto para o hospedeiro são provenientes da dieta do hospedeiro. Ou seja, o que a gente come está influenciando não só o nosso metabolismo, mas também o desses seres que convivem conosco.

E o que essas bactérias estão fazendo ali? Ah… muita coisa. Que vai desde a proteção contra outros microrganismos invasores (patógenos), passando pela estimulação do sistema de defesa do corpo, e chegando à contribuição nutricional (produção de vitaminas K e do complexo B, produção de enzimas, digestão de certos substratos, etc.).

Em ecologia, comensalismo é uma interação que no qual apenas uma das espécies envolvidas é beneficiada, sem, contudo, que a outra seja beneficiada ou prejudicada. Por outro lado, no mutualismo há benefícios para todos os envolvidos. (Sadava et al. Vida – Vol II. 8 ed. Artmed, 2009). Considerando o que foi exposto, talvez, o mais correto seria dizer que a relação entre homem-microbiota é de mutualismo, pois as bactérias exercem diversas funções para o hospedeiro que, por sua vez, fornece hábitat e alimento para as bactérias.

É bom ressaltar que a grande maioria dos membros da microbiota gastrointestinal estabelece relações simbióticas benéficas com o hospedeiro. Porém, alguns desses micróbios transitam entre o mutualismo e a patogenicidade. Assim, em caso de desequilíbrio na homeostase entre os simbiontes e o hospedeiro pode levar a estados patogênicos, como inflamação do trato digestivo e diarréia – são os chamados oportunistas.

Bifidobactérias - membros da microbiota intestinal normal, sendo dominantes nos bebês (lactentes) e presentes em menor quantidade nos adultos

 

 

 

 

Clique aqui para ler a parte 2.

**Saiba Mais

Savage DC (1977) Microbial ecology of the gastrointestinal tract. Annual Review of Microbiologi 31:107-133
Nicoli JR, Vieira LQ (2000) Probióticos, prebióticos e simbióticos: moduladores do sistema imune. Ciência Hoje 28:34-38
Hooper LV (2009) Do symbiotic bacteria subvert host immunity? Nature Reviews Microbiology 7:367-374

12 thoughts on “100 trilhões “delas” em nós

  • 19 de fevereiro de 2010 em 22:22
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    Ei, Samir, tudo bom? Que legal- e um pouco assustador também o seu texto! Estou adorando o blog!

    Abraços conterrâneos,

    Resposta
    • 19 de fevereiro de 2010 em 22:30
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      Ah... eu juro que tentei ser o mais menos-assustador que me foi possível... =S Mas realmente assusta um pouquinho... mais pra frente vou fazer uns posts mostrando como essas bactérias (e outras com propriedades mais ou menos semelhantes às da microbiota) fazem/podem-fazer bem pra gente!

      Resposta
  • 20 de fevereiro de 2010 em 22:32
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    Oi Samir!
    Tanto tempo sem conviver com você.. conheci e lembro bem da sua inteligência, simpatia e companheirismo, mas não tive a chance de conhecer o cara com talento pra escrever! Adorei seu jeito de postar as informações aqui! Saudades.. bjo!
    Se você ainda lembrar... da sua colega de 5ª série =)

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    • 21 de fevereiro de 2010 em 12:15
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      Ah! Lógico que eu lembro da minha coleguinha com ascendência grega! Valeu pelos elogios! Mas eu ainda estou aprendendo a escrever no meu blog, e fui inspirado por outros que já estão no ar há mais tempo. Eles estão lincados no catálogo de blogs, tipo: Rainha Vermelha, RNAm e Brontossauros no meu Jardim - todos excelentes!

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  • 10 de setembro de 2010 em 12:03
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    Muuuito interessante seu blog Samir.
    Estarei sempre passando por aqui para matar um pouquinho minhas curiosidades 'biológicas'.

    Abraços.

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  • 22 de abril de 2011 em 23:34
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    Forma interessante de entender ecologia básica, que serve desde relações simples entre seres microscópicos e outros, como nós, até relações sociais complexas e sim, MUTUALISTAS na sociedade humana. É o que P. Kropotkin diria que possibilitou a evolução das espécies, incluindo os humanos: o mutualismo.
    Parabéns mais uma vez.

    Resposta
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