O assassinato de “P. aeruginosa” pela “E. coli” suicida
Uma nova e promissora área da biologia que vem sendo muito falada ultimamente é a “biologia sintética” que procura construir sistemas biológicos geneticamente modificados capazes de desempenhar funções novas – inexistentes – na natureza. Suas aplicações permeiam a produção de drogas e biocombustíveis, a degradação de contaminantes aquáticos e mesmo a morte de células cancerosas. Apesar de a utilização de micro-organismos ser freqüente nesse tipo de abordagem, ela ainda não foi explorada como estratégia de combate a doenças infecciosas. O argumento é sempre o mesmo – o que não significa que seja, por isso, menos válido: a estagnação na descoberta/desenvolvimento de novos antibióticos e a emergência dos patógenos multidrogas-resistentes criam um campo de busca e desenvolvimento de novas abordagens contra microrganismos patogênicos. Algumas abordagens já comentei por aqui: probióticos, transplante fecal e o plasma frio .
Nesse experimento, a bactéria-pau-pra-toda-obra-modelo Escherichia coli foi “engenheirada” e utilizada para matar, especificamente, células de Pseudomonas aeruginosa.
P. aeruginosa é um patógeno oportunista dos tratos respiratório e gastrintestinal, e infecções por esses micro-organismos podem ser fatais, principalmente para indivíduos imunocomprometidos. Além disso, essa bactéria é danadinha e possui mecanismos eficientes de efluxo de drogas, o que as tornam naturalmente resistentes a diversos antimicrobianos.
Foi num laboratório de uma universidade em Singapura, que Saeidi, Wong e colaboradores desenharam e construíram uma linhagem de E. coli capaz de perceber a presença de P. aeruginosa e, como resposta, liberar um peptídeo antimicrobiano.
Vamos analisar detalhadamente o modo isso foi feito…
A E. coli produz uma proteína denominada LasR capaz de reconhecer moléculas (30C12HSL – homoseril lactona) utilizadas na comunicação (quorum sensing – saiba mais clicando aqui) entre as células de pseudomonas. Quando LasR reconhece esses sinais químicos, ela se liga a dois genes (verde e amarelo). O primeiro (verde) arma a bomba – pois ele codifica a piocina, que mata P. aeruginosa causando perfuração na parede e extravasamento do conteúdo interno da célula. O segundo (amarelo) detona a bomba – ele produz a proteína Lysis E7 que rompe a célula de E. coli, matando-a e, ao mesmo tempo, lançando no ambiente a grande quantidade de piocina acumulada.
Na foto da esquerda vemos células intactas da “E. coli – bomba”, apesar de não ser possível ver, esses micro-organismos produzem constitutivamente moléculas de LasR. Quando estimuladas com a HSL, o pavio é aceso, a LasR reconhece a HSL e ativa a produção da piocina e das proteínas de lise – é isso que vemos na foto da direita, onde vemos as E. coli em diferentes estágios de lise.
Nessa figura vemos a ação da “E. coli bomba” sobre o biofilme de P. aeruginosa. à esquerda vemos (em verde) a película forma pelas células de pseudomonas, o gráfico mostra a espessura dessa formação. Porém, após a introdução da “bomba” vemos uma significativa redução do biofilme. Observe na foto e no gráfico à direita a diminuição da quantidade de bactérias e da espessura do filme bacteriano.
Legal, não é?
Então já poderemos logo logo encontrar essas bactérias na farmácia mais próxima de casa, certo?
Não… não é bem assim que as coisas funcionam. Apesar do sucesso de redução de 90% do filme bacteriano, muita coisa ainda tem que ser feita para se estabelecer a técnica e garantir a segurança de seu uso (aqui entram, ainda, os testes em animais). Inclusive, devemos considerar o fato da E. coli ser uma bactéria Gram-negativo e possuir, em sua parede, um componente denominado lipopolissacarídeo (LPS). Conhecido, também, como endotoxina, o LPS é liberado no momento da lise é pode causar efeitos sistêmicos no hospedeiro, como febre – e dependendo da concentração pode causar morte. Além disso, um outro incoveniente está relacionado ao crescimento mais lento (cerca de 3 vezes) que a bacteria modificada apresenta. Isso se deve, provavelmente, à inserção do plasmídio que deve ser replicado, além da produção constitutiva de LasR.
Assim, acho que, no momento, mais do que o fato de a bactéria ser capaz de matar a outra, o grande avanço demonstrado por este trabalho é a possibilidade de se modificar um microrganismo programado para responder de forma determinada a estímulos específicos e predeterminado pelos cientistas.
BIBLIOGRAFIA
Saeidi, N., Wong, C., Lo, T., Nguyen, H., Ling, H., Leong, S., Poh, C., & Chang, M. (2011). Engineering microbes to sense and eradicate Pseudomonas aeruginosa, a human pathogen Molecular Systems Biology, 7 DOI: 10.1038/msb.2011.55
Uma vez, uma moça que trabalhava em casa queixou-se das baratas que estavam empesteando sua moradia. Dei algumas dicas obviamente, sem sucesso, porque o problema estava no entorno e não na casa da pobre. Um belo dia, ela veio e me disse, um pouco contrariada: - Resolvi o problema das baratas! - É? Como você fez? - perguntei, entusiasmado. - Fácil - ela disse - os ratos comeram todas.
Essa anedota exemplifica a situação miserável que nos encontramos no momento e como essa descoberta (ou seria invenção?) se insere no contexto da luta inglória contra bactérias multirresistentes.
Belíssimo post, Samir. Parabéns.
Achei essa reportagem simplesmente fenomenal... Parabéns!!!
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Excelente, Sam! Parabéns! Beijo!
Amei sua reportagem!!! Envie mais sobre os inibidores de N- acil homoserina Lactona.