Fungo garante ceia criando armadilha para capturar alimento

A gente ouve muito falar em bactérias e vírus, mas os fungos acabam ficando meio negligenciados. No final das contas, eu diria fungos são uns serezinhos bem peculiares… Dê uma olhadinha nas duas fotos abaixo (Fig 1).

Fig 1. Em “A” vemos uma foto do fungo Orbilia auricolor, em “B” vemos um micrografia eletrônica do fungo Arthrobotrys oligospora. Você seria capaz de dizer qual a relação entre eles?

Um grande problema nos estudos de alguns fungos acontecia justamente por que às vezes um fungo era descrito duas vezes com nomes diferentes. E por que isso acontecia? Porque os estágios reprodutivo e  vegetativo são morfologicamente diferentes, o que levava a crer que eram espécies diferentes! Um exemplo disso é justamente o fungo da figura 1 – sim, leitor, O. auricolor e A. oligospora são a mesma espécie, o mesmo fungo! O. auricololor é a forma reprodutiva do fungo (na foto vemos pequeninos cogumelos fotografados por cima), enquanto A. oligospora é a forma vegetativa – ou seja: é a forma como o fungo é encontrado comumente no solo, esta fase é também chamada de estágio de crescimento – e esse é o nome pelo qual vamos nos referir a esse fungo no restante do post.

Você deve estar se perguntando “mas o que esse fungo tem de tão importante pra ter um post sobre ele”? Eu poderia falar que ele é frequentemente encontrado em solos poluídos com metais pesados, mas o enfoque aqui será outro: esse fungo tem hábitos carnívoros e mais, ele produz uma armadilha para capturar seu alimento! Na verdade, existem mais de 700 espécies de fungos carnívoros, mas estudos recentes com esta espécie nos permitiram dar um grande passo para a compreensão da biologia do “estágio carnívoro” desses fungos. Antes de falarmos sobre o estudo em si, vamos dar uma olhadinha no modo como esse fungo se organiza para capturar e se alimentar de vermes (nematoides) que habitam o solo (Fig 2).

Fig 2. Estágio parasitário de A. oligospora. Na foto “A” vemos a formação das armadilhas; em “B” vemos um nematoide em meio às armadilhas das hifas do fungo; e em “C” observamos de pertinho o nematoide preso em uma armadilha! O fungo então, penetra suas hifas no corpo do verme, lança enzimas digestivas no animal e, depois, se esbalda no delicioso banquete!

O genoma de A. oligospora foi sequenciado, e o que os pesquisadores descobriram é que o fungo possui 11.479 genes codificadores de proteínas. Depois, foram comparar o genoma desse fungo com o de outros 10 (alguns patogênicos e outros não) e os resultados demonstraram que dos 11.479 genes:

  • 6.157 são genes exclusivos dessa espécie fúngica
  • 4.249 são genes que são encontrados nas outras espécies analisadas. São genes chamados housekeeping e que estão envolvidos em funções metabólicas básicas das células.
  • 112 genes são compartilhados com fungos não patogênicos
  • 961 genes são compartilhados com fungos patogênicos

Em seguida, foram realizadas análises filogenéticas, com a finalidade de verificar o parentesco entre esses 11 fungos, e A. oligospora é tão peculiar (53,64% do seu genoma é exclusivo) que ele compõe, sozinho, um clado na árvore filogenética construída.

Algo, ainda, muito interessante nesse estudo foi a análise da regulação da expressão gênica nesse fungo durante a formação das armadilhas. Para isso, eles fizeram uma gororoba um extrato de nematoide e aplicaram no fungo. Posteriormente, analisaram a expressão gênica após 10h e 48h, comparando os resultados com um fungo que recebeu apenas água.

Os resultados demonstraram que houve, nas 10 primeiras horas, um aumento na expressão de 90 proteínas e uma queda na expressão de 16. Porém, após 48h o aumento na expressão ocorreu em 25 proteínas e queda em 94. Lembre-se que esses resultados comparam cada um dos grupos experimentais com o grupo controle.

Verificando-se a natureza das proteínas aumentadas em 10h, concluiu-se que é nessa fase que o fungo está num período de crescimento e seu metabolismo está extremamente ativo, ou seja, é nesse ponto que o fungo está formando as armadilhas. Essas proteínas que são superexpressas estão envolvidas nos processos de tradução, modificações de proteínas, metabolismo de aminoácidos e carboidratos, além de genes de metabolismo energéticos e envolvidos na biogênese de membrana celular e parede. É importante ainda dizer que esses genes, quando avaliados no tempo de 48h, estão, em sua maioria, tendo sua expressão reduzida!

Esses fungos são muito importantes para o controle biológico dos nematoides no solo, e pode haver grande interesse industrial para a identificação e produção em larga escala dos metabólitos fungicos que atuam como nematicidas.

Os fungos são capazes de atrair e, depois, de percebem a presença dos vermes… Agora o que falta para esse trabalho ficar completo é alguém descobrir: (A) qual é o “sinal” que faz o nematoide ser atraído pelo fungo e (B) como fungo percebe a presença desse nematóide desencadeando todas as alterações que o permitirão construir as armadilhas.

ResearchBlogging.org Yang J, Wang L, Ji X, Feng Y, Li X, Zou C, Xu J, Ren Y, Mi Q, Wu J, Liu S, Liu Y, Huang X, Wang H, Niu X, Li J, Liang L, Luo Y, Ji K, Zhou W, Yu Z, Li G, Liu Y, Li L, Qiao M, Feng L, & Zhang KQ (2011). Genomic and proteomic analyses of the fungus Arthrobotrys oligospora provide insights into nematode-trap formation. PLoS pathogens, 7 (9) PMID: 21909256

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