O ministro da Educação do atual governo, Abraham Weintraub, fez na semana passada um corte de 30% dos recursos destinados a todas as universidades federais. Isso veio depois de uma tentativa atabalhoada de cortar verbas apenas da UnB, UFBA e UFF por serem “promotoras de balbúrdia” e por supostamente terem um desempenho acadêmico abaixo da média. Receoso de ser questionado pela Justiça quanto aos critérios (ou a falta deles) usados no processo, o ministro decidiu dobrar a aposta e fazer um corte linear, atingindo a todas igualmente. O “bloqueio preventivo“, como o secretário da educação superior o chama, reteria 5,8 bilhões de reais da pasta, e envolveria cortes discricionários: aqueles sobre a água, luz, limpeza dos prédios, alimentação dos estudantes e compra de materiais de laboratório, por exemplo.
Há muito para se criticar nestas decisões, mas ainda mais nos seus pressupostos. O ministro parece assumir gratuitamente uma porção de coisas. Por exemplo, mesmo sendo alguém sem qualquer experiência prévia trabalhando especificamente na área da Educação (assim como seu predecessor, é bom não esquecer), ele assume que “universidades públicas” são antros de marxismo cultural, que deve ser expurgados; que os reitores são todos “de esquerda”, os alunos baderneiros, e a produção é fraca e insuficiente. A pergunta é: como ele sabe disso tudo? Que dados o ministro está usando de base para tomar uma decisão tão drástica quanto ao orçamento?
1. Unidireita, Uniesquerda
Universidade de Brasília, em foto de 2018
Por outro lado, o que se entende pelas entrelinhas da fala do ministro (e na fala de diversos outros personagens populares do conservadorismo atual, como o filósofo Luís Felipe Pondé e o jornalista Reinaldo Azevedo) é que são os cursos de Humanidades – Letras, Filosofia, Ciências Sociais, História e Geografia, dentre outros – que concentram esta visão hegemônica de esquerda, que aliena e marginaliza outras interpretações do mundo.
Trata-se de uma afirmação mais restrita, mas assim mesmo problemática, porque está calcada em relatos pessoais. É verdade que diversos comentadores identificados com a direita política ou o liberalismo acusaram a “intelectualidade de esquerda”, seja na forma de alunos ou professores, de aparelhar órgãos de chefia, hostilizar discursos dissonantes e retaliar abertamente suas ideias e pessoas. Mas afirmações deste tipo deveriam promover o que de fato parece estar faltando no ensino superior: uma reflexão ponderada sobre o tipo de universidade que se deseja, com o devido reconhecimento de que é provável que haja exageros de alguns grupos militantes de esquerda, e com proposições claras e sóbrias para alterar esta realidade, fruto de um amplo diálogo social. O que não se espera de um ministro é uma postura de caça às “bruxas vermelhas” (muitas das quais são apenas fantasmas), quanto menos uma evisceração do financiamento.
2. As três Marias-Balbúrdia
A razão do incômodo do Ministro com relação às três universidades federais ainda é um mistério. Talvez tenha sido as fotos de estudantes pelados na UnB que circularam recentemente em redes sociais (feitas em 2009 e 2014, inclusive); ou o fato de alunos de Enfermagem e Assistência Social terem feito um trabalho junto a um assentamento sem-terra para produção de alimentos agroecológicos – um pecado de primeiro grau para o atual governo.
Universidade Federal da Bahia, em 2019
O fato é que, estritamente falando, a classificação destas três instituições no Scimago, um dos principais rankings internacionais de instituições de pesquisa, manteve-se praticamente a mesma de 2011 a 2019, com pequenas flutuações. Este ranking usa três critérios principais – performance da pesquisa, produção de inovações e impacto social, calculados por meio de diversos indicadores. Outro ranking internacional importante, o World University Rankings, da organização internacional Times Higher Education, listou estas universidades também constantemente nas mesmas posições nos últimos três anos. O mesmo pode ser dito do RUF, ranking da Folha de São Paulo, em que mais de 50% dos dados considerados para os cálculos dizem respeito à pesquisa. UnB, UFBA e UFF mantiveram-se nas mesmas posições (respectivamente nona, décima-quarta e décima-sexta, com pequenas flutuações) nos últimos quatro anos, e as notas dadas à produção de pesquisa não diferiram significativamente.
Ou seja, não há evidência clara de queda substantiva de rendimento acadêmico global destas universidades. Mesmo assim, elas vão servir de bode expiatório para uma enorme e infundada represália. Não estou dizendo que o debate sobre a adequação ou não da modalidade de naked-protesting e de outras balbúrdias deva ser ignorado, ou imediatamente taxado como sinal de intolerância de quem o propõe. Porém, ao invés destes assuntos serem tratados com inteligência e sensibilidade, temos um líder que pensa que a solução é cortar verbas – algo que nada pode fazer contra “baderna” (ao contrário, gera mais protestos) e que tende a piorar a infra-estrutura universitária, dificultando a produção de ciência de qualidade (justamente o que – assume-se – ele queria evitar).
3. Concluindo:
- Relatos são fatos episódicos, e não podem de forma alguma servir de base para políticas públicas de amplo alcance;
- Uma universidade não deixa de ser boa, de ponta ou respeitável por causa da presença de alunos pelados no campus, ou alunos fumando baseado no Centro Acadêmico, ou protestando, seja lá pela causa que for. Afirmar isso é desconhecer os critérios de excelência universitários e como alcançá-los, o que infelizmente parece ser o caso do atual ministro.
Antonio Carlos Rocha
queria saber porque ele não falou nada das faculdades particulares e dos cursos da baixa qualidade , o que precisamos e de um ensino de qualidade,excelencia.