Foi-se o tempo em que fazer “dancinha” no TikTok (1) era exclusividade da Geração Z. Para além do entretenimento, o aplicativo tem sido usado por sites noticiosos, pela divulgação científica, por políticos e até pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Popular entre os jovens, ele pode ser mais uma ferramenta para levar informações confiáveis sobre vacinas, em especial sobre as da Covid-19, diminuindo assim a hesitação vacinal de parte da população, fator que põe em risco a imunidade de grupo, preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que também entrou na plataforma desde 2020 para combater a desinformação. Mas, como tem sido essa comunicação até hoje?
A comunicação em saúde e o TikTok
Não é nova a adoção das mídias sociais na comunicação em saúde, fato demonstrado por um estudo (2) desenvolvido por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos (EUA), publicado em 2013. Ele aborda essa utilização por organizações de saúde pública e profissionais de saúde, cuja finalidade é disseminar informação em massa para a promoção da saúde, construção de relacionamento médico-paciente, vigilância da saúde pública e melhoria de qualidade.
Em 2020, pesquisadores da Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia (China) e da Universidade de Brunel (Inglaterra) realizaram uma pesquisa (3) em que analisaram o conteúdo de 962 microvídeos enviados por 31 perfis de TikTok administrados pelos Comitês Provinciais de Saúde (PHC, na sigla em inglês para Provincial Health Committees) chineses durante o mês de agosto de 2019.
Dentre os 100 microvídeos mais curtidos entre todos os PHCs verificou-se que os temas mais produzidos foram sobre os profissionais de saúde (38%), seguidos de conhecimento sobre doenças, alimentação diária e reforma sanitária (para os quais não foram colocados percentuais exatos). O estudo concluiu (entre outras coisas) que esses usuários do TikTok se engajam mais quando os microvídeos estão correlacionados ao seu entendimento de difíceis termos médicos ou jargões.
A Comunicação sobre a COVID-19 no TikTok
Todos concordam que uma comunicação eficaz em saúde pública é fundamental, mas, será que a rápida expansão do TikTok foi aproveitada pelos agentes de saúde pública para informar e educar as pessoas sobre a Covid-19?
Foi o que buscaram compreender os pesquisadores das universidades americanas de New Jersey e do Arkansas (4) ao analisar 331 vídeos com alguma hashtag relacionada à Covid-19 postados por perfis oficiais de oito agências de saúde pública (como o da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha) e pelas Nações Unidas (como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) até maio de 2020. Eles identificaram sete categorias de temas de vídeo:
- vídeos com foco em precauções pessoais;
- vídeos de incentivo;
- conhecimento da doença;
- antiestigma / antirrumor;
- gestão de crise social;
- reconhecimento e;
- relatório de trabalho.
Embora os vídeos com foco nas precauções pessoais tenham sido os mais prevalentes, o estudo não encontrou diferenças substanciais nas visualizações, curtidas, comentários e compartilhamentos de vídeos nos sete temas elencados, sendo mais populares aqueles que apresentam dança, devido às características da plataforma. Uma das conclusões é que, apesar do potencial de envolver e informar que tem essa mídia social, as agências e organismos de saúde pública ainda estão num estágio bastante inicial de criação e entrega de conteúdo.
Para falar com os jovens
Um levantamento realizado entre janeiro e fevereiro de 2021 pelo think tank estadunidense Pew Research Center (5) mostra que 48% dos usuários norte-americanos do TikTok têm entre 18 e 29 anos e que 22%, têm entre 30 e 49 anos. Essas faixas etárias são importantes na comunicação de saúde da Covid-19 porque, embora as evidências anteriores tenham sugerido que a doença poderia ser menos grave entre os jovens (6), estudos recentes indicam que ela pode se prolongar mesmo entre adultos jovens sem condições médicas crônicas subjacentes (7) e que um em cada três jovens pode apresentar sintomas graves (8).
Assim, por ser tão popular entre os jovens, o TikTok pode ter uma utilidade imensa na comunicação de saúde e consequente educação desse público, conforme se observa em recentes reportagens informando que os jovens estão usando o TikTok para aliviar seus medos do coronavírus. A empresa, atenta à questão, criou um centro de informações para oferecer aos seus usuários conteúdo confiável sobre a doença, além de, no Brasil, firmar parcerias com instituições de pesquisa em saúde, como é o caso da realizada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em maio de 2021.
Health Literacy
Os pesquisadores de Huazhong e Brunel (3) informam que o Conselho de Estado da China mantém desde 2016 um Comitê de Promoção da China Saudável que realiza um trabalho sob a perspectiva holística da mídia na educação e comunicação em saúde pública com o objetivo de levar à sua população a alfabetização em saúde (ou health literacy, no termo em inglês). Esse movimento demonstra que a comunicação e a educação em saúde por meio de mídias integradas é uma preocupação nacional, naquele país.
No Brasil, há iniciativas pontuais, como o excelente trabalho realizado pelo ator Emerson Espíndola que após o início da pandemia criou um perfil no TikTok com o codinome Mister Emerson e tem produzido microvídeos muito interessantes sobre as vacinas contra a Covid-19, além de outros temas relacionados à saúde. Há também cientistas, como o virologista e biofísico Rômulo Neris (9) que também divulga informações sobre as vacinas contra a Covid-19, além de conteúdo relacionado ao Coronavírus, visto que pesquisa o assunto. Em nível governamental, destaque para a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, em cujo perfil institucional são postadas informações educativas para o público em geral.
No plano federal, num governo que trocou o ministro da saúde 4 vezes em plena pandemia da Covid-19, fez campanha oficial contra o isolamento social e contra a obrigatoriedade das vacinas, chega a ser devaneio supor que se faça uso de formas inovadoras de comunicação em saúde pública. Nessa seara, o país está à mercê de uma maioria de criadores comuns de conteúdo que, embora bem intencionados, por não terem formação para tal, eventualmente, podem cometer equívocos e desinformar.
Portanto, Health Literacy por meio do Tiktok já é uma realidade em canais oficiais de países e agências de saúde em diversas partes do mundo, ainda que num estágio inicial. O Brasil, dependente dos esforços dos divulgadores de ciência (profissionais ou não), infortunadamente, segue sem um direcionamento coordenado, o que pode estar custando centenas de milhares de vidas.
Update em 18/08/2021 – Entrevista a CBN
Saiba mais:
(1) Desenvolvido na China, o TikTok é uma plataforma de mídia social que permite aos seus usuários a criação de vídeos curtos (microvídeos) de 15 a 60 segundos (noticiário recente informa esse tempo aumentou para até 03 minutos), possui funções de edição, permite a inserção de músicas, efeitos especiais e o compartilhamento com a comunidade. Dados de 2019, mostram que o aplicativo já tinha, à época, mais de 500 milhões de usuários ativos e um bilhão de downloads no mundo.
(2) HELDMAN, A.B., SCHINDELAR, J. & WEAVER, J.B. Social Media Engagement and Public Health Communication: Implications for Public Health Organizations Being Truly “Social”. Public Health Reviews, Vol. 35, N.º 1 (2013). Disponível em: https://doi.org/10.1007/BF03391698 Acesso em 26 jul. 2021.
(3) ZHU, Chengyan et al. How health communication via Tik Tok makes a difference: a content analysis of Tik Tok accounts run by Chinese Provincial Health Committees. International journal of environmental research and public health, v. 17, n. 1, p. 192, 2020. Disponível em: https://www.mdpi.com/1660-4601/17/1/192 Acesso em 25 jul. 2021.
(4) LI, Yachao; GUAN, Mengfei; HAMMOND, Paige; BERREY, Lane E. Communicating COVID-19 information on TikTok: a content analysis of TikTok videos from official accounts featured in the COVID-19 information hub. Health Education Research, 261-271, 2021. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7989330/ Acesso em 25 jul. 2021.
(5) AUXIER, Brooke; ANDERSON, Mônica.Social Media Use in 2021. Pew Research Center. Washington (EUA). 7 Abr. 2021. Disponível em: https://www.pewresearch.org/internet/2021/04/07/social-media-use-in-2021/ Acesso em 25 jul. 2021.
(6) CASTAGNOLI, Riccardo et al. Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) infection in children and adolescents: a systematic review. JAMA pediatrics, v. 174, n. 9, p. 882-889, 2020. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/fullarticle/2765169 Acesso em 25 jul. 2021.
(7) TENFORDE, Mark W. et al. Symptom duration and risk factors for delayed return to usual health among outpatients with COVID-19 in a multistate health care systems network. United States, March–June 2020. Morbidity and Mortality Weekly Report, v. 69, n. 30, p. 993, 2020. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7392393/ Acesso em 25 jul. 2021
(8) ADAMS, Sally H. et al. Medical vulnerability of young adults to severe COVID-19 illness—data from the national health interview survey. Journal of Adolescent Health, v. 67, n. 3, p. 362-368, 2020. Disponível em: https://www.jahonline.org/article/S1054-139X%2820%2930338-4/fulltext Acesso em 25 jul. 2021.
(9) Néris em 2020 era doutorando em Imunologia e Inflamação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi um dos sete pesquisadores brasileiros selecionados para estudar a covid-19 com uma bolsa da Dimensions Sciences para estudar a genética do vírus e suas mutações, além de alterações observadas no indivíduo durante a infecção, como metabólicas e pulmonares. (Mariana Alvim, da BBC News Brasil. 08 jun. 2020). –