Pesquisadores desenvolvem escala comportamental para avaliar dor em porcos

Por Caroline Marques Maia

O ponto de corte bem definido da escala ajuda na decisão sobre a necessidade de analgésicos para aliviar a dor

Pesquisadores da Unesp de Botucatu (SP), em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), desenvolveram e validaram uma escala baseada em comportamentos de porcos para avaliar a dor aguda nesses animais quando passam pela orquiectomia, ou seja, a castração. Os resultados do estudo publicado em junho na revista PLoS One, indicam alterações comportamentais dos porcos quando estão com dor e como isso é revertido com a aplicação de analgésicos. A pesquisa traz um importante apelo para o bem-estar desses animais, já que em sistemas de produção, não é incomum que a castração dos suínos seja realizada sem anestesia.

Para o estudo, os pesquisadores investigaram o comportamento de 45 porcos com cerca de 38 dias de idade que foram castrados com anestesia local. O comportamento dos animais foi filmado e analisado antes da cirurgia e até 24 horas depois da castração. Os pesquisadores compararam os comportamentos dos suínos antes da cirurgia e após a cirurgia em momentos sem e com analgésicos. As filmagens foram avaliadas duas vezes por quatro pesquisadores diferentes para garantir mais consistência dos resultados. Após a cirurgia, os porcos passaram menos tempo andando, vasculhando o ambiente e interagindo e, por outro lado, passaram mais tempo em uma postura anormal, andando com dificuldade ou mesmo deitados em desconforto ou sozinhos. O uso de analgésicos reverteu esses comportamentos e também estimulou os animais a comerem e beberem mais água.

“Ter feito parte do desenvolvimento deste trabalho foi uma honra e um grande desafio, pois foi possível ver que a observação comportamental nos traz muitas informações a respeito da dor nessa espécie”, comenta Flávia Oliveira, uma das autoras do trabalho e membro do grupo de pesquisas coordenado por Stelio Luna na Unesp. As alterações comportamentais tão claras em porcos com dor foi uma surpresa para os próprios pesquisadores. “Contrariamente ao que havíamos pensado, os suínos expressam de forma bem evidente a dor. Com isso, mesmo sendo em grupo, consegue-se diferenciar os animais que estão sentindo dor. Os suínos têm um comportamento muito lúdico, muito brincalhão, e aqueles com dor ficam mais isolados, afastados do grupo, e não querem saber de brincadeira”, comenta Stelio Luna, veterinário coordenador do grupo de pesquisas sobre dor e qualidade de vida em animais da Unesp e um dos autores do artigo.

Porcos com dor interagem menos, ficam mais desconfortáveis e se afastam do grupo

A escala composta Unesp de Botucatu para avaliação da dor pós-operatória em suínos – UPAPS – como foi nomeada pelos pesquisadores, além de ser uma ferramenta válida, confiável e objetiva para avaliar dor aguda em porcos castrados, é ainda muito prática. “Essa é a segunda escala publicada até agora no mundo para avaliação de dor em suínos com base em seus comportamentos. A primeira escala desenvolvida foi baseada em expressões faciais dos animais, o que requer que se tire muitas fotos em ângulos específicos. Por isso me parece que não é tão prática quanto a nossa escala de suínos”, comenta Pedro Trindade, que faz parte do grupo de pesquisas coordenado por Stelio e também é autor do trabalho. Como essa nova escala permite a avaliação da dor em suínos de forma bem simples, outras pessoas além dos veterinários podem avaliar a dor nesses animais. “Os próprios produtores e as pessoas envolvidas na suinocultura podem aprender, podem ser capacitados a utilizar esse tipo de escala e aí aplicar essas escalas nas suas propriedades particulares”, destaca ainda Pedro.

Além disso, a nova escala é pioneira em termos de validação estatística. Segundo Pedro, a escala baseada nas expressões faciais dos porcos que já existia não passou pelo processo robusto de validação matemática e refinamento como a nova escala composta Unesp de Botucatu. “Não tem na literatura uma análise tão pormenorizada como a que nós fazemos aqui no grupo da Unesp. Isso certamente vai refletir como referência para o mundo inteiro, porque é uma escala que já é em inglês, e que vai ainda ser disponibilizada em outras línguas no site Animal Pain do nosso grupo. Inclusive vamos desenvolver aplicativos com essa escala”, pontua Stelio.

“Nesta escala incluímos a zona de incerteza diagnóstica ou zona cinzenta, que é uma zona de ‘confusão’ e a intensidade da dor dos animais. Quanto mais animais estão na zona cinzenta, pior é, porque animais nessa zona refletem uma maior incerteza no diagnóstico da dor. Com relação à intensidade da dor, ela foi dividida em não-dor, leve, moderada e severa, o que nos permitiu perceber que os animais têm sensações diferentes mesmo após um mesmo procedimento”, destaca Pedro. As sensações dos animais dependem da resposta individual do organismo frente à intervenção cirúrgica e aos analgésicos e por isso mesmo é importante pontuar a intensidade da dor na escala.

Para avaliar os comportamentos dos animais através da escala, diferentes comportamentos recebem pontuações distintas, especificadas na própria escala. A soma total dessas pontuações indica o valor que deve ser considerado pela pessoa que está avaliando. O valor máximo possível, ou seja, quando o animal está com a dor mais intensa, é 18, sendo que a partir do valor 6 é recomendado que se utilize analgésicos com os animais. Esse ponto de corte bem definido dá suporte para a decisão do avaliador sobre o uso de analgésicos. “Espero que essa escala incentive os produtores de suínos a mudar o manejo e sua percepção em relação a dor e a importância de avaliá-la e tratá-la de forma a trazer mudanças significativas tanto no manejo como no bem-estar desta espécie”, comenta Flávia.

Como a escala foi desenvolvida em animais em dois ambientes distintos em termos de clima, sendo um no estado de São Paulo e outro na Paraíba, isso amplia ainda mais o alcance dos resultados obtidos pelos pesquisadores. “O trabalho foi desenvolvido tanto na Unesp, nas nossas condições aqui em Botucatu na fazenda Lageado no setor de suinocultura, e também no nordeste. Portanto, trabalhamos com diferentes unidades em termos de temperatura, por exemplo, o que favorece e amplia a possibilidade de uso dessa escala em situações diferentes, com climas diferentes”, pontua Stelio.

A importância da nova escala não é apenas para o bem-estar e a qualidade de vida dos suínos, mas é também uma questão econômica. “O porco é o quarto animal de maior produção no mundo e hoje em dia o consumidor está muito atento ao que ele se alimenta. É a ideia de estar com a consciência tranquila na hora de nos alimentarmos daquele animal. Os valores da venda dos produtos de animais criados em melhores condições são inclusive um pouco maiores, então os sistemas de criação que já garantem o bem-estar animal sem dúvida também agregam valor ao produto”, finaliza Stelio.

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