Quando um bem tão precioso quanto a água se torna motivo de dor…
As cenas da atualidade são fortemente relacionadas com as de filmes de ficção científica. Famílias precisando escolher quem salvar primeiro. Animais domésticos sobrevivendo à deriva. Bairros inteiros desaparecidos. Um cavalo ilhado há dias em cima do telhado. Uma vaca encontrada no altar de uma igreja. Distópico.
É preciso refletir sobre os desdobramentos desse desfecho. A começar pelo quanto dependemos da natureza para tudo. A roupa vem do algodão, o suco vem de uma árvore frutífera, o celular vem de elementos naturais cada vez mais escassos. É inaceitável ver a quantidade de pessoas desprezando o que as sustentam.
Nós não estamos sozinhos na Terra, aliás, todas as outras espécies viveriam muito bem sem a nossa presença. Contudo, a gente não pode dizer o contrário. Somos dependentes e vulneráveis.
Você já parou em frente a um prédio e pensou na quantidade de aço e concreto que ele tem? E da onde foram extraídos esses materiais? Quando cidades inteiras se perdem em guerras ou catástrofes ambientais, significa que também estamos perdendo matéria-prima natural que demora décadas, séculos, milhões de anos para se regenerar. Não adianta o dinheiro, a natureza tem o tempo dela.
O otimismo daqueles que lutam para que os impactos na Terra sejam mitigados parece estar perdendo feio para o pessimismo que toma conta dos noticiários, da realidade. Educação básica cheia de lacunas, políticas públicas ineficientes, legislações ambientais que não são cumpridas, instituições de pesquisa com pouco reconhecimento, órgãos de fiscalização sucateados. Negligenciamos o que é primordial.
É injusto como as coisas acontecem. Pessoas em salas climatizadas ditam os rumos do lixo no planeta, sendo que muitas dessas pessoas não reciclam o seu próprio lixo. Pessoas sem conhecimento especializado mas tomadoras de decisão que acham mais correto canalizar um rio inteiro do que plantar árvores ao seu redor. Pessoas que compram mármore de Carrara para sustentar um luxo desnecessário deveriam saber que o Carrara vai acabar. Pessoas que escolhem colocar ar-condicionado até no banheiro, ao invés de plantar árvores, deveriam saber o tamanho de sua ignorância. O preço que se paga por escolhas erradas vai além das cifras.
Podem ser bilhões os investimentos, há coisas materiais e imateriais que não poderão ser recuperadas no Rio Grande do Sul. E mesmo se não tivesse morrido nenhuma vida, o estrago continuaria sendo extremamente severo, incontável. Sim, o mais importante é a vida. Mas uma vida digna, com história, vida e memória. Uma vida sem interrupções. Sem perdas abruptas. Imagina não ter mais a sua casa, rua, vizinhança, cidade? Perder o seu filho. O seu caramelo. A sua criação. Suas lembranças. Cada um tem uma dor que não pode ser medida por preço, porque cada um sabe o valor daquilo que te pertence.
É emocionante ver as ações de diferentes esferas da sociedade para ajudar os que estão necessitados. Dá esperança. Dá ânimo aos que estavam quase desistindo. Mas quando uma vida, seja ela humana ou não, ficou para trás, o Estado falhou, pois ele não garantiu o que está na Constituição. Isso é lógica: é necessário, mas não suficiente.
Seja no Brasil, ou em países que agora estão vivendo momentos de colapso como na Ucrânia e na Palestina, as pessoas precisam tentar recomeçar suas vidas em todos os sentidos. E só elas sabem o peso desse recomeço.
As injustiças cruzam fronteiras. Ao invés de orquestradas ações de prevenção, estamos acostumando com ridículas mitigações. Na era da informação mais parece que estamos aprisionados na desinformação. Um frenesi de acumulação de x, y ou z que nos deixa cada vez mais sós. Uma exploração gananciosa de recursos a qualquer custo. Uma ilusão de dinheiro fácil advindo de esdrúxulos conteúdos de mídias sociais que emburrecem pessoas. A ignorância leva ao caos.
Maio mostrou para nós o que já vem acontecendo há algum tempo e continuará acontecendo com maior frequência e destruição, em diferentes regiões do planeta, drástica ou silenciosamente, se continuarmos agindo como agimos. Isso é a natureza sutilmente mostrando que ela só está reagindo. Só está respondendo ao que estamos cultivando em nossa mãe Terra. O negacionismo climático é o nosso calcanhar de Aquiles.
Enquanto estivermos progredindo 20 passos em algumas coisas, mas regredindo 40 passos em outras coisas, estaremos ilusoriamente sobrevivendo. Não importa onde você está agora. O planeta está em curso para um colapso ambiental que será para todos. Uns mais do que outros, mas todos sofrerão consequências.
Uma mudança profunda e de ressignificação do que de fato é a vida e como vivê-la – o que consumir, por exemplo –, é necessária para todos. Um reconhecimento dos dados científicos que vem mostrando sobre como o planeta tem se transformado precisa ser discutido na mesa de bar.
Nem tudo está perdido! Há muita coisa linda sendo feita! Vamos nos unir ao que está fazendo a diferença!
Vamos tornar azul o horizonte que parece cinza. Com amor, conhecimento, respeito e ação.
Bela reflexão!
Mais belo seria se todos tivessem a coragem de fazer esta análise de modo minucioso e profundo.
Parabéns, Tássia!