Inteligência Artificial: Aliada e Ameaça na Crise Climática?

Não há dúvidas de que a inteligência artificial (IA) pode ser uma ferramenta poderosa para a ação climática.

Os benefícios de sua aplicação são sentidos em diferentes frentes – desde o aumento da precisão em sistemas de alerta precoce para eventos climáticos extremos até o acréscimo de eficiência em ferramentas de monitoramento florestal.

No entanto, é inegável que o avanço da inteligência artificial também traz desafios adicionais para os mesmos que ela ajuda a enfrentar – incluindo a emergência climática.

Recentemente, a coalizão Climate Action Against Disinformation publicou um relatório intitulado “As Ameaças da IA para as Mudanças Climáticas” e neste artigo, vamos abordar os dois principais pontos nele destacados:

1) O grande aumento no consumo de energia e água pelos sistemas de IA, como o ChatGPT; e

2) O potencial da IA em intensificar a desinformação.

O Custo (Não Tão) Oculto da IA

O ciclo de vida de um sistema de IA como os Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLMs) envolve várias etapas intensivas em energia, como:

  1. O desenvolvimento inicial de materiais, como chips de computador, que exigem grandes quantidades de recursos naturais e energéticos;
  2. O treinamento, quando a equipe desenvolvedora alimenta o modelo com dados para que ele possa “aprender”; e
  3. O uso prático, quando as pessoas começam a efetivamente utilizar o modelo.

Nesse sentido, já existem alguns estudos que nos ajudam a colocar todo esse consumo energético em perspectiva.

Uma pesquisa de novembro de 2023 realizada pela Hugging Face e pela Carnegie Mellon University aponta que gerar apenas uma imagem com um modelo robusto de IA consome tanta energia quanto uma carga completa de um smartphone.

Outro estudo de outubro de 2023 da Escola de Negócios VU Amsterdam concluiu que os servidores de IA poderiam estar consumindo tanta energia quanto a Suécia até 2027.

Já a Agência Internacional de Energia (IEA) prevê que, nos próximos dois anos, o consumo energético dos data centers que dão suporte ao desenvolvimento de IA dobrará, chegando a equiparar o consumo de energia do Japão.

E não é só o consumo energético que preocupa. Os data centers também requerem água para resfriar os sistemas de computação no local e para a geração de eletricidade. O treinamento de modelos de linguagem de grande escala, como o GPT-3, pode exigir milhões de litros de água doce.

Além disso, o avanço das aplicações de IA pode ajudar empresas a vender mais e aumentar a produção, o que provavelmente resultará em elevação no consumo de energia e recursos em diversas indústrias, mesmo que essa seja uma métrica difícil de quantificar.

A Desinformação na Era da Informação

Campanhas que propagam o negacionismo climático não são novidade, mas a IA generativa tem o potencial de torná-las muito mais fáceis, rápidas e baratas de produzir, além de permitir que elas se espalhem mais ampla e rapidamente.

Ao invés da redação de uma peça de conteúdo por vez, a IA permite gerar intermináveis artigos, fotos e até websites com apenas breves descrições.

O uso de ferramentas de IA como mecanismos de busca de informação também apresenta desafios relevantes. O modelo da OpenAi, por exemplo, não fornece referências na maioria das buscas e, por design, não contém as informações mais atualizadas, valendo-se ‘apenas’ do treinamento mais recente que recebeu.

Esses treinamentos podem ser realizados usando uma variedade de fontes da internet, algumas de veracidade duvidosa.

Adicionalmente, os chamados bots – programas automatizados que realizam tarefas como publicar mensagens ou interagir com usuários – estão cada vez mais presentes nas redes sociais. Quando operados por IA, esses bots podem amplificar a desinformação climática, dificultando inclusive a distinção entre interações automatizadas e humanas.

E a solução, qual seria?

A inteligência artificial veio para ficar e tem muito a contribuir para o endereçamento de desafios complexos, como a emergência climática.

Porém, o que o relatório da Climate Action Against Disinformation defende de maneira bem embasada é a necessidade de regulamentações em torno da IA para garantir seu desenvolvimento produtivo e seguro para a sociedade e meio ambiente.

Isso inclui advogar por maior:

  • Transparência: Reguladores devem garantir que as empresas reportem o consumo de energia e emissões produzidas durante todo o ciclo de vida dos modelos de IA, além de avaliar as implicações ambientais e de justiça social do desenvolvimento de suas tecnologias.
  • Segurança: As empresas desenvolvedoras devem demonstrar que seus produtos são seguros para pessoas e para o meio ambiente, e explicar como essa determinação é feita. Governos devem desenvolver padrões comuns sobre relatórios de segurança de IA e trabalhar com os órgãos intergovernamentais sobre mudanças climáticas para estabelecer uma supervisão global coordenada.
  • Responsabilidade: Governos devem delimitar regras de segurança e transparência com penalidades para não conformidade e exigir que os relatórios sejam certificados por instituições de credibilidade.

Enquanto a tecnologia continua avançando, é essencial que o desenvolvimento da inteligência artificial seja conduzido com um olhar crítico não apenas para suas potencialidades, mas também para os riscos que apresenta.

O relatório da Climate Action Against Disinformation foi um destaque na minha seleção semanal para a newsletter sobre tecnologias climáticas.

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