“Vozes de um Cerrado-chave”: poema em reverência à Floresta Estadual de Botucatu

Floresta Estadual de Botucatu (FEB). Crédito: Silvia Mitiko Nishida

Por Vinícius Nunes Alves

Botucatu, município de altitude relativamente elevada do interior paulista, é conhecida como cidade dos bons ares, mas já foram melhores. O nome Botucatu tem origem tupi-guarani, Ybitu: ares, ventos; Katu: bons, agradáveis. O município e sua região do entorno está em área de Cuesta, uma formação de planalto com uma encosta abrupta (front) e outra suave (reverso) (ver Atlas). Embaixo da cuesta, encontra-se parte importante do Aquífero Guarani, a segunda maior reserva subterrânea de água do mundo. Além disso, Botucatu abriga regiões de ecótono – encontro de biomas – no caso, Cerrado e Mata Altântica, que são considerados hotspots da biodiversidade.

Dados de monitoramento ambiental constataram que o Cerrado foi o bioma mais desmatado do Brasil no ano passado, diferente dos demais biomas em que a curva de desmatamento foi reduzida. Por isso, 2024 é considerado o ano de alerta vermelho para o Cerrado e um dos fragmentos do bioma em Botucatu que merece atenção especial é o Horto Florestal de Botucatu, criado por decreto em 1966 e que ficou sob gestão do Instituto Florestal do Estado de São Paulo por décadas. Nos últimos anos, principalmente após a concessão da administração da área para o poder público municipal em 2018, o fragmento é chamado de Floresta Estadual de Botucatu (FEB) e possui 38,8 hectares. Apesar do nome ter floresta, devido à mata de galeria presente, a maior parte da FEB é composta por fisionomias campestres (campo úmido ou limpo e campo sujo) e savânica (cerrado típico), além de uma parte de brejal. A FEB também abriga nascentes e o córrego Pinheirinho, um afluente do Rio Pardo que leva água até a represa Mandacaru, ainda responsável única por abastecer toda a população botucatuense, estimada em aproximadamente 150 mil habitantes.

Outra característica que torna a FEB especial é a sua localização ao lado da Escola Municipal de Ensino Integral (Emefi) Hernâni Donato de Ensino Fundamental I, no bairro Cedro. Para a escola, a FEB funciona como um enorme quintal didático a céu aberto, especialmente com a parceria do projeto de extensão universitária Passarinhando: educação ambiental e conservação da Unesp de Botucatu que realiza observação de aves e oficinas com as crianças desde 2019 (ver documentário). A FEB é um remanescente urbano de Cerrado que serve como refúgio da vida silvestre, abrigando inclusive espécies de herbáceas, aves e mamíferos ameaçadas de extinção. A riqueza de flora e fauna da FEB, bem como suas interações ecológicas, são potenciais objetos de estudo para pesquisadores da Unesp de Botucatu. Por meio do projeto Passarinhando, com recursos do programa “SBPC Vai à Escola” e da Pró-reitoria de extensão universitária, a FEB está atingindo um novo patamar. No ano passado, a FEB ganhou Trilha Ecológica, restauração natural, comedouro de aves, deck para Nascente Ibiaçá, ponte para o Córrego Pinheirinho, roda de conversa na Mata de Galeria e placa sinalizadora para cada um dos ambientes e suas espécies características. A FEB é uma área com diferentes potencialidades, como conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos, observação de aves, ecoturismo e educação ambiental. Apesar da sua importância, há anos a área passa por problemas, como deposição de lixo e incêndio criminoso, e medidas de proteção precisam ser discutidas em audiências públicas com representantes do poder público e da sociedade civil.

Prancha com as diferentes estações da Trilha Ecológica dentro da FEB. Crédito: Passarinhando – educação ambiental e conservação

Vozes de um Cerrado-chave

(reverência à Trilha Ecológica da Emefi Hernâni Donato e à Floresta Estadual de Botucatu)

Por Vinícius Nunes Alves

Revisão de Sílvia Aparecida Pereira

I
Um olhar, um contato
Interesses mútuos
Desabrochar projeto extensão
Passarinhando em quintal escolar
Vontades ultrapassam burocracias
e cocriam trilha
Educação Ambiental e Infância
Escola e Universidade
parcerias preciosas
em fermentação
 
II
Nascente Ibiaçá
Cerrado e Brejal
Mata Galeria e Córrego Pinheirinho
Rio Pardo e Represa Mandacaru
não é para qualquer lugar
Reconhecer e zelar
cidadania ativa difusa,
ver-te verdejar fisionomias
campos limpos e sujos
savana e floresta  
Fazer fronteira capital
com ganância-inconsequência
Aflorar nascentes
Preparar gerações
Limpar água doce diminuta
 
III
H2O viva
biodiversidade savânica
arriba! arriba!
sede, banho, cozinha
disponíveis
Floresta Estadual de Botucatu
distinta concessão
valorizar é dignidade
até roda pedagógica
menos fileiras indianas, bocas-nucas
mais percepções, leituras, partilhas
Ecologia cultivada, bichos humanos
fios na teia, sim
tecedores da teia, não
 
IV
Herbáceas em alerta
Aves, centenas
Mamíferos, dezenas
Cerrado, hotspot
fragmento-cidade
Espécies em ameaça de extinção?
papa-mosca, patativa-tropeira…
lobo-guará, tamanduá-bandeira…
Um infortúnio
permissivo Código
Mais restrição
só para Amazônia
causas legais
extrapolações práticas
 
V
Mais CO2?
bem-vindo ao bolo
não na atmosfera
Clima desordenado
ondas de calor
tempestades de horror
em sucessão defronte
morosidade e negacionismo
Desenvolvimento sustentável
boutique ou fato?
Variedades e arbitrariedades
não cabem mais
Nado contra a corrente
em utopia e teimosia
com educação de jovens
Da Cuesta ao Brasil, gigante de Natureza
Há de buscar mais união e coração civil
pelas causas valedouras

Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp, mestre em Ecologia e Conservação pela UFU, especialista em Jornalismo Científico pela Unicamp. Atua como professor de ciências e jornalista @viniciusnunesalves | Linktree

Sílvia Aparecida Pereira é letróloga pela Unifac, pedagoga pela Univesp e especialista em Neuropsicologia pela Zayn Educacional. Atua como professora de Língua Portuguesa, escritora e revisora, além de ser membro efetivo da Academia Botucatuense de Letras

4 Comentários

  1. Parabens Vinicius. Fascinante poder acompanhar sua evolução como professor e como pessoa! Continue sempre procurando campos profícuos de saberes!

  2. Querido Vinícius, nossa parceria recente (com o projeto de extensão da UNESP "Passarinhando: Educação Ambiental e Conservação") tem potencializado a preocupação em conservar o cerrado e sua biodiversidade aqui no nosso município. Como ex-professora não posso estar mais orgulhosa! E surpresa com seu lado poeta. Viva a articulação entre Ciência, a Educação e a Arte (como deve ser). Parabéns pelo poema!

  3. Vinícius
    Que trabalho bonito.
    Acompanho você, faz tempo.

    Na SOS Cuesta de Botucatu,
    na Secretaria do Meio Ambiente e agora como observador.
    Parabéns

  4. Incrível! A conservação da natureza começa na escala das áreas naturais mais próximas, na formação de um vínculo biofílico com os "quintais didáticos" que estiverem disponíveis. Belíssimo o projeto de extensão, o texto e também o poema.

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