Da poeira estelar à consciência: poesia em memória de Carl Sagan

Tony Korody (El País)

Por Vinícius Nunes Alves

A poesia pode potencializar e diversificar a divulgação científica. A divulgação da ciência para o público amplo pode galgar em expressividade e comunicação quando lança mão de linguagem poética, defende Carlos Alberto Vogt – importante linguista, poeta, docente da Unicamp que coordenou o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e realizou pesquisas acerca da percepção pública da ciência por muitos anos.

É impensável olhar para trás na divulgação científica sem lembrar da persona de Carl Edward Sagan (1934-1996) que também tinha seus momentos poéticos. Sagan foi um cientista norte-americano, astrofísico, astrobiólogo, escritor e divulgador científico. Ele realizou significativas contribuições como cientista para literatura e comunidade científica, como divulgador científico na série televisiva original de Cosmos, como astrônomo em programas espaciais da NASA, como escritor e comunicador da mentalidade científica em seus livros e, provavelmente, como professor para seus estudantes universitários afortunados, principalmente na Universidade Cornell, onde ele atravessou a maior parte da sua carreira profissional.

O meio ambiente não deixava de ser pauta prioritária para Sagan que foi uma das primeiras pessoas a investigar o efeito estufa antropogênico em escala planetária. Com seu pé na astrobiologia, Sagan procurou ir além do meio ambiente da Terra, alcunhada por ele como pálido ponto azul, pois também se dedicou em caracterizar as condições ambientais de outros planetas e em debater a possibilidade de vida extraterrestre inteligente. Como ícone da divulgação científica, Sagan é uma referência para muitas gerações até hoje, incluindo canais de Youtube, podcasts e veículos de mídia escrita na área de ciência e tecnologia.

Sem mais delongas, a poesia em prosa a seguir presta uma homenagem póstuma a Carl Sagan. Não é para esperar de uma poesia que haja explicação das menções, associações e interpretações contidas nos versos. Alguns devem abstrair e rememorar tudo o que está na poesia e talvez até sintam falta de alguma informação relevante, enquanto outros podem ter alguma dificuldade de entender por não conhecerem o homenageado. Se a poesia servir de ponto de partida para os leitores começarem a se interessar mais por Carl Sagan e seu legado, já estará a contento. Desfrutem.

Da poeira estelar à consciência

(em memória de Carl Sagan – cientista, astrônomo, divulgador científico e escritor)

Por Vinícius Nunes Alves

Revisão de estrutura: Sílvia Aparecida Pereira

I
Não podemos
cometer simplismos
sobre quem admiramos,
Carl Sagan ainda vive
entre os vivos.
É referência de muitos
de produtores a divulgadores da Ciência.
Há quase 3 décadas
daqui jaz seu corpo
mas as ideias perpetuam
por gerações
como mimemes.

II
Não é cientista com frieza,
é cientista com espiritualidade
em sentido etimológico.
Sagan conclama:
“Ciência
é mais do que corpo de conhecimentos,
é maneira de pensar”
Livros – dezenas,
artigos – centenas
série inaugural – Cosmos
palestras infanto-juvenis
do século XX ao XXI
tudo lembrado e refletido.

III
Humanista, sim
Pela caixa de saberes
e valores selecionados
Pela forma que expressava
suas ideias.
Explicações viajam no tempo
com didatismo e encanto.
Pelos olhares humanitários
contra armas nucleares e guerras
de qualquer chauvinismo ou espécie.
Pelos olhares direcionados
jovens de todas classes sociais
aluno preto destituído
não de sonho
mão estendida
Neil brilha.
Tocha Educação
em transmissão.

IV
Criança
de ascendência judia
dificuldades financeiras
mas com estímulos acurados.
Da mãe e do pai,
sem diplomas universitários,
aprendeu a curiosidade e o ceticismo.
Com alguns professores,
verdadeiros mestres,
teceu aprendizados interdisciplinares
conhecimento e pensamento
se edificaram e circularam.
Expressão sem confusão
nem charlatanismo
Guia astrológico?
Dragão de garagem?
Sem vez.

V
Uma mentalidade
tão científica
quanto sensível.
Valorizava e questionava
simplicidade-complexidade
da vida ser como ela é.
Defendia as evidências
sem precipitação
esperadas ou não
agradáveis ou perturbadoras.
Tudo formação de caráter,
não é para qualquer um.

VI
Sonhou como menino
Formou-se adulto
foi deslumbrar.
Descobriu gases estufa
em atmosfera primordial
Coordenou missões espaciais
mais descrições, sistema solar
busca, inteligência extraterrestre
Desvendou
sazonalidade em Marte
lagos de metano em Titan.
Buscou aproximar pessoas
para a Ciência e Tecnologia
Evolução e Lógica
em TV global.

VII
Ponderou como o bicho humano
pode tanto encantar
quanto assombrar
com suas escolhas e poiesis
Sapiência arbitrária?
Imediatismo e poder
ou sensatez e sobrevivência?
Em suas narrativas,
hipocrisia, negacionismo
e falácia não floresciam.

VIII
A contribuição de magnitude rara
e doença igualmente rara
marcaram a história do ícone
da comunicação científica
Deixou o corpo,
cuja constituição
é atômica estelar,
como dizia.
Foi embora cedo
mas sem autopiedade
em plena união e amor
pela esposa e filhos.
Perdura, todavia
sua saudosa persona
com toque de Midas
em diversas obras.

IX
Sua presença de espírito
Sua astronomia simplificada e humilde
Sua cadência intelectual
ainda vivificam e influenciam
no pálido ponto azul.
Vida só aqui?
sensata dúvida
espaço desperdiçado.
Sonda Pioneer 10
cultura humana manifesta
Algum Contact? Cri... cri...
Avante!
Ainda “somos uma maneira do Cosmos
conhecer a si mesmo”
Ou não?

Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp, mestre em Ecologia e Conservação pela UFU, especialista em Jornalismo Científico pela Unicamp. Foi professor substituto no Departamento de Ciências Humanas do IBB-Unesp, é colunista do jornal Notícias Botucatu e membro do Natureza Crítica – Blogs de Ciência da Unicamp. Atua como professor de Ciências na Prefeitura de Botucatu-SP e como jornalista independente.

Sílvia Aparecida Pereira é letróloga pela Unifac, pedagoga pela Univesp e especialista em Neuropsicologia pela Zayn Educacional. Atua como professora de língua portuguesa, escritora e revisora, além de ser membro efetivo da Academia Botucatuense de Letras.

8 Comentários

    • Olá, ex-professora e agora amiga de trabalho. Fico feliz pelo efeito que essa minha admiração e postagem tem sobre você. Muito obrigado por separar um tempo para ler e dar um retorno. Comentário conciso com valores preciosos!

  1. Encantado com o texto! É admirável e honroso a maneira como homenageou Sagan, Vinicius. Parabéns! Continuemos nesta imensidão de poeira estelar com a eternidade das ações e palavras de um grande cientista.

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