No último domingo, o Brasil foi às urnas em meio a uma grave crise ambiental, marcada por queimadas e secas recordes. O impacto das mudanças climáticas nas cidades brasileiras é evidente, com tragédias recorrentes, como enchentes e ondas de calor, afetando milhares de pessoas. No entanto, apesar da gravidade da situação, o tema passou praticamente despercebido nas campanhas eleitorais municipais. Uma análise realizada pelo Greenpeace Brasil e o Instituto Clima de Eleição revelou que, nas principais capitais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, os candidatos à prefeitura não priorizaram questões climáticas em suas propostas (Greenpeace Brasil, 2024).
A ausência de discussões profundas sobre o clima em um momento de crise reflete uma desconexão entre a realidade ambiental e as prioridades políticas. No entanto, algumas iniciativas buscaram destacar a importância do tema. A plataforma suprapartidária Vote pelo Clima, desenvolvida por organizações como o Observatório do Clima, WWF e Greenpeace, exigiu que candidatos subscrevessem seus compromissos com políticas de transição energética, proteção ambiental e adaptação das cidades (WWF Brasil, 2024). Esses compromissos, assinados por mais de mil candidaturas, buscaram assegurar que a questão climática fosse parte central do planejamento urbano.
A criação da Bancada do Clima, com mais de 240 candidatos de diferentes partidos e regiões, é outro exemplo de como o tema começou a ganhar espaço em algumas esferas políticas. Formada inicialmente por vereadores, a bancada assume compromissos como o desenvolvimento de cidades mais verdes e a criação de planos municipais para decretos de emergência climática (Instituto Clima, 2024). Tais iniciativas são fundamentais para pressionar governos locais a implementarem políticas que tornem as cidades mais resilientes às mudanças climáticas.
No entanto, a ausência do debate climático na maioria das campanhas deste pleito foi preocupante. Os prefeitos e vereadores têm um papel crucial no enfrentamento da crise climática, já que políticas locais, como mobilidade urbana e planejamento habitacional, influenciam diretamente o consumo de energia e a emissão de poluentes. Além disso, os municípios precisam estar preparados para enfrentar eventos climáticos extremos, com planos de prevenção e reação a crises, como as enchentes que devastaram Porto Alegre e outras cidades do Rio Grande do Sul em 2024 (Associação Brasileira de Municípios, 2024).
Em um contexto onde os desastres naturais se tornaram parte da realidade cotidiana, a sociedade civil precisa pressionar por ações concretas. Organizações como a Associação Brasileira de Municípios (ABM) ressaltam a importância de planos de longo prazo para enfrentar os desafios climáticos, com foco na construção de moradias seguras e no fortalecimento da defesa civil. Além disso, é fundamental que os governos federal e estadual colaborem para fornecer financiamento e treinamento técnico às prefeituras, permitindo que implementem ações eficazes de mitigação e adaptação.
O caminho para uma solução efetiva exige a coordenação entre todas as esferas de governo e a participação ativa da sociedade. As eleições municipais de 2024 poderiam ter sido uma oportunidade de ouro para pautar o futuro ambiental do Brasil, mas, na maior parte do país, essa chance foi desperdiçada. É crucial que as gestões eleitas neste domingo coloquem a questão climática no centro de suas políticas, garantindo cidades ambientalmente saudáveis e mais conviviais.
Referências
GREENPEACE BRASIL. Relatório sobre o impacto das campanhas eleitorais e a agenda climática. 2024. Disponível em: https://www.greenpeace.org.br/relatorio-campanhas-eleitorais-2024. Acesso em: 7 out. 2024.
WWF BRASIL. Vote pelo Clima: Compromissos ambientais nas eleições municipais. 2024. Disponível em: https://www.wwf.org.br/vote-pelo-clima-2024. Acesso em: 7 out. 2024.
INSTITUTO CLIMA. A Bancada do Clima e a emergência da pauta ambiental nas eleições. 2024. Disponível em: https://www.institutoclima.org.br/bancada-do-clima-2024. Acesso em: 7 out. 2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUNICÍPIOS. A importância das cidades no combate à crise climática. 2024. Disponível em: https://www.abm.org.br/importancia-cidades-crise-climatica-2024. Acesso em: 7 out. 2024.
_____________________________________________________________________________
Jaqueline Nichi é jornalista e cientista social, pesquisadora de pós-doutorado no Programa USP Cidades Globais (IEA/USP) e doutora em Ambiente e Sociedade pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas, adaptação e planejamento urbano e governança climática multinível.
Parabéns pelo texto, Jaque. Chocado aqui que a maioria das pessoas de Porto Alegre prefere manter o atual prefeito, que deixou a cidade debaixo d'água, do que votar no PT.