Por Ariadne Magalhães Carneiro, Fabrício de Toledo, Felipe Gustavo Camolezi Filho, Ricardo Greggo e Vinícius Nunes Alves
No dia 26 de novembro foi realizado o I Webinar “Incêndios Florestais: um debate emergente” (gravação completa disponível no link do YouTube), realizado pela Fundação de Estudos e Pesquisas Agrícolas e Florestais (Fepaf), sediada na Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp). A primeira palestrante foi a Prof. Dra. Renata Cristina Batista Fonseca, atual vice-diretora da FCA da Unesp de Botucatu. Ela tem formação em engenharia florestal, mestrado em ciências florestais pela Esalq USP, doutorado em ecologia pela USP São Paulo e é coordenadora do Laboratório de Conservação da Natureza (LCN) do Departamento de Ciência Florestal, Solos e Ambiente da FCA. Com ênfase em ecologia e conservação da diversidade biológica, Renata atua principalmente em manejo, conservação e monitoramento de fauna silvestre. A sua palestra foi intitulada “Incêndios na Cuesta de Botucatu, prevenções, impactos e medidas de recuperação da biodiversidade” e seus principais pontos estão destacados nesta matéria.
Impactos dos incêndios
O contexto da apresentação da professora Renata foi sobre os grandes incêndios ocorridos em setembro e outubro que prejudicaram grandes áreas da Fazenda Edgárdia que ocupa parte da Cuesta de Botucatu-SP e região, e é pertencente à Unesp. O local está inserido em uma Área de Proteção Ambiental por conta da grande biodiversidade presente que abriga espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção. A fazenda tem 1,2 mil hectares e foi afetada pelas chamas que começaram em uma área pequena, mas se espalharam rapidamente devido ao vento e ao tempo seco. A equipe do LCN foi essencial na contenção e monitoramento dos focos de incêndio, na documentação das áreas que foram degradadas e nos esforços para resgatar a fauna silvestre afetada, contando com uma equipe diversificada composta de alunos de graduação, pós-graduação e voluntários vizinhos das áreas atingidas.
A região do município de Botucatu está inserida na Área de Preservação Ambiental APA Cuesta Guarani, que abrange 10 municípios em uma área de aproximadamente 216 mil hectares. Além de situar a APA, a professora Renata discorreu sobre a formação geomorfológica das cuestas basálticas, característica marcante da região de Botucatu e a vegetação de ecótono por abrigar a transição entre o bioma Mata Atlântica, representado pela Floresta Estacional Semidecidual, e o bioma Cerrado com fitofisionomias campestres e savânicas, um conjunto que favorece essa região de Botucatu a ter uma biodiversidade abundante.
Mais adiante na palestra, a professora explicou detalhadamente sobre o local atingido pelos incêndios: ”A crista da cuesta é justamente aquela linha de ruptura do relevo. É nessa região onde nós temos aqui a Fazenda Edgárdia, a Fazenda Lageado e o Vale do Araquá, e são essas regiões que foram fortemente atingidas pelos incêndios”. Para dimensionar o impacto e o trabalho coordenado de seu laboratório, Renata comentou que “no dia 23 de setembro começou o incêndio, bem no final da estação seca, mas como a chuva não vinha, a gente ficou praticamente um mês lidando com as questões de monitoramento e rescaldo das áreas. As Fazendas Lageado e Edgárdia tiveram 340 hectares de área atingida pelo fogo apenas considerando a área da própria Unesp, mas foram mais 695 hectares atingidos por esses incêndios”.
Até mesmo a Mata do Bixiguento da Fazenda Edgárdia, uma região que tem um vale e é mais úmida, foi atingida pelos incêndios. Os novos focos foram surgindo em razão do próprio relevo de serra, pois o material foi transportado pelo vento, os troncos acabaram rolando e outras regiões acabaram sendo atingidas. “Além dessa região, temos do lado direito do rio Lavapés, a área de preservação permanente (APP) com a fazenda Lageado, e do lado esquerdo, temos as propriedades particulares dos vizinhos que também foram atingidas por esses incêndios. As proporções do incêndio foram sem precedentes até o momento na história da região”, acrescentou a pesquisadora Renata. Os incêndios atingiram plantas dos dois biomas, vertebrados como aves, mamíferos e répteis, áreas de pesquisa da Unesp e áreas vizinhas de produção agropecuária.
Força tarefa em andamento
Além da equipe do Laboratório de Conservação da Natureza e da brigada de voluntários e vizinhos, a ação contou com bombeiros, defesa civil, brigada de profissionais, empresas florestais, Ong Cuesta Viva, usina de cana de açúcar e álcool de São Manuel e outros parceiros. Uma das frentes de trabalho foi relacionada ao resgate e atendimento dos animais feridos nos incêndios em parceria com o Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens (CEMPAS) e o Hospital Veterinário da Unesp de Botucatu.
A partir do monitoramento dos inventários das fazendas, será calculada a perda de biodiversidade que houve no local, algo que no momento ainda não é possível dizer. Por isso que outra frente de trabalho é gerar os inventários sobre o monitoramento da flora após os incêndios. “É possível pegar as informações de tudo aquilo que tinha e levantar o que nós temos hoje, mas principalmente para a gente entender um pouco de como serão as nossas estratégias de restauração daqui para frente, considerando também que na vegetação há espécies exóticas invasoras competindo com as espécies nativas”, ponderou a professora.
Com relação à fauna silvestre, tema bastante trabalhado pela equipe de laboratório da Renata Fonseca, como o incêndio ocorreu em um período de reprodução das aves, foram avistadas muitas aves desorientadas porque ao mesmo tempo que os animais queriam sair da área, eles tinham os ninhos e filhotes junto com toda a fumaça. Mudanças em outros grupos da fauna também foram observadas: ”mamíferos de médio e grande porte se deslocaram bastante para outras áreas da fazenda que não foram atingidas, mas os animais de pequeno porte que não têm a mesma capacidade de migração, como marsupiais e filhotes, foram feridos ou mortos pelo fogo”, comentou. O monitoramento desses grupos e outros mais sensíveis, como répteis e anfíbios, também vem sendo realizado in loco.
Outra frente de trabalho destacada na palestra a ser aprimorada é a comunicação e educação ambiental envolvendo comunidade local, o que inclui a sensibilização da população em relação à intensificação dos incêndios com as mudanças climáticas. “A gente precisa realmente rever as nossas estratégias de comunicação e de educação, mas também de fiscalização e punição”, destacou a pesquisadora. Em situações agravantes como incêndios locais em larga escala, há oportunidade da comunicação ser melhorada entre a universidade e a vizinhança, no sentido de conhecer melhor os vizinhos e ver como os incêndios impactaram essas áreas. A partir da extensão rural, os responsáveis pelas fazendas experimentais e os profissionais da universidade que atuam nessas fazendas podem se aproximar dos proprietários rurais para a recuperação da área.
As articulações interinstitucionais também são necessárias, como este evento de debate com especialistas e o projeto Restaura Cuesta que atuará não só nas áreas atingidas da Unesp, mas também nas áreas do entorno. A professora Renata explicou que “esse projeto busca angariar recursos e traçar estratégias com outras instituições, enquanto o grupo de pesquisadores da Unesp foca no levantamento e monitoramento da fauna afetada e nas estratégias de recuperação, a Fundação Florestal pode contribuir com estratégias de prevenção e combate a incêndios florestais na região da Cuesta”.
Ariadne Magalhães Carneiro é bacharel em Biotecnologia pela Unifal, mestre e doutora em Biotecnologia pela Unesp. Trabalha nos projetos de extensão universitária Projeto Trilha e Clube da Mata, da Unesp de Botucatu, voltados à educação ambiental.
Fabrício de Toledo é graduando em Engenharia Florestal pela Unesp, presidente da empresa júnior Conflor Jr. e participa das atividades do laboratório de Restauração e Silvicultura Tropical (RESTROP).
Felipe Gustavo Camolezi Filho é graduando em Engenharia Florestal pela Unesp – FCA, Integrante do grupo PET – Florestal e participante de pesquisas sobre Detecção e Varredura por Luz (LiDAR).
Ricardo Greggo é comunicador social, fotógrafo de biomas, ativista ambiental e atual presidente da ONG Cuesta Viva.
Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp, mestre em Ecologia e Conservação pela UFU, especialista em Jornalismo Científico pela Unicamp. Foi professor substituto no Departamento de Ciências Humanas do IBB-Unesp, é colunista do jornal Notícias Botucatu, atua como professor de Ciências na Prefeitura de Botucatu-SP e como jornalista independente.
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