Quando a verdade dói
Nada mais incômodo sabermos de algo que nos incomoda profundamente. Uma crítica bem feita, ainda que de maneira agressiva, mas que no fundo é verdade, dói. Tomarmos consciência de nossas limitações, sejam estas quais forem, costuma doer. Receber uma má notícia de um médico competente, dói muito. Muito mesmo. A verdade muitas vezes dói. Mas é uma dor que nos leva a crescer e amadurecer. Profissionalmente, ou em termos pessoais. Reconhecer a dor da verdade e aceitar os fatos constitui um dos processos mais importantes para nossa formação.
Porém, muitas vezes preferimos esconder, e fazer de conta que a verdade não está presente.
Fatos recentes ilustram como aceitar a verdade dos fatos pode ser difícil. O apagão do dia 11/11/2009 ilustra bem este caso. Logo após o evento, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, manifestou-se dizendo que a causa seriam raios perto da região de Itabera. Argumento confirmado pela ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Todavia, pouco tempo depois engenheiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) afirmaram que
“Embora houvesse uma tempestade na região próxima a Itabera, no sul de São Paulo, com atividade de descargas no horário do apagão, as descargas mais próximas do sistema elétrico estavam a cerca de 30 km da subestação de Itabera e a cerca de 10 km de uma das quatro linhas de Furnas de 750 kV e cerca de 2 km de uma das outra linhas de 600 kV, que saem de Itaipu em direção a São Paulo. Além disso, a baixa intensidade da descarga registrada [menor que 20 kA] não seria capaz de produzir um desligamento da linha, mesmo que incidisse diretamente sobre ela, como também confirma a Rede Brasileira de Detecção de Descargas, que estava no momento do apagão operando com ótimo desempenho. Em geral, apenas descargas com intensidade superiores a 100 kA, atingindo diretamente uma linha, podem causar um desligamento de linhas de transmissão operando com tensões tão elevadas como as linhas de Itaipu [duas de 600 kV e duas de 750 kV].”
As declarações do INPE causaram profundo desconforto no governo. No dia seguinte o ministro das Minas e Energia desqualificou as declarações do INPE que, no entanto, deu suporte às declarações do engenheiro apresentadas no Jornal Nacional. Afinal, quem falou a verdade? Embora as reais causas do apagão ainda não tenham sido estabelecidas, ficou evidente que o governo não gostou do ocorrido, e tentou minimizar o fato. Porém, o importante não é esconder o problema, e sim conhecê-lo. Como disse o técnico do INPE, se o sistema de distribuição de energia elétrica fosse suscetível a raios de tão pequena intensidade, sua fragilidade estaria atestada. No mesmo dia o presidente Lula declarou que seria necessário se investigar a real causa do problema. As declarações apressadas para justificar o injustificável apenas pioraram o quadro geral que se formou depois do blecaute. Melhor é esperar para se conhecer as reais causas do ocorrido, para que estas possam ser posteriormente evitadas.
Anterior ao blecaute brasileiro foram as declarações de David Nutt, professor do Imperial College London e [ex-]presidente do comitê assessor do governo britânico sobre abuso de drogas, que causaram polêmica: o consumo de álcool e tabaco seria pior para a saúde do que o consumo de maconha, LSD e ecstasy. Nutt foi recentemente demitido de suas funções, fato que gerou protestos veementes da comunidade científica inglesa, que considera o ato do governo como sendo de extrema arbitrariedade. O governo inglês questionou a capacidade científica e profissional de Nutt. Porém, o que Nutt ganhou apresentando os fatos sobre o uso de drogas? E o que será que o governo inglês perderia caso aceitasse os fatos apresentados por Nutt?
É, muitas vezes a verdade dói.