Vitamina C e células tronco

Vitamina C. Quem nunca ouviu falar verdadeiras maravilhas sobre ela? Desde o tempo dos descobrimentos, em que o escorbuto se prevenia somente nos navios que transportavam frutas cítricas. Escorbuto é a doença que surge em decorrência da carência de vitamina C. Muito mais tarde, Linus Pauling lançou uma grande propaganda sobre a vitamina C, dizendo que deveria ser consumida em grandes quantidades. Embora Linus Pauling tenha sido desmentido por nutricionistas, que afirmam que o excesso de vitamina C é eliminado pela urina, e pode causar stress renal, as fotos do fim da vida de Pauling ao lado de sua esposa são impressionantes. Pauling faleceu aos 93, de câncer.

A vitamina C é um potente antioxidante e atua na reparação de tecidos danificados, eventualmente como agente anti-envelhecimento. Parece que tal atributo tem seus fundamentos. Artigo publicado no número de dezembro (2009) da revista Cell Stem Cell apresenta resultados de que vitamina C favorece a conversão de células adultas em células tronco.

Células adultas podem ser “reprogramadas” em células com características similares às das células tronco embrionárias, sendo então denominadas células tronco pluripotentes induzidas (iPSCs). Todavia, seu potencial terapêutico é limitado.

Pesquisas realizadas pelo grupo coordenado pelo Dr. Duanqing Pei, do South China Institute for Stem Cell Biology and Regenerative Medicine do Guangzhou Institutes of Biomedicine and Health, da Academia Chinesa de Ciências, objetivaram medir a produção de radicais livres de oxigênio durante a reprogramação de células adultas em células tronco. Assim, testaram antioxidantes para que estes pudessem, de alguma maneira, controlar a produção de radicais livres durante este processo. Os pesquisadores verificaram que vitamina C aumentou a geração de iPSCs. Na presença de vitamina C, as células adultas tiveram sua mudança de expressão genética acelerada, bem como sua “reprogramação” para células tronco. Surpreendentemente, os pesquisadores não observaram os mesmos efeitos com outros antioxidantes. Somente a vitamina C apresentou retardamento do processo de envelhecimento celular.

Caraca! Linus Pauling iria certamente gostar desta história. Gostaria de saber a opinião da profa. Mayana Zatz sobre este trabalho. De qualquer maneira, sou fã de limonada.

A referência completa do trabalho publicado é: M. A. Esteban, T. Wang, B. Qin, J. Yang, D. Qin, J. Cai, W. Li, Z. W., J. Chen, S. Ni, K. Chen, Y.n Li, X. Liu, J. Xu, S. Zhang, F. Li, W. He, K. Labuda, Y. Song, A. Peterbauer, S. Wolbank, H. Redl, M. Zhong, D. Cai, L. Zeng and D. Pei, Vitamin C Enhances the Generation of Mouse and Human Induced Pluripotent Stem Cells, Cell Stem Cell, 24 December 2009, doi:10.1016/j.stem.2009.12.001.

Enciclopédia Genômica das Bactérias e Archea

Dá para imaginar um grupo de organismos mais diversificado do que os insetos? São cerca de 800.000 espécies. E de plantas? Cerca de 350.000. E de microrganismos?

A estimativa é que existam 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 espécies de microrganismos. Se este número for verdadeiro, muito, mas muito menos de 1% são conhecidas e caracterizadas. E destas, uma pequena fração é de uma enorme importância histórica, econômica, social e científica. Histórica, sim, pois a descoberta da penicilina influenciou fortemente o desenrolar da II Guerra Mundial e o desenvolvimento dos antibióticos nos anos seguintes. Econômica, pois muitos produtos e processos são atualmente decorrentes da utilização de inúmeras linhagens microbianas: na produção de vitaminas, enzimas, aromas, antioxidantes, medicamentos, álcool combustível. Social, consequentemente. Científica, pois, desde que Antonie van Leeuwenhoek observou pela primeira vez estes seres microscópicos, estes nunca tiveram sua importância diminuída. Pelo contrário. Análises de DNA atuais só se tornaram possíveis com o advento da técnica de PCR, polymerase chain reaction, que possibilita a amplificação do DNA em quantidades apreciáveis para sua análise. A técnica de PCR só foi possível de ser utilizada graças ao isolamento da enzima que possibilita tais análises a partir da bactéria Thermus aquaticus.

Um projeto extremamente ambicioso pretende descrever as espécies de microrganismos do planeta Terra. Coordenado pelo Department of Energy Joint Genome Institute (DOE JGI), o projeto objetiva a elaboração da Enciclopédia Genômica das Bactérias e Archea [Genomic Encyclopedia of Bacteria and Archaea (GEBA)]. Os primeiro 56 genomas deste projeto foram publicados na revista Nature em seu número de 24 de dezembro. Um belo presente de natal para a ciência.

Segundo o diretor do DOE JGI, Eddy Rubin, “Os microrganismos participam em praticamente todos os processos biológicos do planeta. Sua descrição genômica revolucionou o conhecimento científico que hoje dispomos destes seres microscópicos. A informação obtida a partir do genoma destas 56 primeiras espécies analisadas forneceu uma enorme variedade de novas enzimas e rotas bioquímicas, que podem ser extremamente úteis para a humanidade, na produção de biocombustíveis, biorremediação e como o CO2 é ‘capturado’ da atmosfera, por exemplo.”

Até hoje, apenas as linhagens microbiológicas chamadas de “culturáveis” (por crescer em meios de cultura artificiais) puderam ser bem caracterizadas e exploradas. A intenção dos pesquisadores do DOE JGI é, literalmente, descrever a ‘matéria negra’ microbiológica do planeta Terra. Com isso, conhecer também como estes microrganismos interagem entre si e com outras espécies biológicas. Até hoje as descrições genômicas de microrganismos focalizaram o estudo de linhagens economicamente importantes. A intenção do projeto da GEBA é ampliar significativamente a “árvore filogenética” dos microrganismos, buscando aqueles pouco conhecidos e ainda totalmente desconhecidos. Como conseqüência, espera-se que o conhecimento adquirido como fruto deste projeto possa esclarecer a diversidade genética dos microrganismos, demonstrar como os microrganismos adquirem e/ou exercem novas funções no ambiente em que se encontram, entender como funcionam as comunidades microbiológicas e a sua complexidade. A obtenção de produtos microbianos na forma de sequências genéticas específicas, enzimas e metabólitos deve ser uma decorrência natural do desenvolvimento deste projeto.

Por exemplo, dois pesquisadores do DOE JGI, Natalia Ivanova e Athanasios Lykidis, descobriram novas celulases, enzimas que degradam celulose em seus componentes – diferentes tipos de açúcares – que podem ser utilizadas na produção de biocombustíveis.

O projeto GEBA está sendo desenvolvido conjuntamente por pesquisadores do DOE JGI e da DSMZ (Deutsche Sammlung von Mikroorganismen und Zellkulturen, ou Coleção de Microrganismos e de Culturas Celulares da Alemanha). As linhagens seqüenciadas estarão disponíveis para serem posteriormente utilizadas. As sequências genômicas já descritas no âmbito do projeto GEBA estão disponíveis na página da revista Journal Standards in Genomic Sciences (SIGS), que é de acesso aberto. A lista completa dos projetos piloto do GEBA pode ser encontrada na página http://www.jgi.doe.gov/sequencing/GEBAseqplans.html

Bactérias halofílicas de 30.000 anos

A sobrevivência de microrganismos em ambientes extremos constitui uma característica incomum de bactérias e de outros tipos de seres microscópicos, muitas vezes denominados de micróbios.

Abre parêntese: “micróbio” é uma designação bastante antiga, até mesmo “out-of-date”, de microrganismos como bactérias, fungos, cianobactérias, além de inúmeros outros organismos que só podem ser observados em microscópios. O termo micróbio deveria ser definitivamente abandonado, pois tem um significado muito geral, que não quer dizer nada. É muito melhor que se especifique a qual tipo de microrganismo se refere: se bactéria, fungo, ou outro qualquer. Fecha parêntese.

Fato é que um tipo particular de bactérias é o das halófilas, ou halofílicas, bactérias que se desenvolvem em ambientes com alta concentração de sais, particularmente cloreto de sódio (NaCl). Vem daí o seu nome, uma vez que cloro é um halogênio (halo: de halogênio; filo: afinidade). A presença de bactérias halófilas já foi detectada em sedimentos ricos em sais, datados de mais de 250 milhões de anos. Porém, a viabilidade celular de tais bactérias tem sido continuamente criticada (ou seja, se estas bactérias ainda permaneceram vivas depois de todo este tempo), levantando-se a hipótese de que uma manipulação menos cuidadosa teria levado à contaminação destas amostras com bactérias “atuais” e vivas.

Em estudo publicado neste ano na revista Geology, pesquisadores da State University of New York conseguiram isolar e cultivar bactérias que estavam até então “dormentes”, na forma de esporos, de minerais ricos em sais datados de entre 22.000 a 34.000 anos. Junto com tais bactérias os pesquisadores encontraram fragmentos de algas do gênero Dunaliella. O tamanho das células das bactérias encontradas, muito menor do que o tamanho “normal” das células de bactérias comuns, indica que as bactérias que permaneceram todo este tempo em contato com altas concentrações de sais entraram em estado de desnutrição extrema (starvation), podendo manter-se unicamente por se aproveitar da matéria orgânica fornecida pelas algas com as quais permaneceram em contato. As bactérias isoladas mostraram ser do grupo das Archea, um dos grupos mais primitivos de microrganismos, e foram classificadas como pertencentes aos gêneros Halorubrum, Natronomonas e Haloterrigena. Em seu trabalho os autores tomaram cuidados extremos para evitar qualquer tipo de contaminação com bactérias atuais, e comprometer suas análises.

Microfotografias em branco e preto, e em cores, de células de Dunaliella em fissuras com fluidos em cristais salinos. A: células de Dunaliella (flechas brancas) e células de procariontes (flechas pretas) obtidas em sedimentos de 17,8 metros da superfície (e com cerca de 34.000 anos); B: carotenos cristalinos incrustantes e saindo de células de Dunaliella (14,5 me da superfície, antigas de 26.000 anos), F.I.: limite da inclusão fluídica produzida por Dunaliella; C: células de Dunaliella de 17,8 metros de profundidade (34.000 anos), algumas com carotenos incrustados.

O estudo começou com a coleta de amostras de sedimentos de 90 m de profundidade, na região do Vale da Morte na Califórnia (EUA), contendo altas concentrações de sais. Foram obtidos cristais com orifícios muito pequenos, alguns com menos de 1 micrometro de abertura. Fluidos coletados destes orifícios apresentaram células de vários procariontes (microrganismos desprovidos de membranas dentro de suas células, ou seja, membranas que delimitam o núcleo celular, por exemplo, como é o caso de bactérias). Além disso, os pesquisadores verificaram que tais microrganismos são abundantes nos fluidos de cristais de sais da região em que foram coletados.

Para se ter uma idéia da concentração da solução de sais utilizada pelos pesquisadores para o crescimento das bactérias isoladas, de até 4,3 moles de sal/litro, a concentração de NaCl em uma solução fisiológica (utilizada para colírios, nariz e tratamento de diarréia em crianças, p. ex.) é de 0,15 moles/litro. Não é qualquer tipo de bactéria que cresce em um meio de crescimento contendo uma concentração de sais tão alta. Somente bactérias muito bem adaptadas a um meio tão salino crescem nestas condições. Esta concentração de sais também evita a contaminação por bactérias “atuais”. Os autores processaram 881 cristais coletados em sedimentos do Vale da Morte, e conseguiram isolar bactérias a partir de 5 destas amostras. As bactérias isoladas demoraram 3 meses para “aparecer” nas placas de Petri (onde as bactérias são isoladas em laboratório). Uma vez que conseguiram isolar as bactérias, os pesquisadores analisaram uma parte do seu RNA ribossômico, chamada de 16S. Esta região do RNA ribossômico é muito utilizada para a classificação de bactérias. Estas análises forneceram informações sobre a classificação das bactérias isoladas, como partencentes ao grupo das Archea halofílicas.

Os autores também encontraram nos mesmos cristais salinos fragmentos de algas do gênero Dunaliella, que são conhecidas por produzir glicerol para manter o equilíbrio osmótico destas algas no ambiente salino em que se encontram. Este mesmo glicerol pode servir de fonte de carbono a organismos procariontes que vivem associados a estas algas. De fato, os pesquisadores observaram que as bactérias halofílicas isoladas dos cristais coletados são capazes de crescer em placas contendo unicamente glicerol como nutriente. Além disso, também verificaram que as algas Dunaliella presentes nos cristais secretam material intracelular para o interior das fissuras dos cristais quando se encontram na presença das bactérias. O fluido secretado pelas algas pôde ser visualizado sob condições naturais, pois contém carotenos, que são substâncias coloridas, visíveis até mesmo a olho nú, que cristalizam quando em contato com os cristais salinos. Segundo os autores, a quantidade de glicerol liberada no fluido de uma única célula de Dunaliella é capaz de ser utilizada por uma única célula de procarionte para manter seu DNA em boas condições durante 12 milhões de anos.

Os autores concluiram seu trabalho afirmando que fissuras em cristais salinos contendo fluidos com material orgânico constituem microambientes ideais para a longa sobrevivência de microrganismos halofílicos. Isso porque a constituição salina destes cristais diminui a probabilidade de ocorrência de danos no DNA dos microrganismos ali presentes. Também verificaram que tais microrganismos não entram em “estado de dormência”, mas sim em miniaturização, de maneira a diminuir ao máximo suas necessidades metabólicas, para o qual somente glicerol produzido por algas basta para a sua sobrevivência por longos períodos de tempo.

A referência completa deste trabalho é Brian A. Schubert, Tim K. Lowenstein, Michael N. Timofeeff and Matthew A. Parker, How do prokaryotes survive in fluid inclusions in halite for 30 k.y.?, Geology, 2009, 37, 1059-1062. Veja aqui.

Agradeço ao Prof. Brian Schubert, quem gentilmente me enviou uma cópia de seu trabalho (I wish to thank prof. Brian Schubert who kindly sent me a pdf copy of his article). Este é um belo exemplo de processo adaptativo via seleção natural, ocorrido há milhares de anos, que favoreceu a “permanência” de apenas algumas espécies de bactérias em ambientes muito adversos.

O frágil bioma dos pampas brasileiros

Aparentemente muito interessante, deve valer a pena ler o artigo publicado por pesquisadores da Universidade Federal do PAMPA-Campus São Gabriel, intitulado “The Brazilian Pampa: A Fragile Biome”. A referência encontra-se indicada a seguir. Como o artigo foi publicado em revista “Open Access”, pode ser baixado diretamente aqui.

ResearchBlogging.org

Luiz Fernando W. Roesch, Frederico C.B. Vieira, Vilmar A. Pereira, Adriano Luis Schünemann, Italo F. Teixeira, Ana Julia T. Senna and Valdir Marcos Stefenon (2009). The Brazilian Pampa: A Fragile Biome Diversity, 1 (2), 182-198 : 10.3390/d1020182

Ciência fundamental ou ciência aplicada?

Em referência à postagem anterior, o texto a seguir foi publicado no Jornal da Ciência, 1998, 13 (395), 7, sem as citações finais em inglês. O mais inusitado é que o então diretor científico da FAPESP, Prof. José Fernando Perez, publicou texto relacionado ao mesmo tema no mesmo número do Jornal da Ciência, 1998, 13 (395), 6. Não encontrei versões on-line destes textos. Assim, escaneei e disponibilizei ambos no blog Química de Produtos Naturais.

Ciência fundamental ou ciência aplicada?

Pure and applied science are inseparable and can only grow together.”
 Charles H. Townes, Nobel de física em 1964

Tal questão têm sido frequentemente levantada, porém com muito mais ênfase na última década visto que o investimento na pesquisa científica atingiu números sem precedentes. A fusão das indústrias farmacêuticas Glaxo Wellcome e SmithKline Beecham, por exemplo, levará as mesmas a aplicar um montante equivalente a 2,34 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento durante os próximos anos, e deverá constituír uma companhia com valor de mercado estimado em 125 bilhões de dólares (The Globe and Mail, 02.03.98) . Se por um lado o setor empresarial privado internacional não mede esforços para desenvolver novos produtos e processos, por outro lado pouco se sabe sobre investimentos dessa natureza no mercado brasileiro. Seja porque pouco se divulga sobre esse assunto ou porque tal investimento é negligível.

No Brasil, tanto a pesquisa científica quanto tecnológica são essencialmente financiadas por órgãos públicos estaduais e federais de fomento. Este financiamento é e continuará sendo por muito tempo absolutamente imprescindível. Porém, este é um quadro em mudança: atualmente, estimula-se a elaboração de projetos de pesquisa científica e tecnológica em parceria com o setor privado, de tal maneira que o conhecimento adquirido ou gerado possa levar ao desenvolvimento de processos e produtos de utilidade para a sociedade. Essas iniciativas só podem ser vistas com bons olhos, tendo-se em vista necessidades regionais de desenvolvimento científico e tecnológico. Contudo, ainda questiona-se a eficácia de tais programas pois acredita-se que o financiamento de pesquisa por parte do setor privado possa limitar o campo de atuação da ciência que obtenha este tipo de financiamento. A história nos mostra, porém, que cabe ao próprio cientista conduzir o trabalho de investigação científica. De acordo com sua filosofia de trabalho, o cientista poderá caracterizar sua investigação seja por um caráter mais fundamental, seja por um caráter mais aplicado, ou ainda por uma mistura de ambas, denominada “pesquisa fundamental orientada à aplicação”.

Como exemplo da primeira, poderíamos citar: a) o trabalho de Niels Bohr, físico alemão que dedicou-se a estudar a estrutura do átomo no início do século; b) as pesquisas de Linus Pauling sobre a natureza das ligações químicas e a estrutura das proteínas; c) as descobertas de Albert Einstein sobre a teoria da relatividade e a LASER (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation), ou; d) a descrição por Bloch e Purcell do fenômeno de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) no fim dos anos 40. Interessante, porém, é notar que todos estes exemplos serviram de base para o desenvolvimento posterior de inúmeros projetos de ciência aplicada, os quais modificariam o rumo da história: no caso de Bohr e outros físicos e químicos que se dedicaram ao estudo das partículas fundamentais da matéria, ao desenvolvimento e aplicação da energia atômica; no caso de Pauling, ao desenvolvimento da biologia molecular e em última instância da biotecnologia; no caso de Einstein, a teoria da relatividade, em conjunto com outras descobertas, permitiu a implantação dos programas de exploração espacial e a LASER levou à descoberta da MASER (Microwave Amplification by Stimulated Emission of Radiation) a qual, por exemplo, é utilizada em leitores de discos compactos e códigos de barra; e no caso de Bloch e Purcell, ao desenvolvimento das inúmeras técnicas de RMN tanto em estado sólido como em estado líquido, dentre as quais a geração de imagens em medicina. Fato interessante, quando Einstein descreveu a LASER, o fenômeno foi considerado de “interesse puramente teórico, sem qualquer utilização prática”.

Como exemplo da segunda forma de utilização da ciência, de caráter essencialmente aplicado, poderíamos citar a descoberta da técnica de polymerase chain reaction (PCR), descrita por Kary Mullis (prêmio Nobel de química de 1993), e as inúmeras invenções de Thomas Edison. No primeiro caso, Mullis estava preocupado em como obter maior quantidade de material genético, sem ter que se limitar a extrair DNA durante semanas a partir da fonte original do mesmo. As decorrências da descoberta da técnica de PCR são inúmeras, como, por exemplo, para a realização do Projeto Genoma Humano. No caso de Edison, é notório o fato deste cientista não ter se preocupado em estudar a natureza do fenômeno elétrico, mas apenas em desenvolver uma enorme gama de aparelhos que pudessem ser úteis. Tanto em um caso como em outro, a visão de ciência essencialmente aplicada foi essencial para descobertas revolucionárias.

A terceira forma de utilização da ciência, que combina pesquisa fundamental e aplicada, poderia ser exemplificada pelos trabalhos de Louis Pasteur. Por possuir ligações familiares com produtores leiteiros, Pasteur esteve inicialmente inclinado à trabalhos de natureza essencialmente aplicada. Contudo, com o intuito de melhor compreender a contaminação do leite e outros alimentos, Pasteur rapidamente iniciou estudos de caráter fundamental para encontrar as razões para tal e dos fenômenos microbiológicos em geral, bem como para as causas de doenças infecciosas e da natureza quiral do átomo de carbono. Mesmo assim, Pasteur nunca perdeu de vista a aplicação prática de seus conhecimentos na indústria de alimentos, por exemplo, que consequentemente levou à descoberta do método de pasteurização do leite.

Outra área que combina conhecimentos de pesquisa fundamental e aplicada é a descoberta de novos medicamentos. Inúmeros cientistas estão atualmente envolvidos em projetos para melhor entender o funcionamento do sistema imunológico, de resistência de microorganismos e na descoberta de novas substâncias farmacologicamente ativas, para que estes conhecimentos possam contribuir para melhorar a qualidade de vida de uma forma geral. Particularmente neste último caso, a natureza inter- e multidisciplinar da pesquisa em saúde humana é tão ampla que deixou de ser tema de áreas exclusivas do conhecimento e passou a integrar ecologia, biofísica, medicina, farmacologia, antropologia, química, bioquímica e biologia.

O ponto fundamental é que, tanto a ciência aplicada como a ciência fundamental mantêm entre si laços bastante estreitos para serem separadas como se fossem dois ramos extremos da atividade científica. Tal separação foi proposta por Vanevar Bush, quando da elaboração de um plano nacional norte-americano para o financiamento de pesquisa científica, solicitado pelo então presidente Franklin D. Roosevelt após a 2a Guerra Mundial. Além do plano de Bush ter sido bastante criticado pelos seus pares, o plano sugeria que se fortalecessem estudos principalmente na área de agricultura, engenharia mecânica e para a fabricação da gasolina sintética, a qual, acreditavam, estaria sendo desenvolvida pelos alemães. Em essência, a comissão que elaborou o plano solicitado por Roosevelt priorizou estudos
que já vinham sendo desenvolvidos, pois é praticamente impossível prever novas e importantes descobertas. Dentre aquelas que surgiram nos anos seguintes (e que passaram “despercebidas” à referida comissão) estão os antibióticos, então já descritos por Fleming, mas completamente ignorados, os jet aircraft (“carros flutuadores”), os foguetes e a exploração espacial, os computadores, o transístor, a MASER, a engenharia genética, entre outras.

O estabelecimento de prioridades para a pesquisa científica é uma realidade. Do mesmo modo, os próprios cientistas não devem perder a convicção de que a pesquisa fundamental é absolutamente necessária. Como complemento, voltar os olhos para a aplicabilidade do conhecimento científico deve ser uma das metas daqueles que são responsáveis pela formação de profissionais altamente qualificados, bem como pela geração de conhecimento.

A integração universidade-setor privado, porém, ainda é vista com extrema cautela por diversos setores da comunidade científica. Talvez por falta de experiência, acredita-se que o desenvolvimento de projetos de ciência aplicada deixará de lado a busca de questões fundamentais. O caso de Pasteur mostra que não é esse o caso. Cabe ao cientista combinar os elementos necessários, sejam eles de caráter fundamental ou aplicado, para o desenvolvimento de um projeto em particular. Também, cabe à iniciativa privada levantar questões e problemas, bem como estimular a busca de soluções de caráter aplicado que possam contribuir para o aprimoramento de um setor produtivo mais competitivo, menos imediatista e que se integre de forma muito mais efetiva à comunidade científica e ao desenvolvimento da nação.

Para terminar, aproveitaria para citar o livro, “Science and Society”*, o qual reúne uma série de palestras proferidas por ganhadores de prêmios Nobel por ocasião das “John C. Polanyi Nobel Laureates Lectures” em 1994 na Universidade de Toronto. Os textos contém menções interessantes sobre a questão ciência basica e ciência aplicada:

“Nature speakes in many tongues. They are all alien. The task of the scientist pursuing “curiosity-driven” research is to try to discover something of the vocabulary and the grammar of one or more of these languages. To the extent that the scientist succeeds, we gain the ability to decipher many messages that nature has left for us, blithely or coyly. No matter how much human effort and money we might invest to solve a practical problem in science or technology, failure is inevitable unless we can read the answers that nature is willing to give us. The basic research that provides such understanding is the most practical investment we can make.” (no capítulo The Shape of Molecular Collisions, por Dudley R. Herschbach, prêmio Nobel de química de 1986).

“Science and technology can bring about changes within a decade or so. Young people can expect to see profound changes in their lifetime. No one knows now what they will be – making it difficult to plan for them – but they will take place, and science will play a major role in producing them. How can we devise a plan to accomplish important tasks if we do not know where the changes will be? A look ahead reveals nothing very clearly about presently unknown and new discoveries. Contrary to what most people believe, scientists do not possess the ability to predict the future, despite their intensive knowledge.” (no capítulo Unpredictability in Science and Technology, pelo prêmio Nobel de física de 1964, Charles H. Townes).

“We do not know exactly what research will pay off, what will build up, but we do know, historically, that important discoveries will occur and that they will have a major effect on technology and business.” (idem)

 “Society must be interested in ideas and must value them; it must be excited by them and by new discoveries. We must accept a long-range approach. We must accept failures by encouraging trial and error, because no person can plan what scientific research is going to be successful. We must support people in a variety of situations, especially people with different ideas, because the different ideas are most likely to lead to something new. There must be a diversity of approach, a diversity of situations, a diversity of people. There must also be a lot of interaction among them so they can exchange their thoughts.
The places where the activity is high, where many scientists are interacting, where there are outstanding people, where many factors are just right – those are the circumstances that are going to pay off the most. That doesn’t mean we don’t need the others, but we must see that there are places where the important factors all add up; that’s where we can expect to find the most intensive productivity.” (idem)

*(editado por Martin Moskovits, editora da Universidade de Toronto, 1995, ISBN 0-88784-589-4)

Petição em favor da pesquisa básica

Uma petição (abaixo assinado) com 18.000 assinaturas de acadêmicos do Reino Unido foi encaminhado para o Conselho de Financiamento de Educação Superior da Inglaterra (Hefce, Higher Education Funding Council for England), solicitando a não-inclusão da avaliação do impacto econômico em pedidos de financiamento de projetos de pesquisas.

Em setembro último (2009), a Hefce revelou que 25% das solicitações de auxílio à pesquisa encaminhadas à Research Excellence Framework (REF) seriam avaliadas segundo critérios de impacto econômico e social das propostas apresentadas. O novo sistema, designado “Research Excellence Framework (REF)” para avaliação da qualidade de projetos de pesquisa em instituições de ensino superior, entrará em vigor em 2013. Tal mudança provocou tensão no meio acadêmico, preocupado com o impacto que tal medida resultará no desenvolvimento da pesquisa básica (de caráter fundamental).

Uma campanha encabeçada pela União de Universidades e Faculdades do Reino Unido (UK’s University and College Union, UCU) obteve 18.000 assinaturas para que as propostas da REF sejam retiradas e para que os conselhos de financiamento trabalhem em conjunto com pesquisadores, visando a elaboração de um novo modelo de avaliação de propostas de projetos, que estimule a pesquisa básica em vez de diminuir a importância desta.

Alex Rossiter, da UCU, diz que “a pesquisa acadêmica não deve estar sujeita às tendências do mercado”, e ainda que “a grandeza da pesquisa científica é a busca do conhecimento, sem que existam pressupostos ou idéias preconcebidas sobre os objetivos a serem atingidos”. Manifesta ainda sua preocupação sobre os “indicadores de impacto”, que podem levar à direção oposta do que preconizam.

Seis ganhadores de prêmios Nobel encontram-se entre os signatários da petição, dos quais quatro são químicos. Lee Cronin, professor de química da Universidade de Glasgow, acredita que a “ênfase na pesquisa de impacto” pode levar á uma falsa idéia do que constitui o real valor da ciência para o público em geral. Segundo Cronin, “estão dizendo ao público que nossa pesquisa é determinística – mas não é. Na verdade, esta é uma grande montanha russa de fracasso e de falta de inspiração, e o público não está sendo advertido sobre a perda da alma científica.” Diz ainda que “deve-se oferecer as melhores condições financeiras às melhores idéias para realizar descobertas, e não estabelecer restrições”. “Com o direcionamento objetivando o ‘impacto científico’, o público em geral passará a ver a ciência com objetivos pré-definidos, em vez de levar às fronteiras do conhecimento.”

Todavia, a Hefce nega que tais premissas sejam verdadeiras, e afirma que tais pressupostos não passam de mal-entendidos. Que as propostas não devem predizer como promoverão impacto para a sociedade, e sim esclarecer onde e quando houve impacto para a sociedade em decorrência do desenvolvimento científico. Atesta ainda que não se espera que projetos de pesquisa individuais promovam impacto social, mas sim o conjunto de programas investigativos realizados por uma determinada instituição acadêmica.

As avaliações da Hefce serão realizadas durante o verão (junho-agosto) de 2010, e, segundo o Conselho, serão baseadas em evidências e experiência. Todavia, os critérios de impacto não foram retirados. As 18.000 assinaturas da petição encaminhada à Hefce indicam a real preocupação dos acadêmicos ingleses sobre tais mudanças de critérios na avaliação de propostas de projetos científicos.

fonte: Chemistry World.

Nota: escrevi um texto sobre este assunto em 1998, no Jornal da Ciência, 13 (395), 7. Vejam a postagem seguinte.

Programa BIOTA-FAPESP recebe segundo Prêmio Ford de Conservação Ambiental

Uma das mais ousadas iniciativas científicas do século XX no Brasil completou 10 anos neste ano, e foi homenageado, pela segunda vez, com o prêmio Ford de Conservação Ambiental. Segundo o coordenador geral do Programa BIOTA/FAPESP, Carlos Joly

10 anos depois o Programa BIOTA/FAPESP volta a ganhar o Prêmio Ford de Conservação Ambiental. Em novembro de 1999 o então recém-lançado Programa BIOTA/FAPESP: O Instituto Virtual da Biodiversidade ganhou o Prêmio Henry Ford de Conservação Ambiental na categoria “Iniciativa do Ano”. O premio reconhecia o esforço de articulação da comunidade científica e da Diretoria Científica da FAPESP, em criar um programa de pesquisa integrando pesquisadores e instituições do Estado de São Paulo, em torno das premissas estabelecidas pela Convenção sobre a Diversidade Biológica.

O Programa BIOTA/FAPESP começou a ser planejado no início de 1996, quando a Diretoria Científica convocou uma reunião, com cerca de 100 lideranças da grande área que a temática caracterização, conservação e uso sustentável da biodiversidade abrange. Nesta reunião, realizada dia 8 de abril no Auditório da FAPESP, ficou patente o grande interesse dos pesquisadores pela criação de um Projeto Especial de Pesquisa e a pertinência da FAPESP apoiar um Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, inicialmente denominado BIOTA-SP.

Nesta reunião também ficou definido que o Programa deveria ter como escopo todas as formas de organismos vivos do Estado de São Paulo (daí o nome BIOTA), fossem terrestres de água doce ou marinhos. O foco dos projetos deveria cobrir toda gama de pesquisas que a temática caracterização, conservação e uso sustentável da biodiversidade abrange.

Desde o início o Programa optou por utilizar a internet como meio de comunicação: a) criou uma homepage; b) criou uma Lista de Discussão; c) iniciou o diagnóstico do conhecimento biológico acumulado para cada grupo taxonômico, de microrganismos a mamíferos e angiospermas, incluindo os pesquisadores que trabalham, especificamente, com cada grupo e a infraestrutura instalada para conservação ex situ (Museus, Herbários, Coleções de Microrganismos, Arboretos, Jardins Botânicos) e in situ (Unidades de Conservação); d) organizou o workshop Bases para Conservação da Biodiversidade do Estado de São Paulo para sintetizar as informações produzidas e definir a estrutura e forma de implantação do Projeto Especial de Pesquisas em Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo.

A penúltima etapa deste processo foi concluída no dia 7 de maio de 1998, quando 16 Projetos Temáticos articulados foram formalmente protocolados na Fapesp. Com a aprovação dos primeiros projetos no final de 1998, e a publicação dos dois primeiros volumes da série “Biodiversidade do Estado de São Paulo: síntese do conhecimento ao final do século XX”, em fevereiro de 1999, o Conselho Superior da Fapesp aprovou a criação do Programa Biota/Fapesp – O Instituto Virtual da Biodiversidade, que foi oficialmente lançado no dia 25 de março de 1999, em sessão solene, no Auditório da Fapesp.

Este esforço da comunidade científica do Estado, com o apoio da Coordenação de Ciências Biológicas e da Diretoria Científica da FAPESP, justificou a concessão do Prêmio Henry Ford de Conservação Ambiental na categoria “Iniciativa do Ano”, no final de 1999.

Dez anos depois, reconhecido internacionalmente como uma experiência bem sucedida, especialmente porque: a) conseguiu gerar subsídios para o aperfeiçoamento da Legislação do Estado de São Paulo na área de conservação e recuperação da biodiversidade nativa, b) formou um exército de Mestres (169), Doutores (108) e Pós-Docs (80) capacitados e treinados para trabalhar em caracterização, conservação, recuperação e uso sustentável da biodiversidade; c) gerou mais de 750 artigos em periódicos nacionais e internacionais especializados, além de 16 livros e 2 Atlas; o Programa BIOTA/FAPESP passou a ser utilizado como modelo para implantação de programas semelhantes em outros Estados brasileiros (por exemplo Bahia, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul) e para o Programa Nacional atualmente em discussão no CNPq.

No âmbito internacional o Programa BIOTA/FAPESP estabeleceu parcerias com a DIVERSITAS, especialmente o core Project bioGENESIS cujo Science Plan foi concluído em evento organizado em conjunto na FAPESP, com o BIOTA África, com o ICSU-LAC e com o SCOPE.

Compreendendo que grande parte do sucesso do Programa vem da permanente avaliação crítica e discussão com a comunidade de pesquisadores que atuam nesta grande área temática, este ano a renovada Coordenação do Programa promoveu uma intensa discussão do Plano de Metas e Estratégias para 2020 (Science Plan & Strategies for the next decade), cuja 1ª versão foi amplamente discutida no Workshop BIOTA + 10: definindo metas para 2020, sendo posteriormente submetida às instâncias superiores da FAPESP, buscando a renovação do apoio ao Programa BIOTA/FAPESP para os próximos dez anos.

Coroando um 2009 de muita atividade, 3 Workshops (BIOTA + 10, Applied Ecology and Human Dimensions in Biological Conservation e DNA Barcoding), 2 chamadas (Coleções e Acervos Biológicos & Biodiversidade Marinha) o Programa BIOTA/FAPESP ganhou, novamente, o Premio Ford, desta vez na Categoria Ciência e Formação de Recursos Humanos.

Aproveitando este novo reconhecimento da importância do Programa BIOTA/FAPESP para pesquisa em caracterização, conservação, recuperação e uso sustentável da biodiversidade a Coordenação do Programa lança o novo site do BIOTA/FAPESP (http://www.biota-fapesp.net/) e coloca seu Plano de Metas e Estratégias para 2020 (Science Plan & Strategies for the next decade) em discussão, para que pesquisadores que atuam nesta grande área temática possam, por 90 dias, enviar críticas e sugestões. Terminado este prazo a Coordenação do Programa redigirá a versão definitiva do Plano de Metas e Estratégias que guiará as iniciativas do Programa nesta nova década.

Sobre Twitter, Facebook e acesso aberto de publicações científicas

A revista científica Angewandte Chemie International Edition é uma das mais conceituadas, senão a mais importante, da área de química. Com um fator de impacto de 10,879, publica artigos científicos relacionados a todas as áreas de química. É o periódico de química por excelência, ao lado do Journal of the American Chemical Society (JACS).

O editorial da última edição da Angew. Chem. Int. Ed. traduz, de certa forma, a angústia científica contemporânea, e se refere à rapidez na publicação e disseminação da informação, além de ressaltar a importância na geração de conteúdo de qualidade. No editorial, Volker Gerhardt, um dos mais importantes filósofos alemães da atualidade, assinala a importância do acesso aberto (open access) para a publicação de trabalhos científicos, sem que se confunda a utilização desta com a promoção da ciência, qualidade com quantidade, e que não se perca o rumo para se avaliar, de maneira racional, o que realmente constitui boa ciência.

Peter Gölitz, que assina o editorial, indica o perigo que constitui a utilização do acesso aberto, uma vez que este é pago pelos autores. Sendo desta forma, as revistas científicas muito em breve perderão assinaturas institucionais e dependerão quase exclusivamente dos autores para sobreviver. Consequentemente, o risco de que muitas revistas passem a aceitar a “menor unidade publicável” (ou seja, artigos de qualidade marginal) não deve ser negligenciado, pois dependerão destes para continuar a existir. Ainda, levanta questões interessantes, sobre quantas publicações se espera do desenvolvimento de um determinado projeto e se um projeto deve gerar publicações científicas à exaustão.

Levando-se em conta a necessidade de sobrevivência das revistas científicas, atualmente os editores encontram-se sob pressão para conseguir artigos de qualidade e publicá-los o mais rapidamente possível. Desta forma, fica até mesmo difícil controlar o processo de avaliação por pares, uma vez que avaliações por demais criteriosas podem atrasar a publicação de artigos. Além do mais, Gölitz assinala que as revistas tenderão a se adaptar mais aos autores do que aos leitores, pois dependerão mais dos primeiros. Porém, tal argumentação é questionável, pois os autores lêem as próprias revistas em que publicam, e esperam que sejam citados por seus trabalhos publicados. Considerando-se que estes devem se apresentar segundo as boas normas de editoração, espera-se que se construa um equilíbrio de necessidades e expectativas entre autores, editores e leitores das revistas científicas com acesso aberto.

Angewandte Chemie International Edition já adotou o acesso aberto – é um dos poucos periódicos científicos de excelência que o fez , ao lado da PLOS One (uma lista completa de periódicos de acesso aberto pode ser encontrada no Directory of Open Access Journals). A American Chemical Society (ACS), editora de muitas revistas de alto conceito, reluta em adotar o acesso aberto. Embora já tenha adotado a publicação eletrônica como seu principal meio de disseminação (a partir de 2010 a ACS não mais publicará revistas na sua forma impressa). Neste sentido, o Journal of the Brazilian Chemical Society é um periódico científico de vanguarda: adotou o acesso aberto há vários anos – gratuitamente. Mais recentemente a revista Química Nova (que aceita artigos em português, inglês e espanhol) também se tornou completamente on-line, de acesso aberto gratuito. Ambos JBCS e Química Nova são publicações da Sociedade Brasileira de Química.

Um dos elementos de diferenciação da Angewandte Chemie International Edition é o grau de exigência para aceitação de artigos a serem publicados. A atual taxa de rejeição é de 78% de todos os artigos submetidos para publicação no Angewandte Chemie. Considerando-se o custo da avaliação dos manuscritos submetidos, boa parte do valor pago pelos autores que publicam na Angew. Chem Int. Ed. de acesso aberto se refere ao processo de avaliação por pares. Principalmente porque os trabalhos rejeitados custam mais caro para serem analisados do que os trabalhos aceitos. Não somente em termos de custos financeiros, mas principalmente de tempo (que reflete no financeiro). Além disso, os revisores da revista passam a ter um papel crucial na qualidade da revista. Segundo Gölitz, até outubro/2009 foram submetidos 6500 artigos à Angew. Chem. Int. Ed., que necessitaram de 18000 avaliações por pares. Destas, 12000 foram realizadas. No caso de revisores que avaliam dois ou mais artigos por mês, a revista passará a fornecer um certificado especial, atestando o valor do trabalho realizado por estes assessores. O corpo editorial acredita que desta maneira estará valorizando o trabalho de seus revisores e colaborando para seu reconhecimento em suas instituições de origem. Que assim seja.

Gölitz termina por justificar, em seu longo editorial, a necessidade do pagamento de diversos outros custos a partir do momento em que a revista adotou o acesso aberto.

Existe um porém na utilização do acesso aberto. Os custos de publicação por acesso aberto são altos. Variam de centenas a milhares de dólares por artigo científico. Quem pode pagar tais valores? Pesquisadores de países desenvolvidos. Pesquisadores de países em desenvolvimento terão cada vez mais dificuldade em arcar com tais despesas. Sendo assim, será oficializada a divisão da ciência em artigos publicados em revistas de acesso aberto de alto custo e aqueles publicados em revistas de acesso aberto (ou apenas impressas?) marginais. Tal divisão não é boa, e conduzirá a sérias distorções no extremamente lucrativo mercado das publicações científicas, que aos poucos leva à mercantilização da ciência como nunca se viu antes. É lamentável que, além da classificação dogmática da ciência por fatores de impacto, índice-h e número de citações, a ciência caminhe para ser um objeto de extremo luxo.

Caminho sem volta? Ou momento para reflexão?

O editorial de Peter Gölitz, “Twitter, Facebbok, and Open Access … encontra-se no prelo na revista Angew. Chem. Int. Ed., mas pode ser visualizado aqui, infelizmente só por aqueles que dispõem de acesso institucional (ou pessoal) ao periódico.

Peter Gölitz (2009). Twitter, Facebook, and Open Access … Angewandte Chemie International Edition DOI: 10.1002/anie.200906501

Quando a informação incomoda (ou Quando a verdade dói, parte II)

Segundo notícia publicada no jornal Estado de São Paulo on-line, nesta última quarta feira dia 9/12/09 Joseph Ratzinger, o papa Bento 16 criticou nesta quarta-feira, 9/12/2009, a forma como a imprensa retrata e amplifica os males que atingem as cidades, fazendo as pessoas se “acostumarem com as coisas mais horríveis” e “se tornarem mais insensíveis”, e “intoxicando” a todos, uma vez que o que é “negativo nunca se elimina”. O papa acrescentou que os meios de comunicação tendem a fazer “o cidadão se sentir sempre como um espectador, como se o mal só dissesse respeito aos demais e certas coisas jamais pudessem acontecer” com ele. O pontífice, de 82 anos, fez estas declarações diante do monumento à Imaculada Conceição, cujo dia é celebrado nesta quarta-feira.

Ao depositar um cesto de rosas flores diante da estátua coroada pela imagem de Nossa Senhora, Bento XVI disse que Maria ainda repete aos homens de nosso tempo: “Não tenham medo, já que Jesus venceu o mal”. “O quanto precisamos desta bela notícia! A cada dia, nos jornais, na televisão e no rádio, o mal é contado, repetido e amplificado, fazendo as pessoas se acostumarem com as coisas mais horríveis, nos tornando mais insensíveis e de, alguma maneira, nos intoxicando”, acrescentou. O papa também afirmou que “o negativo nunca é totalmente eliminado, e dia a dia vai se acumulando”. “O coração endurece e os pensamentos ficam obscuros”, destacou.

As declarações de Ratzinger fazem lembrar fatos ocorridos recentemente. O presidente socialista da Bolívia, Evo Morales, criticou na terça-feira dia 8/12/2009 a “liberdade de expressão exagerada” que, segundo ele, impera em seu país, e lamentou a falta de apoio da imprensa durante sua campanha eleitoral. “Eu sou uma vítima permanente da imprensa. Existe uma liberdade de expressão exagerada” na Bolívia, afirmou o dirigente a uma jornalista em Cochabamba.

Durante a campanha eleitoral, a maioria dos meios de comunicação, controlada por empresários de direita, se posicionou contra Morales, que no entanto conseguiu se reeleger para um segundo mandato de cinco anos. Para Morales, uma grande parte da imprensa de Cochabamba é influenciada por uma jornalista de direita, deputada e ligada ao ex-presidente conservador Jorge Quiroga, além de desafeta do dirigente socialista; mas preferiu não citar nomes. Evo Morales mantém desde 2006 uma relação complicada com a imprensa em seu país.

Em setembro, o grupo Clarín, maior holding de mídia da Argentina, foi alvo de uma operação da Associação Federal de Ingressos Públicos (AFIP, equivalente a Receita Federal) do governo de Cristina Kirchner. Entre 180 a 200 fiscais do órgão tiveram acesso ao edifício onde funcionam as redações dos jornais Clarín, Olé e La Razón. Foi uma “operação de intimidação”, após denúncia publicada na edição do que dava conta que, por decisão da ONNCA (Oficina Nacional de Controle de Comércio Agropecuário), foram pagos mais 10 milhões de pesos em subsídios a uma empresa que estava em condição irregular, sem licença para funcionar. De acordo com a reportagem, o próprio órgão concedeu a empresa uma “matrícula provisória” após os subsídios. Associações de jornalistas denunciaram ao longo dos últimos anos intensas pressões do governo argentino aos profissionais da mídia, grampos telefônicos e ameaças diversas. Os escritórios do jornal Clarín foram atacados com pichações de militantes governistas. Enquanto foi presidente, Néstor Kirchner nunca deu uma entrevista coletiva. Sua mulher, Cristina, só aceitou entrevistas exclusivas com meios de comunicação aliados do governo.

Cristina também não veicula publicidade oficial nos jornais críticos. Mas, os empresários amigos do governo conseguem farta publicidade do governo. Esse é o caso de Rudy Ulloa, magnata da mídia no sul do país que lançou a revista Atitude, que na capa ostenta controvertido slogan: “Uma revista que não é independente.”

Também neste ano, na Venezuela o presidente Hugo Chávez não renovou a concessão do canal de TV oposicionista RCTV. Houveram manifestos das duas partes da população, aqueles que apóiam a decisão do presidente, e daqueles que são contra, que acusam o líder venezuelano de atentar contra a liberdade de expressão. A emissora privada de TV Rádio Caracas Televisión (RCTV) era o canal mais antigo do país e saiu do ar após 53 anos de exibição no canal 2. Segundo o presidente Hugo Chávez, a emissora não teve seu contrato renovado por prejudicar o socialismo do século XXI. Ao mesmo tempo em que diretores e funcionários se despediam da sua audiência com o slogan “Um amigo é para sempre”, confrontos de manifestantes com a polícia eram registrados na capital.

Mas o que Ratzinger, Morales, Cristina Kirchner e Chávez têm em comum? Porque a imprensa e os meios de comunicação os incomodam tanto?

Por um lado, o direito de contestar. Por outro lado, uma imprensa que não esteja vinculada ao sistema de poder. Segundo Noam Chomsky, professor de lingüística do Massachussets Institute of Technology (MIT) em Boston, e um dos principais críticos do modelo de sociedade norte-americana, “existe todo tipo de dispositivo de filtração para desfazer-se de gente que pensa de forma independente e possa criar problemas“. Chomsky se refere, explicitamente, aos meios de comunicação que não se alinham com os órgãos de poder em seus respectivos países.

Libertas quae sera tamen.

Polêmica Fúngica

Grupo de pesquisas da Holanda publicou recentemente artigo na revista The Lancet Infectious Diseases, questionando veementemente o uso de fungicidas agrícolas, uma vez que obtiveram fortes evidências que o uso destes promove resistência no fungo Aspergillus fumigatus, altamente patogênico para humanos. Os pesquisadores argumentam que tais fatos teriam conseqüências mundiais, segundo Paul Verweij, coordenador do estudo.

Porém, foram questionados por Herbert Hof, diretor do Instituto de Microbiologia Médica da Universidade de Heidelberg (Alemanha), que diz que os autores buscam ganhar espaço na mídia. Por outro lado, os resultados obtidos pelos holandeses foram apoiados por David Denning, professor da Universidade de Manchester e diretor do Centro Nacional de Aspergilose do Reino Unido.

Infecção pelo fungo A. fumigatus pode até mesmo levar à morte pacientes imunodeprimidos. Como o próprio nome do fungo atesta, o gênero Aspergillus apresenta uma grande disseminação pelo ar, o que torna fácil a inalação de seus esporos. Várias linhagens de Aspergillus são resistentes a alguns dos mais potentes antifúngicos conhecidos, como os “azóis”, uma classe de antifúngicos utilizado em agricultura. Os pesquisadores holandeses detectaram mutações genéticas em A. fumigatus isolado de ambientes hospitalares, o que pode indicar que pacientes destes hospitais podem estar infectados com A. fumigatus resistentes aos azóis. Tais antifúngicos são utilizados principalmente na Europa (muito menos nos EUA).

O risco do uso dos azóis têm sido debatido há vários anos. Em 2002, uma comissão da Comunidade Européia minimizou o fato. Esta notícia (desta postagem) foi publicada na revista Science, que diz ter recebido uma mensagem por email de Herbert Hof, afirmando que o surgimento de resistência em fungos é balela, pois estes não apresentam ativação de genes de resistência. Por fim, as companhias produtoras de antifúngicos dizem que não existe ligação entre o uso de azóis na agricultura e a infecção de pessoas por A. fumigatus resistente aos antibióticos.

E aí? Quem está com a razão?
Veja o artigo de Martin Enserink, “Farm Fungicides Linked to Resistance in a Human Pathogen”, Science, 2009, volume 326, p. 1173.

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