O desenvolvimento sustentado é possível?

O livro “A Retórica da Razão”, de Albert O. Hirschman (1991) é considerado uma obra de essencial importância para explicar os argumentos de conservadores sobre as atuais mudanças sociais segundo o modelo de desenvolvimento sustentável. Segundo Hirschman, os conservadores apresentam três tipos de argumentos que questionam as mudanças, e procuram minimizar sua importância: argumentos perversos, argumentos fúteis e argumentos de ameaças. O emprego de tais argumentos não somente limita o entendimento entre liberais e conservadores, entre progressistas e reacionários, como também pode ser tão danoso quanto simplesmente se ignorar maneiras de se promover a sustentabilidade. Argumentos reacionários contrários à sustentabilidade estão sendo atualmente utilizados para manter o status quo do sistema econômico e social vigente. Desta forma, a análise crítica da contextualização histórica de tais argumentos ajuda a prover base para sua compreensão e de como estes argumentos são empregados contra mudanças potencialmente necessárias.

O têrmo “desenvolvimento sustentado” engloba vários conceitos sobre a relação entre a governabilidade e a sociedade e natureza. Constitui em se estabelecer formas de planejamento e modos de atuação valorosos e virtuosos, quase como um movimento social. Sendo assim, o “desenvolvimento sustentado” atraiu a atenção tanto de revolucionários como de reacionários, que atuam de forma divergente, sem que, contudo, se manifestem abertamente contra a sustentabilidade. A forma de se questionar a sustentabilidade se baseia, fundamentalmente, em questionar se mudanças são ou não realmente necessárias. O conhecimento destas táticas conservadoras permite sua análise e também conhecer o potencial de certas iniciativas de governabilidade, gestão e convivência em ambientes sociais, e também como o emprego de tais argumentos contribuem para reforçar barreiras de comunicação entre grupos com visões sociais distintas.

Qual a importância da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentado? Principalmente em criar formas diferentes de se resolver problemas e de diálogo entre “partes” aparentemente opostas, que incluem diversos setores da sociedade e do governo. A sustentabilidade traz consigo uma reorganização dos poderes e das instituições administrativas, com ênfase em abordagens participativas e integrativas. De tal forma que a análise dos prospectos de sustentabilidade deve ser muito cuidadosa, de maneira a não ser corrompida por falsas premissas básicas, que buscam apenas a atender determinados setores sociais ou interesses de grupos segmentados.

Uma maneira muito questionável de se analisar os preceitos e as maneiras de se promover a sustentabilidade é de acordo com a filosofia pragmática, a qual, na verdade, deve ser muito mais uma forma de se implementar ações do que de análise. A adoção do pragmatismo como base de análise torna muito difícil de discernir quais pontos são realmente verdadeiros para se avaliar a sustentabilidade, bem como o que é realmente bom e possui valor moral neste contexto. Sendo assim, é absolutamente necessário se deixar o pragmatismo de lado e se ampliar o escopo da análise de processos de sustentabilidade, com membros da sociedade aptos a promover tais questionamentos e trazer à luz o conhecimento aliado a tais questionamentos. A adoção de uma “filosofia pragmática” pode ser questionável por sempre trazer a suspeita de que “há sempre algo suspeito sob o sol”, quando tal discussão é trazida por um número crescente de participantes aptos a apresentarem seus diferentes pontos de vista sobre o desenvolvimento sustentado.

A sustentabilidade por si só deve ser um conceito pragmático se for para se implementar mudanças para a reorientação das práticas sociais futuras. O problema é que o conceito “sustentabilidade” apresenta uma relação ambígua com o conceito “mudança”. Até há pouco tempo, o conceito de sustentabilidade estava um unicamente relacionado à conservação de recursos naturais. O problema é que esta maneira de pensar implica em se criar formas de manter os recursos naturais intocados e inexplorados, para que não sejam “danificados”. Ora, tal forma de se considerar o desenvolvimento sustentado vai contra a sua essência, que é a da experimentação, do aprendizado, da restauração e da melhoria das relações, muito mais do que de simplesmente se “manter inalterado e intocado” o acesso e utilização racional dos recursos naturais. Um dos maiores desafios da sustentabilidade é de se promover o “pensamento social”, de maneira a se minimizar interesses individuais e de certos setores em favor daqueles de caráter muito mais amplo para a sociedade. Os argumentos conservadores objetivam simplesmente deixar de lado tal forma de se criar maneiras integradas para proposições para a sustentabilidade.

Assim, setores sociais conservadores fazem uso de argumentos perversos, fúteis e de ameaças para descaracterizar a necessidade de mudança para promover o desenvolvimento sustentado.

Argumentos de perversidade são aqueles que são empregados para dizer que tudo pode apenas piorar e, no contexto da sustentabilidade, apenas tornar todo o processo ainda mais insustentável. Os argumentos de perversidade sustentam que a maneira de se promover a sustentabilidade é contra o desenvolvimento e apresenta perigo para o neoliberalismo. Setores conservadores fazem amplo uso de argumentos com a lógica da perversidade, em favor da governabilidade. Assim, por exemplo, dizer que a sustentabilidade pode ser o principal entrave para o desenvolvimento é um argumento perverso, uma vez que bloqueia qualquer outra possibilidade de se promover desenvolvimento. Porém, pelo contrário. As abordagens de governabilidade sustentada que se baseiam em parcerias tornam mais efetivas a utilização de diferentes recursos, formas de conhecimento e de entendimento, de maneira a encontrar novas soluções para capacitar aqueles que buscam o desenvolvimento sustentado como verdadeiros experimentadores. Somente desta maneira é possível se conhecer novas idéias, valorizar estas idéias e modelar novas práticas conforme tal abordagem integrativa, e não em normas regulatórias.

Ao argumentar em termos de “governabilidade”, a abordagem perversa pode atingir seu extremo. Esta estratégia objetiva aumentar a efevitidade e o escopo regulatório, impingindo regras, leis e conformidades, com a proposta de defender “os interesses púbicos”. Assim, em vez de promover a integração entre os interesses públicos e cívicos em longo prazo, o resultado é que os diferentes setores sociais são levados a agir como corporações para defender seus próprios interesses. Perde-se a essência da relação governo-cidadão, e tal relação é reduzida a seu mínimo denominador comum. Embora nefasto, o argumento da perversidade pode eventualmente levar a algumas ações de sustentabilidade positivas, como aquelas identificadas pelos movimentos NIMBY (Not In My Backyard – não no meu quintal), LULU (Locally Unwanted Land Uses – Usos da terra localmente indesejados) e BANANA (Build Absolutely Nothing Anywhere Near Anything – Não construir nada em local nenhum perto de qualquer coisa). Tais ações são de confrontação, teatrais e às vezes litigiosas. Por isso, é melhor que as propostas de projetos de sustentabilidade sejam apresentadas de maneira explícita, enfatizando novas parcerias e formas de consenso, de maneira a que a governabilidade não perca uma forma efetiva e confiável de mudança.

O argumento da futilidade se baseia na assertiva francesa de que “plus ça change, plus c’est la même chose” (quanto mais se muda, mais tudo fica do mesmo jeito). O argumento da futilidade sustenta que a participação social não têm o menor impacto nas decisões a serem tomadas. Que inovações nos modos de participação social no govern
o são inefetivas, pois não conseguem romper as barreiras entre diferentes grupos, e que só servem para reforçar tais desigualdades e limitações de pensamento e comportamentos, bem como as diferenças nas trocas de experiência e de percepções da realidade. Ou seja, que a participação têm eficácia limitada na mudança de diretrizes. E, ainda, que promover estudos e avanços em agendas específicas são fúteis porque os governos não conseguem incorporar tais mudanças e transferi-las em estratégias  e ações efetivas de sustentabilidade.

Na verdade, a lógica de futilidade é que é fútil, por considerar que a sustentabilidade só é válida de resultar na mudança de regras, leis e diretrizes. Tentar estabelecer listas de prioridades, áreas e maneiras específicas de atuação sustentada é, de acordo com o próprio princípio da futilidade, uma estratégia ingênua, dúbia e limitante. A resposta para o problema da sustentabilidade como um todo deve ser considerada de maneira integrativa e incrementativa, sem limites definidos. Portanto, o argumento da futilidade apenas tenta reforçar que estamos andando, sem sair do lugar.

O argumento da ameaça, ou do perigo, tenta mostrar que a emergência de um novo paradigma de uma forma de desenvolvimento sustentável é verdadeiramente diabólica. Tenta mostrar que se caminharmos para maneiras holísticas e integrativas de sociedade sustentada poderemos perder tudo o que conquistamos até aqui. O argumento da ameaça tem por objetivo mostrar que a ênfase no holismo e integração do desenvolvimento sustentado é um caminho para se evitar o aprofundamento das formas de proteção necessárias para a preservação ambiental.Tal argumento se baseia no princípio de que a mesma quantidade de capital (econômico, social, cultural, etc) deve ser transferida de geração para geração, e que é absolutamente ingênuo se pensar que a atividade econômica não deve nunca prejudicar o meio ambiente. Não leva em consideração que a natureza deste capital está sob constante mudança, e que não pode ser substituída. Que deve permanecer constante, de maneira a preserva a riqueza e proteção, para se evitar perturbações no status quo e no sistema vigentes.

O argumento da ameaça sustenta que uma sustentabilidade forte ainda deve ser desenvolvida do ponto de vista político para se tornar palatável. Que uma sustentabilidade fraca é a única maneira de se adotar princípios de sustentabilidade em um mundo de compromissos políticos. E que uma sustentabilidade forte pode levar à destruição aqueles elementos sociais sobre os quais tudo deve se manter. Ainda, tenta questionar se realmente sabemos como nos planejar e agir de maneira integrativa para que nunca tenhamos perdas. Ou seja, que em um modelo de sociedade sustentável possamos sempre satisfazer nossas vontades, tanto do ponto de vista financeiro como social e ambiental. Um modelo sustentável seria apenas válido se fosse aplicado a pequenos ajustes de desempenho financeiro. Tal é o modelo de sustentabilidade adotado pela China – só pode ser aplicado se for sem perdas econômicas e financeiras.

O problema em querer se implementar tal forma de sustentabilidade fraca, que atende às necessidades de mercado, é que é praticamente impossível se estabelecer uma justa medida entre grupos econômicos, grupos sociais, entre nações. Não é possível que todos os elementos sociais possam ter sempre todas suas necessidades atendidas, em seu mais alto nível. Tentar se estabelecer, arbitrariamente, uma “justa medida de satisfação e felicidade” para se promover o progresso, apenas reforça a identidade do “Grande Irmão”, e de formas de controle. A engenharia social servirá sempre para atender apenas aos interesses daqueles que estão no poder, mas nunca para promover uma real integração dos diversos setores sociais.

Cientistas sociais devem se debruçar sobre as questões que envolvem modelos de desenvolvimento sustentado, de maneira a conhecer e disseminar conhecimento das formas como relações culturais e sociais podem ser utilizadas para melhor se aproveitar os recursos naturais. Embora a natureza possa prescindir totalmente da existência da espécie humana, é a humanidade que determina os caminhos do verdadeiro desenvolvimento sustentado. É imperativo que os diversos setores sociais possam atuar de maneira determinante, junto ao governo e aos órgãos governamentais, de maneira a contribuir para a construção de tal modelo. Se não investirmos esforços consideráveis nesta direção, os esforços em busca de melhor qualidade e condições de vida correrão sérios riscos de serem perdidos e, consequentemente, de todas as implicações em que tais esforços resultam: instituições democráticas, filosofia de paz e tolerância, o real sentido de justiça social, reparação e reconcialiação, e o reconhecimento dos direitos de grupos sociais marginalizados.

A tomada do conhecimento dos argumentos de perversidade, futilidade e de ameaça de setores sociais conservadores não deve levar à animosidade, e sim ao questionamento contínuo sobre o real valor de tais argumentos. Afinal, o conceito de sustentabilidade não pode ser erigido em pseudo-concepções idealistas, tais como de ecotopias e sociedades ideais, e sim em princípios de diversidade e mudança. Uma análise interdisciplinar efetiva sobre um modelo de sustentabilidade deve levar em conta os prós e contras argumentos de viabilidade de vários ideais, bem como uma crítica fundamentada de visões de mundo muitas vezes opostas, que considere com seriedade a ausência de um cenário que seja necessariamente melhor ou a única saída para a resolução de inúmeros impasses atuais.

O argumento da futilidade deve ser continuamente identificado e combatido, por promover uma falsa visão de que, se problemas atuais não podem ser resolvidos de maneira eficaz, efetiva e rápida de acordo com um modelo de sustentabilidade, logo tal modelo deve ser abandonado. Sobretudo, o desenvolvimento de um modelo de sustentabilidade deve se basear no aprendizado contínuo de como pode ser construído, uma vez que até hoje nunca foi real objeto de consideração por parte dos governos e da sociedade. Já “a ameaça” pode resultar da implementação de mudanças por demais radicais. Etapas já conquistadas devem ser valorizadas, e incluem inclusive o aprendizado social de práticas de sustentabilidade.

Uma verdadeira filosofia de sustentabilidade implica em uma contínua ação unificadora. Porém, como a diversidade de abordagens de sustentabilidade, de acordo com o contexto social, político e econômico em que se inserem, pode levar a um quadro de análise complexo, é absolutamente necessário que se reforcem estudos e pesquisas sobre tais abordagens. Uma abordagem de sustentabilidade pragmática deve mostrar as claras distinções entre possíveis caminhos para a realização de mudanças e a simples manutenção do status quo. E, o que é muito mais difícil, indicar formas de distinguir a qualidade da mudança ou de preservação que está implícita nas diferentes estratégias de sustentabilidade.

Considerando-se que a solução para os defeitos da democracia é mais democracia, a promoção da educação, do esclarecimento, da verdadeira troca de idéias prospectiva leva unicamente ao reforço do conhecimento sobre a verdadeira democracia, que deve estar sobre um processo de crítica constante, bem como de renovação de suas manifestações políticas.

Esta é uma tradução livre e apreciação do artigo citado abaixo. Muito bom.

ResearchBlogging.orgHolden, M. (2010). The Rhetoric of Sustainability: Perversity, Futility, Jeopardy? Sustainability, 2 (2), 645-659 DOI: 10.3390/su2020645

Somente para viciados

No blog “química de produtos naturais” foram postadas várias matérias sobre o café, saborosa bebida de origem africana. Estudos sobre se a cafeína reduz perda de memória, ácido caféico e hipertermia, se o consumo de café pode aumentar ou diminuir a incidência de dores de cabeça, e se o café é uma panacéia, ou sobre abelhas que preferem néctar de plantas com doses suaves de cafeína. Confesso: sou chegado num bom café. Saboroso, sem ser ácido, preparado para ser consumido imediatamente, um bom café expresso, como o da cantina da Conceição, no campus da USP-São Carlos, perto do prédio da Arquitetura. Ali a cantina serve café expresso Kühl, de Limeira. Bom. Forte, saboroso, cremoso. Uma xícara de manhã e outra depois do almoço, está ótimo.

Descobrir onde tomar um bom café, em viagens por este mundo sem fim, pode ser um bom desafio. No ano passado, em Fortaleza, durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, por exemplo, havia um bom café expresso dentro de uma sorveteria. Virou ponto antes de ir assistir às apresentações do congresso. Nos EUA também não é fácil. O café do Starbucks não é fantástico (mas me disseram que as lojas de São Paulo tiveram que melhorar a forma de tirar café, para se adaptar aos paulistanos, exigentes tomadores de café). Há 11 anos, Vancouver (Canadá) tinha uma loja do Second Cup no campus da UBC com um excelente expresso duplo.

Café vicia? Acho que sim. E o consumo exagerado pode causar inúmeros problemas. O verbete da Wikipédia em inglês sobre a cafeína é bastante extenso e completo. Mas a melhor estória que conheço sobre café é de uma menina que vivia na Alemanha, nos idos de 1600-1700, e adorava café. Seu pai, muito preocupado com o hábito da filha, prometeu-lhe um casamento, desde que parasse de tomar a bebida. A menina, mais esperta que o pai, aceitou a proposta. Mas assim que conheceu seu pretendente, disse a ele que só se casaria se ele, o noivo, a deixasse tomar café depois que casassem. Uma trapaceira. Mas no fim todos concordam, filha, pai e noivo: café é uma bebida que, uma vez que se começa a tomar, é impossível de parar. Esta é a história da Cantata do Café, composta por Johann Sebastian Bach entre 1734 e 1735. Incluí a seguir a ária “Heute noch, lieber Vater” (“Ainda hoje, meu pai querido”), que infelizmente não é a melhor interpretação que já ouvi, pois a cantora canta ligeiramente atrasada com relação à orquestra. Em seguida, o coro final da cantata, “Die Katze läbt das Mausen nicht”, uma versão muito divertida que encontrei do YouTube.

A cantora Christiane Oelze, soprano, é a intérprete da Ária, com a Bach-Collegium Stuttgart sob a regência de Helmuth Rilling. O coro final é interpretado pela Freiburg Baroque Orchestra.

Gingko biloba: remédio?

Ginkgo biloba é uma planta considerada um fóssil vivo, pois pertence à família das Ginkgoaceae, das quais já foram encontrados espécimens petrificados os quais, se presume, estavam vivos há 300 milhões de anos. Estas plantas se tornaram praticamente extintas durante o Período Terciário (cerca de 60 milhões de anos atrás), restando dois de 19 gêneros com quase 60 espécies.

Esta planta é amplamente utilizada na medicina oriental (Japão e China), onde foi e é empregada para o tratamento de tosse, asma bronquial e até bebedeira pesada. Fitofármacos (medicamentos que têm extratos vegetais por base) à base de G. biloba são dos mais utilizados no mundo, inclusive no Brasil, para o tratamento de insuficiência do fluxo sanguíneo, insuficiência cerebral, depressão, vertigens e tonturas, dores de cabeça, déficit intelectual. Porém, testes clínicos realizados com G. biloba, apesar de serem numerosos, são controversos. Ensaios realizados com idosos com sintomas da doença de Alzheimer não apresentaram resultados evidentes. O chá de G. biloba também é bastante utilizado, apesar de conter concentrações de ácidos ginkgólicos 80 vezes maiores do que as recomendadas. E muito provavelmente também contém a gingkotoxina.

A gingkotoxina é formada na planta através de uma via bioquímica muito parecida com aquela que leva à formação da piridoxina, também conhecida por vitamina B6. Sendo assim, quando consumida em excesso, a gingkotoxina atua como um competidor da vitamina B6, uma vitamina essencial para o metabolismo dos aminoácidos. Indivíduos com carência de vitamina B6 apresentam dermatite (inflamação da pele), anemia, gengivite, feridas na boca e na língua, náusea e nervosismo.

No Japão, as sementes de G. biloba são consumidas como alimento, mas podem causar intoxicação com sintomas característicos. Tais intoxicações já foram registradas 70 vezes, das quais 27% levaram à morte. Foram particularmente freqüentes durante a 2ª Guerra Mundial, quando houve escassez de alimentos no Japão. Pacientes que ingeriram sementes de G. biloba apresentaram quadro convulsivo, com vômitos e falta de consciência. Outras plantas que também contém gingkotoxina, como espécies do gênero Albizzia, são responsáveis por inúmeros casos de intoxicação de gado na África.

Devido à sua similaridade com a vitamina B6, esta última é utilizada como antídoto em casos de intoxicação por gingkotoxina, que está presente não somente nas sementes, mas também nas folhas de G. biloba, muito utilizadas em fitoterapia. Além disso, vários medicamentos contém quantidades de gingkotoxina entre 11,4 e 58,5 mg, sendo que a quantidade máxima reocomendada para ingestão diária é de entre 0,09 e 11,9 mg. A ingestão continuada de medicamentos contendo gingkotoxina pode levar ao surgimento de quadros clínicos convulsivos de natureza epiléptica. A presença de gingkotoxina em fitomedicamentos e medicamentos comprovadamente atua em detrimento da saúde dos pacientes.

Desta forma, órgãos reguladores de saúde na Europa recentemente estabeleceram restrições na utilização, bem como obrigatoriedade de advertência na bula e na embalagem, de medicamentos à base de G. biloba. No Brasil e no mundo o consumo de fitomedicamentos contendo G. biloba é extremamente elevado. Talvez por desconhecimento dos potenciais danos à saúde que eventualmente o consumo desta planta pode causar.

Referências
L. C. Baratto, J. C. Rodighero e C. A. de Moraes Santos: “Ginkgo biloba: o chá das folhas é seguro?”. (revista Ciência Hoje)
Entrevista com Luís Carlos Marques, especialista em Fitoterapia, mestre em Botânica e doutor em Ciências. Professor do Departamento de Farmácia e Farmacologia da Universidade Estadual de Maringá.

ResearchBlogging.orgLeistner, E., & Drewke, C. (2010). Gingko biloba and Ginkgotoxin, Journal of Natural Products, 73 (1), 86-92 DOI: 10.1021/np9005019

O fim, quando?

Assumindo que o universo teve um início, com o Big Bang, também terá um fim? Este fim é inevitável? E, se sim, em menor escala podemos considerar que a permanência da humanidade, ou da vida, na Terra, também chegará a ter um fim? Certo?

Nada é tão certo nesta seara, em que muitas questões permanecem em aberto. Um dos principais focos a se levar em conta é se a humanidade pode se sustentar, ou pode ser sustentada, e por quanto tempo, pois não é possível excluir a humanidade do ambiente em que vive, seja o ambiente terrestre ou o extra-terrestre. No que se refere ao terrestre, a permanência da humanidade na Terra está intimamente relacionada a fatores ambientais bem conhecidos, como as mudanças climáticas, perda de biodiversidade, ruptura dos ciclos do nitrogênio e do fósforo. Como a Terra não está em um sistema isolado, as interações com o universo influenciam diretamente a longevidade da vida terrestre. Raios solares, radiação, asteróides, cometas, e a possibilidade da existência da vida alhures são fatores incontestavelmente importantes. Mesmo porque algumas teorias sustentam que a vida tenha se originado a partir de matéria orgânica trazida à Terra por corpos celestes.

De acordo com Seth D. Baum (Pennsylvania State University), três abordagens principais podem ser usadas para a elaboração de argumentos sobre a longevidade (ou não) da humanidade na Terra: o determinismo ambiental, o paradoxo de Fermi e a escatologia física.

O determinismo ambiental estabelece que a permanência da humanidade na Terra depende unicamente de fatores ambientais, e não de decisões humanas. Assim, se as condições ambientais forem suficientemente generosas, poderemos viver na Terra por muito tempo. Caso contrário, estamos fadados ao desaparecimento.

No passado, o determinismo ambiental foi utilizado como argumento para explicar a superioridade cultural e fisiológica dos povos europeus sobre os outros povos. Dizia-se que os povos que viviam em regiões mais quentes e ensolaradas eram preguiçosos, ao contrário daqueles que viviam em regiões mais temperadas. Tais argumentos, ao lado do Darwinismo social, justificaram atitudes racistas e as práticas colonialistas que promoveram a escravidão e a exploração à exaustão dos povos de regiões não-européias.

Atualmente o determinismo ambiental é considerado como sendo uma alternativa pobre para explicar a sobrevida da humanidade na Terra, ainda que os fatores ambientais influenciem diretamente a ocupação de territórios inóspitos e a prosperidade em regiões exauridas. Considera-se que se o determinismo ambiental fosse o principal fator a estabelecer a permanência do homem na Terra, haveria muito pouco a se fazer para mudar cenários ambientalmente catastróficos. Por outro lado, se as decisões humanas podem influenciar diretamente a longevidade da espécie humana, muito pode ser feito para se transformar um cenário essencialmente pessimista. Mesmo assim, existem limitações ambientais que não podem ser ultrapassadas.

Como as formas de vida que conhecemos são as únicas que conhecemos,  e o sistema bioquímico que rege a vida na sua essência é universal, tal conhecimento nos indica que a posição do planeta no sistema solar determinou diretamente o surgimento da vida.  Por exemplo, a intensidade de radiação do sol, a ocorrência muito esparsa de “acidentes” com outros corpos celestes, bem como a história da evolução geofísica da Terra, são fatorres que influenciaram diretamente sobre o surgimento e evolução das espécies biológicas. Da mesma forma, a existência da humanidade no planeta só foi possível de acordo com as condições ambientais favoráveis para seu surgimento e manutenção. Mas não sabemos nada, ou sabemos muito pouco, sobre a existência de vida em outros planetas no Universo.

O físico Enrico Fermi (1901-1954) foi o primeiro a realizar cálculos sobre a possibilidade da existência de vida inteligente fora do planeta Terra, e formulou o seguinte paradoxo: se existem civilizações extra-terrestres, aonde estão? (conhecido como o paradoxo de Fermi). Possíveis soluções para tal questionamento:
a) existem, mas ficam apenas nos observando;
b) existem, mas em determinado ponto de sua existência são levadas inerentemente à auto-destruição;
c) existem, e crescem exponencialmente, mas ainda não as conhecemos.

Os problemas com estas respostas são os seguintes. A primeira parece ser uma resposta muito pouco provável, tendo em vista que tal atitude seria, no mínimo, bastante infantil para seres tão desenvolvidos. Já a segunda é bastante plausível, e poderia explicar o porquê de não termos ainda conhecimento de civilizações extra-terrestres. O problema é que, se tal destino for o de civilizações inteligentes, são menos inteligentes do que poderiam parecer. Tal parece ser o caso da civilização humana na Terra. A terceira resposta também é plausível do ponto de vista probabilístico, mas não do ponto de vista do determinismo ambiental. Pois a quantidade de recursos ambientais é sempre limitada, e não é possível para uma civilização crescer indefinidamente, em um único planeta, ou diferentes civilizações no Universo. A partir de determinado ponto de consumo e utilização dos recursos naturais, a perda de viabilidade ambiental leva à destruição de populações de tal forma que a constituição original de uma espécie fica inexoravelmente comprometida.

Embora exista a possibilidade da humanidade ocupar outros planetas, a atual tecnologia disponível ainda não permite a concretização desta proeza. Desta maneira, é melhor se levar em conta que os recursos naturais têm ocorrência e disponibilidade limitada, e diminuir sua  utilização, do crescimento populacional e das necessidades de consumo. Uma mudança de tal natureza no padrão de desenvolvimento humano poderia levar a uma situação de sustentabilidade prolongada. Civilizações extra-terrestres realmente inteligentes podem ter atingido tais níveis de equilíbrio em seu desenvolvimento, ainda que não nos sejam conhecidas.

Um dos atuais problemas para a sustentabilidade da sociedade humana na Terra é o consumo de energia. Inúmeras formas de utilização de diferentes matrizes energéticas estão sendo pesquisadas e exploradas, e ampliam os recursos para a expansão continuada da economia de consumo. Mesmo assim, os recursos energéticos disponíveis atingirão um limite de exploração e utilização. A possibilidade de se buscar recursos extra-terrestres não pode ser descartada, e a utilização de hélio-3, extremamente abundante na superfície lunar, poderia ser a solução como matriz energética durante os próximos 10 mil anos (através de fusão nuclear). Bastaria que fossem desenvolvidas formas de se extrair, trazer e armazenar hélio-3 na Terra.

O paradoxo de Fermi não exclui a possibilidade de estarmos no único planeta com vida de todo o universo. Esta hipótese parece ser ridícula? Não segundo Ward e Brownlee (2000). Se isso for verdadeiro, fica difícil aprendermos algo sobre a possibilidade da existência de vida extra-terrestre. E nosso grau de compromisso intra-específico e com o ambiente se torna significativamente mais importante.

Resta considerar a física escatológica, escatologia esta que faz alusão ao fim dos tempos, o fim do mundo, do universo, ou da humanidade, apocalíptico ou não. Tal escatologia seria de caráter determinista, e não haveria escolha. A ocorrência de asteróides gigantes, altamente destrutivos, corrobora uma hipótese desta natureza, e não poderiam ser impedidos por quem quer que seja, nem mesmo por Bruce Willis (e
m Armageddon). Porém, a física escatológica considera não somente finais cataclísmicos, como também um churrasco interminável, em que o sol aumentaria de tamanho (fato comprovado) e sua irradiação luminosa também. Em muitos milhões de anos tal aquecimento promoveria fusão dos silicatos, que consumiriam quantidades apreciáveis do CO2 presente na atmosfera, comprometendo o processo de fotossíntese. Em tais condições, a vida desapareceria por completo, antes de “passar do ponto”. Para tais casos, a geoengenharia teria que ser amplamente explorada para se evitar tais cenários. Mas não para sempre. Em 100.000.000.000.000 de anos as estrelas cessarão seu brilho, e em 100.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 de anos o número de prótons disponíveis no universo será muito pequeno.

Como a vida não será eterna, nem aqui nem em lugar nenhum, devem ser avaliadas e tomadas decisões de profundo caráter ético, de maneira a minimizar ao máximo o prejuízo à espécie humana, intrinsecamente ligada às outras espécies do planeta. Levar em conta que as possibilidades de manutenção da vida são infinitas implica que um possível número de tais decisões poderia também ser infinito. Porém, sermos realistas implica em sermos responsáveis. A existência do Universo é estimada em vários bilhões de anos – mas não a existência da humanidade. Ainda que seja possível migrar para outros planetas, indefinidamente, tal perspectiva é ainda impossível, no estado atual de nosso conhecimento científico e tecnológico. Logo, a sustentabilidade da espécie humana deve levar em conta nossas atuais limitações.

Embora a questão da premência em se tomar tais decisões seja bastante debatida, se definir o momento adequado para tais decisões dificilmente pode ser estabelecido. Aparentemente, não o atual, segundo nossos governantes. O grande fracasso da COP-15, e a falta de compromisso da Índia e da China em estabelecer políticas concretas contra emissões de carbono, mostram claramente que o momento atual “parece” não ser o mais importante para a tomada de decisões desta natureza, e a implantação de ações efetivas para minorar possíveis problemas naturais que afetariam a espécie humana na Terra.

Colonizar outros planetas parece ser uma real possibilidade, e muitos pesquisadores pensam que temos muito tempo para desenvolver tecnologias para tal, se nada de muito ruim acontecer antes: guerras nucleares, emergência de grandes pandemias, colapso ambiental, e o impacto de um grande asteróide (mas quem sabe… Bruce Willis … quem sabe?). Tais riscos são muito mais iminentes do que o fim do mundo, tal como concebido no apocalipse e por seitas catastrofistas. E por isso mesmo devem ser levados muito mais a sério. Mesmo o físico Stephen Hawking defende a idéia que a migração para outros planetas seria nossa salvação. Propostas incluem também a criação de uma biblioteca digital completa sobre a humanidade na Lua (Burrows, 2006), ou a criação de refúgios  (Hanson, 2008) ou de bancos de sementes aqui na Terra (Charles, 2006).

Embora tais cenários mais pareçam temas de histórias de ficção científica, não se pode negligenciar a crescente perda de diversidade biológica, o (possível, ou provável?) aquecimento global e a possível diminuição de fitoplâncton que comprometeria severamente a fixação de carbono através da fotossíntese.

Segundo Dawkins (em “O Gene Egoísta”), genes são as únicas entidades que se perpetuam na luta pela existência. Embora seu ponto de vista pareça um tanto quanto determinista e reducionista, poderia explicar que o instinto de sobrevivência da espécie humana (de origem genética) poderá, de certa forma, levar a uma mudança de visão de mundo (weltanschaung) em um futuro não muito distante. De outra forma, a evolução biológica, através da seleção natural, passará por cima da espécie humana como um caminhão passa por cima de um tomate.

Referências
Ward, P.D.; Brownlee, D. (2000) Rare Earth: Why Complex Life Is Uncommon in the Universe; Copernicus Books: New York, NY, USA.
Burrows, W.E. (2006) The Survival Imperative; Tom Doherty: New York, NY, USA.
Hanson R. (2008) Catastrophe, social collapse, and human extinction. In Global Catastrophic Risks; Bostrom, N., Ćirković, M., Eds.; Oxford University Press: Oxford, UK, pp. 363-377.
Charles, D.A. (2006) “Forever” seed bank takes root in the Arctic. Science, 312, 1730-1731.
ResearchBlogging.orgSeth D. Baum (2010). Is Humanity Doomed? Insights from Astrobiology Sustainability, 2, 591-603 : 10.3390/su2020591

Química, Física e Estética

A natureza humana traz no seu bojo a manifestação da beleza e a apreciação da beleza como uma de suas características únicas, associadas principalmente à intuição e aos sentimentos. A criação de obras de arte é conhecida de antes mesmo da escrita, o que nos faz considerar que o senso estético precede a linguagem. Assim, não é de se estranhar que várias culturas, ocidentais e orientais, desenvolveram várias formas de manifestação estética através da arte.

A arte da confecção de peças de cerâmica é conhecida desde a antiguidade clássica, no caso da civilização ocidental, e mesmo de antes nas culturas orientais, para as quais já foram descobertas peças datadas de 16.000 anos. A cultura japonesa, em particular, traz consigo uma longa tradição na confecção de jarros, cumbucas, xícaras e bules de uma beleza única. São peças refinadas, utilizadas tanto no dia-a-dia como em ocasiões especiais e cerimônias. Os japoneses dominam como poucos a arte da confecção destas peças, que traz consigo nuances sofisticadas, reveladas em artigo de pesquisadores japoneses publicado na prestigiosa revista Accounts of Chemical Research. Fruto de 30 anos de investigações, a narrativa mostra os processos químicos e físicos associados à confecção artesanal de jarros da região de Bizen, província de Okayama, no Japão.

A origem da técnica foi copiada de artesanato da península da Coréia, e expressa, na sua essência, dois conceitos básicos: wabi (imagem de riqueza e beleza na simplicidade e pobreza) e sabi (senso estético de solidão), criados pelo mestre Sen no Rikyu (1522-1591). O artesanato de Bizen é um dos mais populares do Japão, e tem como base o emprego de argila e calor. O artista deve dominar a utilização tanto de um como de outro, de maneira a criar peças cerâmicas com diferentes nuances de cores: vermelho, laranja, púrpura, amarelo e preto, sem a utilização de tintas. Uma das tonalidades mais apreciadas do artesanato de Bizen é o vermelho-alaranjado, chamada de hidasuki. Esta coloração foi descoberta acidentalmente quando do uso de palha de arroz na separação dos jarros quando estes são levados ao forno. A palha de arroz, inicialmente utilizada para separar os jarros e não deixá-los grudar uns nos outros, promove o surgimento da cor hidasuki na superfície da argila.

Os artesãos que descobriram por acaso o hidasuki observaram que dois fatores influenciam na tonalidade da cor: a qualidade da argila e da palha de arroz utilizadas. A argila empregada na confecção destas peças deve necessariamente ser de plantações de arroz da região de Bizen – daí o nome – e apresenta na sua composição SiO2, TiO2, Al2O3, Fe2O3, CaO, MgO, MnO, K2O, Na2O e P2O5. A palha de arroz utilizada na confecção das porcelanas de Bizen é rico em potássio, o qual é reduzido a K2O na presença de cristobalita (SiO2) em forno. O surgimento da cor hidasuki se deve à presença de hematita na argila. A coloração das partículas de hematita muda de acordo com seu tamanho – pequenas partículas de coloração vermelha a partículas grandes, pretas. O aquecimento da hematita a temperaturas acima de 800 oC leva à agregação e crescimento dos cristais.

Sem a palha de arroz a cerâmica de Bizen não adquire a coloração hidasuki. Como ilustrado na figura abaixo, os autores japoneses prepararam pastilhas de argilas de Bizen de diferentes maneiras. Na figura (a) é mostrada uma pastilha feita de argila de Bizen sem arroz, e contém quartzo, cristobalita e mulita [(Al,Fe)6Si2O13, com a razão Al/Fe de aproximadamente 9/1]. A pastilha (b) foi feita na presença de palha de arroz, porém foi rapidamente resfriada, levando à formação de uma superfície vitrificada. As pastilhas (c) e (d) foram preparadas com argila de Bizen e palha de arroz, mas resfriadas lentamente. Medidas por difratometria de raios-X, microscopia eletrônica de varredura, microscopia de transmissão de elétrons e difratometria de elétrons permitiram os autores japoneses verificar que o resfriamento lento das peças de cerâmica leva a um aumento da concentração de hematita cristalizada de diferentes formas.

As análises indicaram que a argila preparada sem palha de arroz apresenta cristais de mulita na forma de agulhas [figura (a), a seguir]. Já a pastilha obtida por resfriamento rápido apresenta grandes cristais planos (b), que podem se tornar hexagonais na presença de Si, Ca, Mg e Na. Quando preparada com arroz e deixada a resfriar lentamente, as pastilhas formadas apresentam grandes cristais esféricos de corundum (óxido de alumínio, Al2O3) sobre os quais estão cristais escuros de hematita (c) e (d). Análises refinadas por microscopia de transmissão de elétrons destes cristais mostram cristais de corundum de aproximadamente 1,5 µm coberto de cristais de hematita de 0,5 µm [fotografia (a), depois do conjunto (a)-(d)] A fotografia (d) indica estruturas cristalinas marcadas C+H, com uma composição “sanduíche” alfa-Fe2O3/alfa-Al2O3/alfa-Fe2O3. Os autores indicam que o mecanismo de formação da coloração hidasuki é o seguinte: primeiro, uma reação dos componentes da argila de Bizen com o potássio presente na palha de arroz a 1250 °C resulta na formação de duas fases: uma líquida – SiO2 – e corundum, sólida (Al2O3). Durante o processo de resfriamento, os cristais de hematita crescem sobre os cristais de corundum. O problema é o oxigênio.

O teor de oxigênio durante o processo de preparação da porcelana de Bizen também é crítico. Os pesquisadores japoneses prepararam diferentes pastilhas de argila a 1250 °C, sob diferentes atmosferas: (a) atmosfera de N2 (nitrogênio), livre de O2; (b) com uma atmosfera composta de 99% de N2 e 1% de O2; (c) 98% N2 e 2% O2; (d) 95% N2, 5% O2. Como é possível ver, a coloração das pastilhas muda bastante de acordo com a composição de gases utilizada na sua preparação.

A presença de fósforo (na forma de P2O5) e carbono (das cinzas da palha de arroz) também influencia na coloração da cerâmica obtida. A presença de fósforo leva à formação de schreibersita (Fe3P). Já a presença de car
bono leva à formação de grafite. Ambos participam na coloração final da peça de cerâmica preparada. As peças de cerâmica mais claras são ricas em uma forma de hematita denominada de epsilon-Fe2O3, que forma cristais perpendiculares à superfície de mulita onde estão aderidos (figuras a, b e c, a seguir). Esta forma de hematita, epsilon-Fe2O3, muda sua forma cristalina de acordo com a pressão parcial de oxigênio (O2) na atmosfera em que os cristais são formados, e é responsável pela coloração de tom alaranjado das peças de cerâmica.

O trabalho dos autores japoneses traz à luz fatores químicos e físicos que determinam a composição de materiais argilosos utilizados na preparação de cerâmicas, material extremamente versátil utilizado para os mais diversos fins. Surpreendente é a tecnologia desenvolvida pelos artesãos japoneses durante séculos de maneira intuitiva e empírica. A principal motivação para a criação das peças de cerâmica de Bizen é estética – pura beleza.

Referência

ResearchBlogging.orgKusano, Y., Fukuhara, M., Takada, J., Doi, A., Ikeda, Y., & Takano, M. (2010). Science in the Art of the Master Bizen Potter Accounts of Chemical Research DOI: 10.1021/ar9001872

Nota: a utilização de figuras é autorizada pela American Chemical Society (veja aqui).

Quanto vale uma idéia?

Você publicaria sua proposta de projeto científico em uma revista? Você considera tal possibilidade viável?

O editor Shu-Kun Lin, do sistema MDPI de revistas de acesso aberto, acaba de lançar a revista Challenges, que terá por objetivo a publicação de projetos de pesquisas e idéias inovadoras. É, no mínimo, uma concepção bastante diferente do que pode ser publicado em uma revista científica.

Por detrás de uma proposta de projeto deve estar uma idéia, bem fundamentada. E ter idéias novas, construídas em bases científicas, não é simples. Bem pelo contrário – não são todos os dias que se têm boas idéias. Muitas vezes são difíceis de serem encontradas.

Algumas das melhores idéias científicas já propostas foram escolhidas por pesquisadores da Bell Laboratories, e demonstram o poder criativo de pesquisadores natos ou muito experientes na concepção de sistemas que literalmente transformaram o mundo.

1. A telefonia: A. Graham Bell, 1876.
2. A câmera para captura de movimento: Thomas Edison, 1897.
3. Sistemas de telecomunicações G. Marconi, 1897 e N. Tesla, 1901.
4. Sistemas de televisão: P. T. Farnsworth, 1930, V. K. Zworykin, 1935 e 1938.
5. Amplificadores de Semicondutores: W. B. Shockley, 1950.
6. Transistores: J. Bardeen e W. H. Brattain, 1950.
7. Masers e sistemas de comunicação por maser: A. L. Schaklow e C. H. Townes, 1960.
8. Detecção de câncer por imagens de ressonância magnética: R. D. Damadian, 1974.
9. Fibras óticas: R. D. Maurer e P. C. Schultz, 1972; D. B. Keck, 1973; W. W. Wolf, 1976.
10. Redes inteligentes: R. P. Weber, 1980.
11. O sistema ALOHA – INTERNET: 1968, início.

Com exceção da internet, que não foi patenteada, os anos dos 10 outros ítens se referem aos anos de publicação das patentes.

A publicação de projetos de pesquisa (inéditos?) é uma aventura que considero arriscada. Muitas vezes uma idéia leva à outra. Um projeto científico inicial desemboca em outro, que leva a outro, ou muitos outros. Publicar uma idéia pode ser arriscado. Pois nunca se sabe o real valor de uma idéia. Hoje, pode não ter valor nenhum. Mas amanhã…

Referência

ResearchBlogging.orgLin, S. (2010). Challenges – An Open Access Scientific Journal for Research Proposals and Open Problems Challenges, 1 (1), 1-2 DOI: 10.3390/challe1010001

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