A força das prefeituras

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado.

Por Victor Young.

Para muitos, a impressão que as eleições municipais causam é a de que, depois do pleito, pouca coisa muda substancialmente em termos econômicos e sociais para a população de um modo geral. Assim, a escolha dos prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios do país[1] seria apenas um acontecimento inerte que, ao referir-se somente ao município, acabaria por estabelecer poucas relações com aquilo que é externo à cidade. Além disso, a tradição da política brasileira, permeada por fisiologismos, e a forma como as receitas dos impostos são distribuídas entre união, estados e municípios, limitariam os mais bem intencionados políticos locais em suas ações para a melhoria das condições do cidadão. No Brasil, conforme nossa Constituição, todos municípios têm as mesmas prerrogativas e responsabilidades, no entanto, entre estes há diferentes receitas, gastos, dotações em termos de recursos locais e diferentes conexões políticas e econômicas. A sensação de baixo dinamismo, muitas vezes, se dá em função do fato de que poucos municípios são os que realmente desfrutam de autonomia econômica para seu desenvolvimento econômico. Pensamos, dessa maneira, trazer para discussão, às vésperas das votações, alguns elementos econômicos que se referem a esta importante instância legislativa e administrativa estatal para que não fiquem totalmente ocultos em meio às disputas de narrativa tão comuns no período eleitoral.

De acordo com a Constituição brasileira, além das competências que compartilham com os estados e a união, como conservar o patrimônio público; assistir pessoas portadoras de deficiência; proteger bens públicos históricos, culturais e naturais; promover o acesso à ciência e à cultura; proteger o meio ambiente; organizar o abastecimento alimentar; melhorar a moradia da população; combater a pobreza e zelar pela segurança no trânsito; é responsabilidade específica dos municípios prestar serviços públicos locais de caráter essencial; manter a educação infantil e o ensino fundamental; atender à saúde da população, controlar o uso e a ocupação de seu território; e proteger o patrimônio histórico-cultural local[2]. Por um lado, o prefeito deve buscar cumprir tais objetivos por meio de sua ação administrativa sobre os recursos da prefeitura, por outro, os vereadores, em sua ação legislativa, devem apoiá-lo nesse sentido, criando as leis necessárias, aprovando ou reprovando propostas do prefeito e fiscalizando sua ação. Dessa maneira, a constituição do aparato administrativo e operacional para tratar de todos estes interesses não é pouca coisa ao considerarmos que as prefeituras recebem a menor parte do bolo tributário, ou seja, em torno de 16% a 17% de toda a arrecadação de impostos no país[3]. Este dado, para alguns casos pode ser ainda pior, já que esta média não nos permite ter uma ideia das diferenças de arrecadação municipais em diferentes regiões do país. Outro limitante é a impossibilidade do endividamento municipal dada pela Constituição Federal. No artigo 29-A (incluído no ano 2000) há um impedimento para que os gastos municipais ultrapassem as receitas no limite de 3,5% a 7%, dependendo do tamanho da população do município[4]. Um primeiro ponto a ser compreendido é que, no Brasil, prefeitos e vereadores têm diante de si uma responsabilidade de grande monta frente à sociedade, mas, a princípio, não contariam com os recursos necessários para tentar cumpri-la.

Muitos municípios no Brasil, principalmente nos estados mais ricos, em que a infraestrutura e os recursos humanos tendem a ser mais abundantes, de tempos em tempos, logram obter recursos para a implementação de seus projetos. Isto pode ocorrer em função de suas melhores possibilidades financeiras internas, como também pode acontecer em virtude de novos investimentos, públicos ou privados, que sua localidade muitas vezes atrai. A grande maioria dos municípios, entretanto, estrangulados pelos parcos recursos orçamentários de que dispõem, acabam por ter como única alternativa a busca por ajuda adicional junto às instâncias estadual e federal[5]. São uma ampla gama de cidades espalhadas pelo território nacional que não contam com indústrias ou setores dinâmicos que permitam constituir uma economia de mercado atraente[6], não possuem recursos naturais que possam ser prontamente explorados, há falta de infraestrutura adequada para o incentivo e o incremento do turismo e, por fim, não possuem conexões externas que as liguem a circuitos internacionais de produção[7]. Para a viabilização de seus potenciais produtivos, em termos de bens e serviços, que permitiriam novos patamares de desenvolvimento socioeconômico, os municípios precisam daquilo que não têm: crédito e investimentos de médio e longo prazos.

Nas eleições, há, pelo menos, duas questões a serem resolvidas pelos futuros prefeitos e vereadores. Primeira: em meio a uma situação de pouca autonomia financeira e ampla dependência em relação às esferas estadual e federal, como prefeitos e vereadores atuarão depois de eleitos, se realmente pretendem realizar o que prometem?  Segunda: de onde virá o financiamento para suas obras e projetos? Apesar de muitas candidaturas apresentarem-se anedoticamente ou buscarem o apelo emocional para conquistar o eleitor, são estas questões financeiras que realmente terão de ser tratadas por aqueles que foram eleitos e que têm interesse em mobilizar-se para cumprir seus deveres constitucionais. Assim, por pior que pareça a propaganda eleitoral e as outras formas com que os candidatos buscam o contato com aquele que vota, é necessário tentar identificar nos proponentes não só suas intenções, mas se estes tem qualquer ideia do que terão de enfrentar no sentido de realizar suas promessas dentro daquilo que está posto pela Constituição, pois, a experiência política que o Brasil vive atualmente nos mostra que a ausência total de preparo ou mesmo a incapacidade de ter ideias viáveis frente aos problemas que se apresentam nos fazem constantemente ir a lugar nenhum.


[1] Conforme dados do IBGE, há no Brasil 5.570 municípios. Ver: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html?view=municipio. Acessado em: 11 de novembro de 2020.

[2] Ver Artigos 23 e 30 da Constituição Federal de 1988 em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Para os setores de Educação e Saúde a prefeitura deve contar com a cooperação financeira do respectivo estado e da união.

[3] Para a distribuição do bolo fiscal ver: Estudo Técnico da Confederação Nacional dos Municípios. Estudos Fiscais: Estimativas da Participação dos Entes da Federação no Bolo Tributário, CNM: Brasília, 2009. Quanto às fontes de arrecadação tributária próprias das prefeituras, podemos considerar que o orçamento destas conta com as receitas do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano, ITBI (Imposto sobre Transação Intervivos de Bens Imóveis), ISSQN (Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza), repasse de 25% da arrecadação de ICMS do Estado (dividido entre todos os municípios), taxas e multas municipais e outras transferências obrigatórias de outras instâncias governamentais.

[4] CF/88, Artigo 23-A.

[5] Infelizmente, nesta conexão política, prefeitos e vereadores acabam por utilizar a máquina de governo municipal para angariar votos locais e barganhá-los nas eleições legislativas e executivas em âmbito estadual e federal. Buscam dessa forma conquistar parte adicional dos recursos que estão em outras esferas. Afinal é nas cidades que a maioria dos eleitores estão e é nelas que a maior parte dos gastos estaduais e federais acontecem.

[6] No Brasil, muitos municípios estão dispersos em um território extenso, baseados em uma agricultura pouco dinâmica, não contando com conexões e infraestrutura para a constituição de uma atrativa rede de cidades interligadas.

[7] Há no Brasil e no mundo, cidades que, em função de incentivos como isenção de impostos, cessão de terrenos, baixos salários e uma e outra conexão com centros produtivos nacionais ou com vias de escoamento externo como portos, aeroportos ou vias rodoviárias de tráfico internacional, conseguem atrair investimentos estrangeiros de empresas multinacionais que se ligam aos mercados nacionais e internacionais.

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