Revistas das ciências humanas sob pressão para internacionalizar seus conteúdos

Por Kátia Kishi

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Crédito da imagem: Roberto Jesus Oscar – COC Fiocruz

O projeto SciELO surgiu como uma estratégia de promoção e melhoria das revistas científicas brasileiras, sobretudo das ciências humanas em acesso aberto, como forma de melhorar a circulação, visibilidade e para contribuir em debates mais amplos. Depois de 16 anos, essa biblioteca científica virtual atende a todas as áreas do conhecimento, cobre 15 países e fortalece as estratégias de internacionalização.

Porém, no Brasil, as revistas indicam a predominância do português como idioma dos artigos e grande porcentagem de autores nacionais com poucas parcerias plurinacionais. Esse contexto fez com que o SciELO Brasil estabelecesse novos critérios de indexação na intenção de uma maior visibilidade e credibilidade internacional. Os critérios definem uma porcentagem geral mínima de 60%, e recomendável 75% (variável por área, confira nas tabelas), de artigos na língua inglesa, além de porcentagens (também variável por área) de autores, pareceristas e editores estrangeiros nas revistas.

Fonte: Critérios SciELO
Fonte: Critérios SciELO

 

Fonte: Critérios SciELO
Fonte: Critérios SciELO

Apesar das justificativas da base indexadora, o termo “internacionalização” continua gerando conflitos entre editores sobre as exigências e o que realmente é efetivo e sustentável, principalmente porque ela implica em custos mais elevados com recursos humanos, traduções e revisões, havendo um desequilíbrio das revistas latino-americanas, por exemplo, com as de países anglos saxões, explica Stefan Pohl-Valero, da colombiana Revista Ciencias de la Salud.

Regina Horta, editora do periódico brasileiro Varia História, também argumenta que algumas revistas podem acabar sendo injustas com autores e leitores ao aceitarem um artigo em inglês com qualidade inferior de um em português apenas para atenderem exigências de indexação. A editora também lembra que a internacionalização é um meio “para garantir um conhecimento de qualidade em circulação”, mas não deve se basear apenas em porcentagens de autores estrangeiros ou quantos artigos estão em inglês, principalmente porque devido aos altos custos, algumas revistas podem ter traduções que desvalorizam a pesquisa: “São critérios de indexação que existem, no entanto, eles não são suficientes. Eles são necessários. É importante que haja uma diversidade de línguas, é importante que haja autores de instituições diferentes, mas só isso não basta”.

Horta também defende que no caso das revistas brasileiras, o espanhol deve ser repensado como estratégia de internacionalização, principalmente por conta das parcerias na América Latina. Alfredo Ávila, editor da Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, também intercede pela consideração do espanhol como língua influente, já que é a terceira mais falada no mundo, e exemplifica com a experiência de sua revista, na qual os autores norte-americanos que publicam mantêm os artigos em espanhol, indo na contramão do inglês como ferramenta de internacionalização: “Nas ciências duras se insiste na publicação em inglês, mas nós partimos da ideia que nossa revista publica artigos do México e América Latina e todos os especialistas de México e América Latina no mundo (seja na China, Estados Unidos ou Europa) entendem espanhol, pelo menos leem em espanhol. Então, acreditamos que o espanhol é uma língua internacional”.

Nelson Sanjad, editor adjunto da História, Ciência, Saúde – Manguinhos (HCSM), lembra que a internacionalização é muito mais complexa que a definição de uma língua comum ou de editores e autores estrangeiros, caindo nas questões sobre a ciência produzida no Brasil: “Como conversar sobre a internacionalização se a nossa tradição científica, a ciência brasileira, tem características próprias, nacionais e soberanas? Temos que olhar esses aspectos todos porque, por mais que tenhamos todos os periódicos escritos em inglês, editores de outros países, autores publicando em nossas revistas, pode ser que as nossas revistas continuem sendo vistas no exterior como revistas brasileiras que publicam, sobretudo, artigos realizados no Brasil e sobre o Brasil.”.

As discussões foram realizadas no Rio de Janeiro durante o “1º Workshop Internacional sobre os Desafios de Revistas Interdisciplinares”, organizado pela revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos (HCSM) com o periódico inglês Journal of Latin American Studies (JLAS) e apoio da British Academy, no final do mês de junho.

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