Acesso aberto de revistas científicas é cada vez mais desejado, mas esbarra em desafios relativos ao financiamento

Por Kátia Kishi

Mesa sobre o panorama e desafios da política de Acesso Aberto com Jaime Benchimol, André Felipe, Paulo Drinot e Gabriela Bortz. (Crédito da imagem: Roberto Jesus Oscar - COC Fiocruz)
Jaime Benchimol, André Felipe, Paulo Drinot e Gabriela Bortz. (Crédito da imagem: Roberto Jesus Oscar – COC Fiocruz)

As revistas científicas são fundamentais para a comunicação de resultados de pesquisa, mas, diante do avanço tecnológico e da globalização do conhecimento, elas passam por dilemas para se adequarem às pressões a fim de elevarem sua qualidade, com constantes problemas de financiamento, de profissionalização da equipe editorial enxuta, políticas de acesso aberto e a tão discutida internacionalização. Diante desse cenário e com o intuito de traçar possíveis caminhos, o mês de junho fechou com o “1º Workshop Internacional sobre os Desafios de Revistas Interdisciplinares”, organizado pela revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos (HCSM) com o periódico inglês Journal of Latin American Studies (JLAS) e apoio da British Academy. O evento ocorreu na Fiocruz durante três dias e trouxe experiências de editores científicos do Reino Unido e países da América Latina como o Brasil, Chile, México, Argentina, Colômbia e outros.

Logo no primeiro dia ficaram claras as diferenças de editoração na América Latina e no Reino Unido, já que muitos periódicos britânicos não se encontram em acesso aberto como os latinos, liderado pelos brasileiros com a força da base de indexação SciELO Brasil e sua política de democratização das informações, conforme explicou Abel Packer, diretor do programa SciELO. Para exemplificar em números, segundo dados de 2015 da SCImago Journal Rank (SJR) – indicador científico de revistas acadêmicas – de todos os periódicos da América Latina 71% estão em acesso aberto, enquanto na Europa ocidental são apenas 12%. Matthew Brown, editor do Bulletin of Latin American Research (BLAR), argumentou que a revista está vinculada à britânica Society for Latin American Studies, portanto, o acesso aberto geraria conflitos financeiros na manutenção de algumas atividades da associação, por exemplo, as bolsas de estudos do Reino Unido e América Latina; apesar de atualmente o periódico ser distribuído gratuitamente em alguns países latinos mais carentes como Bolívia e Haiti.

Na linha britânica, o editor da JLAS, Paulo Drinot, esclareceu que na Grã Bretanha, e provavelmente em outros países europeus, ainda predomina uma política conservadora, “um discurso que diz que se for financiar uma pesquisa, que ela seja value for money, ou seja, para se ter acesso a uma pesquisa de impacto científico, deve-se pagar o valor dela; apesar de ganhar relevância as políticas mais progressistas de que o conhecimento não deve ser uma propriedade e por isso não deve ser comercializado. Inclusive, o editor exemplifica casos de incentivo de acesso aberto na Europa como a UCL Press, editora de acesso aberto de livros e revistas na Grã Bretanha ou a proposta de até 2020 todas as pesquisas financiadas com verba pública na União Europeia deverão estar disponíveis livremente.

Esse modelo “híbrido” de artigos em acesso fechado e aberto na mesma revista é como atua a JLAS. Segundo Drinot, a revista não tem propriamente um acesso aberto, mas, desde que seu autor pague, o artigo pode estar disponível nesse formato justamente para atender a abrangência de distribuição dos resultados exigida pelas agências de fomento à pesquisa. Ele aproveitou o momento para colocar em debate que o acesso aberto não é igualitário porque não deixa claro quem deveria pagar por isso: o autor, a revista ou o leitor.

Já na América Latina, há forte presença do Estado financiando políticas editoriais, apesar de cada país manter suas peculiaridades. Gabriela Bortz, editora da eä – Revista de Humanidades Médicas, explicou que a política argentina de 2013, considerada inovadora, na qual toda pesquisa financiada com fundos públicos deverá manter uma cópia em repositório de acesso aberto ao invés de publicarem apenas em revistas comerciais (de acesso fechado), reconhece as vantagens do acesso aberto, mas não aplica politicas de fomento para as revistas que o adotam. Bortz também refletiu sobre a manutenção financeira nessa política e expôs que a busca por patrocínio tem se mostrado ineficaz para a revista argentina.

Como discutido pela maioria dos editores presentes, o Brasil tem a vantagem de fortalecer suas revistas frente às pressões de grandes editoras comerciais com a coleção de acesso aberto SciELO, que recebe apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e de outras instituições públicas. Jaime Benchimol, ex-editor da HCSM da Fiocruz, declarou que os editores devem reconhecer esse trabalho da base indexadora no Brasil e defendê-la para conseguirem se manter ativas: “O progressivo isolamento das fontes públicas de financiamento força esse agregado de periódicos a recorrer a estratégias de custeio que geram ainda mais fricções e eu acho que elas só podem ser evitadas se os editores começarem a se mobilizar e também a mobilizar os demais atores que gravitam a volta dos periódicos para que universidades, agências de fomento e ministérios se convençam de que o financiamento de periódicos é algo vital para a ciência brasileira”.

Entre as soluções viáveis para contornar os problemas de custos das revistas em acesso aberto seria o corte da produção de periódicos impressos, mas de forma a não prejudicar o público-alvo da revista. André Felipe da Silva lembra que no caso da História, Ciência, Saúde – Manguinhos o papel da versão impressa ainda é importante porque há muitas regiões no Brasil com uma conexão de internet precária, assim como outros países parceiros da Fiocruz. O editor também ressaltou que as versões impressas ajudam a instituição a manter alianças e trocas de revistas com instituições que publicam seu conteúdo comercialmente.

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