Produtivismo acadêmico traz novas demandas para as revistas científicas

Por Kátia Kishi

Crédito: Marina Lemle
Crédito: Revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos

“O que a gente chama de produtivismo é a pressão sobre pesquisadores e estudantes de pós-graduação em publicar cada vez mais rápido e em menos tempo de pesquisa. Isso gera uma série de distorções e uma série de problemas para as revistas, os principais são de ordem ética. Os editores têm hoje que lidar com uma série de cuidados ligados ao plágio, aos artigos salame, e a procedimentos que não são considerados adequados por editores e revistas científicas”, comenta Nelson Sanjad, editor adjunto da História, Ciência, Saúde – Manguinhos (HCSM), ao questionar a qualidade de formação nas pós-graduações brasileiras, em que os novos pesquisadores não são treinados a escreverem no formato de artigos, com dificuldade na língua inglesa e também portuguesa e que isso interfere na qualidade dos textos submetidos aos periódicos.

Além dos problemas éticos, o produtivismo acadêmico também coloca em cheque a atual forma de comunicação científica pelas revistas com revisão por pares; isso porque o processo de avaliação dos artigos vem sendo considerado demorado e um empecilho aos pesquisadores que têm pressa em publicar. Frente a esses dilemas, vêm ganhando força algumas alternativas mais rápidas como o fast track e o preprint. “Isso gera consequências sérias para as revistas, que têm que abrir mão de um preceito que é fundamental para elas, que é a originalidade e o ineditismo desses trabalhos”, explica Sanjad.

Nesse novo panorama, Abel Packer, diretor da coleção de periódicos SciELO Brasil,  recomenda que as revistas avaliem como se preparar para as novas tendências, visto que algumas experiências como o preprint já é usado há vinte anos por áreas como a física, exemplo do site ArXiv. O preprint ocorre quando um trabalho é submetido a um repositório público na web e a partir daí ele está disponível para comentários que podem ser incorporados em uma nova versão, “esse processo é chamado de avaliação ou revisão aberta, e a partir de um determinado momento, o autor pode enviar ou não uma nova versão para uma revista e passar pelo processo clássico de avaliação e publicação”, esclarece Packer.

Já o fast track é um modo mais rápido de publicação. Com o método, o artigo pode ser aprovado em 60 dias ou menos, sendo que o tempo usual das revistas é de pelo menos 90 dias. No entanto, o fast track é usado sob justificativas claras, como complementa Sanjad: “Nós temos o exemplo claro do ‘fast track’ que está acontecendo agora em função da epidemia de Zika. Então, tudo que está sendo produzido de conhecimento científico relacionado a Zika (ao mosquito, ao vírus, à doença e a uma série de outros elementos) está sendo publicado através de ‘fast track’, ou seja, não está sendo passado pelo processo tradicional de avaliação.”.

Mesmo ciente de que as mudanças gerais nos processos de publicação podem demorar alguns anos, Packer defende que é necessária uma renovação do papel da revista científica, já que as mudanças podem significar uma ameaça a sua existência.  Sanjad lembra que grandes editoras comerciais, como a Elsevier, já disponibilizam uma plataforma multimídia de dados que vão além do texto, com a possibilidade de incluir no artigo imagens, vídeos, infográficos e outros recursos próximos da linguagem da internet, o que tenderá a substituir os periódicos da forma que conhecemos hoje. Antevendo esse cenário, Packer anunciou a possibilidade de lançamento no começo do ano que vem de um repositório preprint da base SciELO, que começaria testando algumas áreas, mas que servirá para todas, “obviamente, isso vai depender de que as revistas do SciELO também aceitem receber os artigos que forem depositadas no repositório”. Na defesa de que as revistas busquem se fortalecer e agregar valor para não desaparecerem, Packer acredita que os periódicos possam passar a ser uma instância de certificação da qualidade do artigo, além de influenciadores no meio científico e na sociedade.

A discussão foi um dos temas do “1º Workshop Internacional sobre os Desafios de Revistas Interdisciplinares” realizado no final do mês de junho no Rio de Janeiros. O evento foi organizado pela revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos (HCSM) e o periódico inglês Journal of Latin American Studies (JLAS), além de ter contado com apoio da British Academy. Com desafios tão complexos, a equipe da revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos já anunciou que o evento foi apenas uma iniciativa de reflexão e intercâmbio de ideias e experiências entre os editores, mas que em breve será formado um diretório de editores de revistas interdisciplinares para que o diálogo continue.

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Crédito: Marina Lemle
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