Doces mudanças na agilidade de uma revista científica

Uma das formas mais claras de verificar os usos sociais do conhecimento científico é através da altmetria, ou métricas alternativas, que utiliza uma série de informações sobre o acesso a artigos científicos já disponíveis em redes sociais como (Twitter e Facebook), notícias jornalísticas, blogs, Wikipedia, entre outros.

Os editores da revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz – sobre a qual escrevi recentemente neste blog – perceberam a relevância das redes sociais com o artigo sobre a primeira descrição de casos de Zika vírus em Natal (RN), publicado em junho de 2015 por Claudia dos Santos, Kleber Luz e co-autores. Atualmente, o artigo com maior pontuação no Altmetric (166) e com pico que superou 17 mil acessos em fevereiro deste ano no SciELO.

Pontuação do artigo sobre zika vírus da Memórias do IOC
Pontuação do artigo sobre zika vírus da Memórias do IOC

O Altmetric, um dos provedores mais conhecidos dessas métricas, gera pontuação e cor para cada canal de comunicação, que compõe um donut (como este acima), que pode ser mais ou menos colorido, dependendo do número de interações, com alta pontuação para veículos jornalísticos e blogs, por seu potencial em atingir um número maior de pessoas.

Infelizmente o Altmetric, apesar de amplamente adotado por grandes editoras, indexadores e pelo brasileiro SciELO, ainda enfatiza o uso dos artigos em canais nos quais o sistema considera como relevante internacionalmente, que formam coleções de sites jornalísticos e blogs (maiores pontuações). Mas, a exemplo do que fez a equipe da revista História, Ciências e Saúde – Manguinhos e do blog do SciELO em Perspectiva, é possível solicitar a avaliação e inclusão de blogs nessa coleção-referência e aumentar, assim, uma representatividade nacional.

Case de altmetria na Memórias

Assim, o Altmetric rastreou o primeiro compartilhamento do artigo em 15 de junho de 2015, logo após sua publicação, no Twitter, todos em inglês, de autores estrangeiros que compartilharam o link disponibilizado pelo PubMed, uma das mais importantes bases de dados em acesso aberto de revistas da área médica.

Primeiras notícias jornalísticas sobre o artigo da Memórias do IOC
Primeiras notícias jornalísticas sobre o artigo da Memórias do IOC, segundo o Altmetric

A mídia americana divulgou as primeiras notícias em 17 de dezembro de 2015 (USA Today, MSN e News10), quando surgiram os primeiros casos de zika no Havaí. Aqui no Brasil, as primeiras notícias sobre a possível associação do zika com a microcefalia em recém-nascidos surgiram em outubro de 2015, portanto, em sites jornalísticos não rastreados pelo Altmetric.

Primeiros blogs a mencionar o artigo da Memórias segundo o Altmetric
Primeiros blogs a mencionar o artigo da Memórias segundo o Altmetric

O primeiro blog que comentou o artigo da Memórias em 4 de fevereiro deste ano foi o OnBiology, que pertence a editora BioMed Central. Fruto de uma entrevista com a autora, Claudia dos Santos, sobre a questão do zika, que sagazmente cita o artigo seminal, que aparece “linkado” na postagem. Nós do Ciência em Revista divulgamos o artigo da Memórias em 19 de junho de 2015, não identificado pelo Altmetric. A postagem gerou comentários de leitores com suspeita de zika, inclusive com um depoimento sobre a suspeita de que a zika poderia ter gerado problemas neurológicos no bebê em gestação de uma das leitoras (comentário enviado em setembro de 2015).

O artigo da revista Memórias foi mencionado no Wikipedia no verbete do zika, bem como serviu de referência para o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a urgente questão de saúde pública que o zika se tornou. Ambos identificados pelo Altmetric e que indicam importante uso da informação científica para informação pública, no primeiro caso, e para fomentar política de saúde pública, no segundo caso.

Neste caso específico, podemos constatar que o Almetric nos dá uma dimensão do interesse social que um artigo científico gerou, apesar das limitações ainda existentes que acabam por priorizar países desenvolvidos e de língua inglesa. Mas as métricas alternativas indicam uma relevância crescente sobre os impactos sociais do conhecimento científico, tirando, assim, a centralidade sobre os impactos acadêmicos.

Hoomam Momen, editor-chefe da Memórias do IOC, acredita que o artigo de Claudia dos Santos e co-autores será responsável, nos próximos anos, por elevar o fator de impacto da revista, pois já conta com mais de cem citações. O artigo gera, assim, tanto impactos sociais quanto acadêmicos.

Mais agilidade na comunicação

O exemplo desta primeira descrição do zika vírus também mudou a forma de publicação da Memórias, conta Momen. Procurados pelos autores do artigo no momento da submissão, os editores da revista garantiram sua rápida avaliação e divulgação. Atualmente, os editores iniciaram uma linha de fast track, publicações rápidas de artigos sobre o zika vírus, a partir da urgência anunciada pela OMS. Nesta seção, determina-se a divulgação de artigos antes mesmo que o processo de avaliação por pares esteja concluído (preprint). Uma forma de acelerar as colaborações científicas e a disponibilização de informações que podem ser estratégicas para as pesquisas, combate e tratamento contra o zika vírus.

Agilidade na divulgação de artigos ainda em avaliação sobre zika
Agilidade na divulgação de artigos ainda em avaliação sobre zika

A partir da ação de cientistas brasileiros no combate ao zika vírus percebeu-se uma fuga de excelentes artigos para revistas científicas estrangeiras, artigos que se tornarão referência e vão gerar citações e impactos sociais. A atitude da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz é exemplar ao criar um ambiente mais competitivo, sem perder o rigor e a qualidade científica.

O próximo passo é fortalecer a comunicação nas redes sociais para garantir que os artigos sejam amplamente conhecidos, lidos e apropriados. A recém inaugurada conta no Facebook da Memórias tem potencial para movimentar essa poderosa ferramenta de comunicação com o público nacional e internacional.

 

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