Edifícios Doentes? Isso mesmo

O ar condicionado com certeza é uma invenção que segue agradando muita gente. Inventado em 1902, pelo engenheiro estadunidense Wills Carrier, não por acaso é, por vezes, dito como uma das dez maiores invenções da engenharia do século passado.

A possibilidade de controlar o fluxo de ar e, com isso, a temperatura de ambientes internos foi rapidamente saudada pelas empresas como uma inovação interessantíssima que aumentaria a produtividade dos funcionários ao conferir-lhes maior conforto e melhores condições ocupacionais.

Muito embora siga amplamente utilizado, nem em todos os lugares estas previsões se confirmaram. Nem só de benefícios, portanto, são feitos os sistemas de condicionamento de ar.

Neste artigo de revisão, os autores apontam quatro estudos que, comparando condições de trabalho em ambientes com ventilação natural ou condicionada, mostraram haver uma prevalência muito maior de queixas relacionadas a problemas de saúde nos ambientes com ar condicionado. Os sintomas mencionados são, entre outros, falta de ar, irritação cutânea e nos olhos, náuseas, problemas respiratórios e dificuldade de concentração no trabalho. Em um desses estudos, numa empresa que resolveu mudar seus funcionários de uma ambiente com ventilação natural para outro com ar condicionado houve um “consistente aumento” nos índices de abstenções. Ou seja, mais trabalhadores tiveram problemas de saúde que acarretaram em falta ao trabalho quando estavam em ambientes artificialmente ventilados. O que explicaria tal fato?

Crédito imagem: Thruhike98

Da segunda metade do século XX pra cá, estudos têm demonstrado o surgimento de um fenômeno apelidado de Síndrome dos Edifícios Doentes – SED (também chamada SBS, na sigla em inglês para Sick Building Syndrome), que está totalmente ligado às deficiências observadas no tratamento do ar em sistemas desse tipo.

Segundo a definição apresentada por S. Joshi (2008):

A Síndrome dos edifícios doentes é usada para descrever uma situação em que os ocupantes de um edifício experienciam efeitos agudos de saúde ou relacionados ao conforto que aparentam estar ligados diretamente ao tempo despendido no edifício” (Traduzido do original).

Em outras palavras, a SED se refere a um conjunto de sintomas debilitantes que acometem as pessoas que constantemente ocupam o ambiente do prédio, sendo que se mostram mais intensos conforme a quantidade de tempo diária que se passa no prédio aumenta.

Mas, afinal, o que causa tais problemas? Apesar de disseminado, o problema ainda está começando a ser compreendido.

Todo lugar é um ambiente

Quando ouvimos a palavra ambiente, logo pensamos em florestas, rios, oceanos. No entanto, ambiente é qualquer lugar onde formas de vida podem vir a se desenvolver. Assim sendo, sistemas de circulação de ar com filtração deficiente, que acumulem sujidades advindas de matéria orgânica e umidade, podem tornar-se bastante propícios para o desenvolvimento de uma ampla gama de micro-organismos.

Estes micro-organismos estão entre as principais causas dos sintomas relacionados à SED. Na grande maioria dos casos, os sintomas apresentados não são graves ou incapacitantes; causam piora das condições laborais, diminuição da produtividade e perdas econômicas. No entanto, alguns casos historicamente documentados demonstram o risco que pode estar associado ao crescimento descontrolado de micro-organismos em dutos de ventilação. Dois deles são emblemáticos:

Em junho de 1968 ocorreu uma epidemia na cidade de Pontiac, nos EUA. Os sintomas apresentados eram febre e dores de cabeça e musculares. Das 114 pessoas afetadas, 100 eram empregadas de um mesmo edifício. Uma vistoria identificou que o sistema de filtração do sistema de ar estava defeituoso, propiciando um ar de péssima qualidade para o ambiente interno. A doença ficou conhecida como febre de Pontiac.

Quase uma década depois, na Filadélfia, uma misteriosa doença acometeu 182 pessoas que participavam de uma convenção da legião americana. Dos contaminados, 34 morreram. Os sintomas eram muito semelhantes aos da febre de Pontiac, porém bem mais severos. Uma análise no sistema de ar condicionado novamente mostrou falhas na filtração; estas permitiam o desenvolvimento de uma espécie específica de bactéria. A enfermidade passou a ser chamada Doença dos Legionários e a bactéria foi batizada, em virtude do ocorrido, de Legionella pneumophila.

Além das bactérias, fungos também podem habitar os dutos úmidos do ar condicionado. Os potenciais efeitos de sua presença na saúde humana igualmente vêm sendo estudados.

Outros contaminantes

Não apenas de origem biológica, no entanto, são os agentes causadores dos problemas relacionados à SED. Estes também podem ser de ordem física ou química, vindos de dentro ou de fora do sistema. Como exemplos, temos poluentes de veículos lançados próximos aos dutos de captação de ar, formaldeídos, poeira, compostos voláteis de tintas usadas na pintura das paredes e um grupo de substâncias, oriundas de uma série de produtos, chamadas Compostos Orgânicos Voláteis (presentes por exemplo em produtos de limpeza, máquinas fotocopiadoras, vernizes, revestimentos de pisos, etc).

Certas visões mais amplas chegam a considerar outros elementos – dissociados do sistema de ar condicionado – como também causadores da SED, como iluminação deficitária, radiação eletromagnética, poluição sonora e condições ergonométricas.

No que diz respeito a qualidade do ar em ambientes fechados, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) possui diretriz própria para garantir as taxas mínimas de renovação do ar e outras diretrizes quanto ao processo de filtração. A legislação enfatiza a necessidade da inspeção periódica e de adequada manutenção dos equipamentos utilizados nestes sistemas.

Crédito imagem de capa: Brian Snelson

Sobre Gustavo 29 Artigos
Cientista de Alimentos e Mestre na mesma área. Especialista em Jornalismo Científico pelo LABJOR/UNICAMP, dedicando-se a atividades de divulgação científica.

2 Comentários

  1. Interessante o termo Edifício Doente! Muito bom o artigo. Fiquei com uma dúvida, será que nesses estudos eles consideraram a natureza do trabalho como uma variável também? Pergunto porque, provavelmente, em edifícios de escritórios as pessoas ficam muito tempo sentadas, em posições incorretas e executando tarefas tediosas. Acho que ao analisar a questão ambiental também deveria se avaliar o quanto a atividade exercida prejudica a saúde do indivíduo. Difícil isolar estas duas variáveis.

  2. André, a maior parte dos artigos que encontrei se concentra mais em ambientes de escritório mesmo. Também acho que seria interessante estender a análise para fábricas, laboratórios, escolas, ou hospitais por exemplo.
    No entanto, alguns dos estudos analisaram funcionários que realizavam o mesmo trabalho em ambientes ventilados e passaram a executá-lo em fechados. Assim, o trabalho tinha as mesmas características antes e depois da mudança de ambiente. Tudo indica que foi ela, portanto, o fator de aumento dos sintomas relatados.

    Obrigado pelo comentário!

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