Alimentando a violência -1/2

A violência é sem dúvida um problema disseminado em diversas sociedades, incluindo – não é preciso dizer – a brasileira. O porquê dos comportamentos violentos existirem e estarem, em muitos lugares, fora de controle é tema para pesquisas nas mais diversas áreas: sociologia, psicologia, criminalística, psiquiatria, pedagogia entre outras. Parece ser cada vez mais consenso que entender o que está por trás da violência e propor estratégias para minimizá-la é uma questão multidisciplinar e exige múltiplas abordagens. Não é tarefa fácil.

Há, no entanto, um campo científico que é frequentemente ignorado pelas discussões que envolvem o tema, mas que começa a ser, cada vez mais, reconhecido: a nutrição. Se a violência pode estar relacionada a fatores sociais, problemas psicológicos/psiquiátricos ou – não se pode desconsiderar – interferência dos genes, qual seria a influência da alimentação no comportamento humano violento?

Você é o que você come

A frase do grego Hipócrates, apesar de clichê, não poderia estar mais correta. Todas as funções que nosso organismo realiza são diretamente dependentes dos diferentes nutrientes que absorvemos daquilo que comemos. Por que, então, deveria ser diferente com as funções cerebrais que, de um modo ou de outro, influenciam nosso comportamento, pensamento e sentimentos? Não, não é diferente; a qualidade e quantidade dos alimentos presentes em nossa alimentação ajudam a definir – como mostram diversas pesquisas – características de nossa personalidade e comportamento. Quando consumimos alguns nutrientes em demasia em detrimento de outros, esse desbalanço pode-se fazer sentir no modo como agimos; tanto a nível individual quanto de sociedade.

Um trabalho de 2009, utilizando dados de mais de 1300 adolescentes australianos, mostrou que os indivíduos que estavam submetidos a uma dieta rica em açúcar, carne vermelha, alimentos industrializados e fast-food tendiam a apresentar mais problemas comportamentais, como agressão e episódios de delinquência, que outros cujas dietas eram mais saudáveis, contemplando frutas, verduras, etc. Os resultados indicam, nas palavras dos autores, que “os dados comportamentais estão relacionados aos padrões dietéticos” da população avaliada.

Outros trabalhos, indo ainda mais longe, dizem que o que comemos desde que nascemos – ou ainda antes – tem a capacidade de influenciar nossos padrões comportamentais por muitos anos depois. Como mostraram o pesquisador J. Liu e seus colaboradores em artigo de 2015, a ausência de nutrientes importantes ainda na primeira infância pode ocasionar problemas comportamentais e desordens psicológicas que perduram por toda infância e adolescência; agressividade, hiperatividade e distúrbios de comportamento foram detectados. Um outro experimento, utilizando animais, mostrou que fêmeas de ratos prenhas que recebiam dietas pobres em certos nutrientes importantes durante a gestação, tendiam a gerar filhotes muito mais agressivos do que as que recebiam alimentação equilibrada. Ou seja, guardadas as devidas ressalvas quanto à extrapolação destes dados para seres humanos, é provável que o que as mulheres comam durante a gravidez ajude a determinar um futuro temperamento agressivo e/ou violento dos filhos.

–  Ah, tá certo! Mas essa influência da má alimentação em nosso comportamento não quer dizer que haverá mais crimes por causa disso. Não é?

É aí que entra um outro estudo bastante interessante – e impactante. Um artigo publicado na revista Lipids, em 2004, correlacionou as taxas de homicídios durante 40 anos (1961-2000) em 5 países com o consumo de óleo refinado (não ômega-3) derivado de grãos nessas nações. Os resultados mostraram que o aumento do consumo dos óleos foi acompanhado pelo do número de homicídios. Ou seja, sociedades que, hoje, consomem muita gordura vinda de frituras, produtos ultra-processados, etc, apresentaram maior risco de mortes por assassinato do que antes, quando o consumo era menor. Apesar de não ser, ainda, conclusivo, o trabalho sugere poder haver uma relação entre os dois fatores que não deve ser ignorada.

Na parte II vamos ver mais sobre como a alimentação deficiente pode estar relacionada à violência; e como as pesquisas podem nos ajudar a combater o problema.

Crédito imagem de capa: Jasper Nance

Sobre Gustavo 29 Artigos
Cientista de Alimentos e Mestre na mesma área. Especialista em Jornalismo Científico pelo LABJOR/UNICAMP, dedicando-se a atividades de divulgação científica.

2 Comentários

  1. Olá!

    Gostei bastante deste post e achei muito interessante a relação entre alimento e comportamento. Eu achava que somente drogas potentes e alguns tipos de ervas faziam esse efeito - e temporário.
    Realmente nós somos produtos do nosso meio, inclusive do que consumimos. Obrigada pela informação e parabéns pelo blog!

    • Olá, Gabriela!
      Realmente a alimentação influencia em tudo na nossa vida. Devemos sempre estar atentos ao que comemos... e isso deve ser levado em consideração na formulação de políticas públicas.
      Te convido a acompanhar na próxima semana a parte 2 da matéria. Espero trazer mais informações sobre o tema.

      Muito obrigado pelo comentário!

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