Viver fisicamente longe de parentes e amigos não é tarefa fácil. Quando se trata de casais, a história parece ficar ainda mais complicada. Mesmo com o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação (MSN, Google Talk, e-mail, etc.), a distância física entre duas pessoas ainda é fator complicador para o bem-estar de uma relação. Mas por quê? Por que a nossa percepção muda quando estamos distantes do objeto, evento ou pessoa que avaliamos?
Uma explicação possível para esse efeito vem da Psicologia Cognitiva. Basicamente, existe a idéia de que a distância física está associada com o nível de representação que fazemos das coisas que estão longe. Em outras palavras, as pessoas tendem a representar objetos, eventos e pessoas de maneira mais abstrata se esses objetos, eventos e pessoas se encontram fisicamente distantes. O que quero dizer com “representação mais abstrata”? Um coisa representada de maneira mais abstrata não tem o mesmo nível de detalhes e especificidades que uma representação mais específica. Por exemplo, uma representação mais abstrata (global) de uma pessoa inclui o fato de essa pessoa ser agradável (ou não), paciente, etc. Uma representação mais específica dessa mesma pessoa inclui, por exemplo, o fato de essa pessoa não gostar da cor do esmalte que você usa, ou não gostar da blusa que você mais gosta.
Basicamente, o que essa teoria (conhecida como Construal Level Theory) sugere é que quando estamos distante fisicamente de alguém temos a tendência em focar nas características globais e abstratas dessa pessoa, ao passo que quando estamos perto, a tendência é focar nas características mais concretas e específicas.
Esse efeito já foi demonstrado em vários estudos na área de psicologia social e cognitiva. Por exemplo: suponhamos que eu mostre a você e a sua melhor amiga uma daquelas letras hierárquicas (quando formamos uma letra grande juntando um tanto de letras pequenas). Para você, eu peço para focar nas letras pequenas (algo mais específico). Para a sua amiga, eu peço para focar na letra maior (mais global). Logo em seguida, eu peço a vocês duas para estimar (tentar adivinhar) a distância entre dois objetos. Segundo a teoria, você irá estimar uma distância menor do que a estimativa da sua amiga, pois o seu foco é mais específico, ao passo que o dela é mais global.
O que isso tem a ver com relacionamento e distância entre pessoas? Bem, quando estamos em um relacionamento, estamos constantemente negociando pontos de vista, resolvendo questões práticas e, obviamente, criando algum tipo de apego. Todas essas funções sociais se constroem com base nas percepções que construimos das coisas ao nosso redor. Às vezes, focar em características globais pode ser bom — nesse caso a distância seria benéfica. Em outros casos, é importante focar em aspectos específicos. Nesse caso a distância não seria algo positivo.
No entanto, de maneira geral, a distância não é uma coisa boa. Vários relacionamentos à distância apresentam problemas inerentes à distância em si (conflitos relativos à confiança, falta de diálogo constante, afeto, etc.). Esses problemas requerem negociação para sua resolução e manutenção do relacionamento. E, mesmo estando globalmente “ruim” — por causa da distância — um relacionamento pode se sustentar e se manter pelos detalhes que ligam as duas pessoas. Mas como a distância física facilita o foco em aspectos globais, a percepção dos aspectos específicos — necessários para a resolução do problema — ficam em segundo plano.
Muita pesquisa precisa ainda ser feita para iluminar as formas como casais fisicamente distantes podem “diminuir” a percepção da distância física, e consequentemente, focar nos aspectos específicos que seguram e fortalecem o relacionamento. É uma área de pesquisa que promete.
Referência:
Henderson, M., & Wakslak, C. (2010). Over the Hills and Far Away: The Link Between Physical Distance and Abstraction Current Directions in Psychological Science, 19 (6), 390-394 DOI: 10.1177/0963721410390802