A distância física e nossa percepção das coisas.

ResearchBlogging.orgViver fisicamente longe de parentes e amigos não é tarefa fácil. Quando se trata de casais, a história parece ficar ainda mais complicada. Mesmo com o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação (MSN, Google Talk, e-mail, etc.), a distância física entre duas pessoas ainda é fator complicador para o bem-estar de uma relação. Mas por quê? Por que a nossa percepção muda quando estamos distantes do objeto, evento ou pessoa que avaliamos?

Uma explicação possível para esse efeito vem da Psicologia Cognitiva. Basicamente, existe a idéia de que a distância física está associada com o nível de representação que fazemos das coisas que estão longe. Em outras palavras, as pessoas tendem a representar objetos, eventos e pessoas de maneira mais abstrata se esses objetos, eventos e pessoas se encontram fisicamente distantes. O que quero dizer com “representação mais abstrata”? Um coisa representada de maneira mais abstrata não tem o mesmo nível de detalhes e especificidades que uma representação mais específica. Por exemplo, uma representação mais abstrata (global) de uma pessoa inclui o fato de essa pessoa ser agradável (ou não), paciente, etc. Uma representação mais específica dessa mesma pessoa inclui, por exemplo, o fato de essa pessoa não gostar da cor do esmalte que você usa, ou não gostar da blusa que você mais gosta.

Basicamente, o que essa teoria (conhecida como Construal Level Theory) sugere é que quando estamos distante fisicamente de alguém temos a tendência em focar nas características globais e abstratas dessa pessoa, ao passo que quando estamos perto, a tendência é focar nas características mais concretas e específicas.

Esse efeito já foi demonstrado em vários estudos na área de psicologia social e cognitiva. Por exemplo: suponhamos que eu mostre a você e a sua melhor amiga uma daquelas letras hierárquicas (quando formamos uma letra grande juntando um tanto de letras pequenas). Para você, eu peço para focar nas letras pequenas (algo mais específico). Para a sua amiga, eu peço para focar na letra maior (mais global). Logo em seguida, eu peço a vocês duas para estimar (tentar adivinhar) a distância entre dois objetos. Segundo a teoria, você irá estimar uma distância menor do que a estimativa da sua amiga, pois o seu foco é mais específico, ao passo que o dela é mais global.

O que isso tem a ver com relacionamento e distância entre pessoas? Bem, quando estamos em um relacionamento, estamos constantemente negociando pontos de vista, resolvendo questões práticas e, obviamente, criando algum tipo de apego. Todas essas funções sociais se constroem com base nas percepções que construimos das coisas ao nosso redor. Às vezes, focar em características globais pode ser bom — nesse caso a distância seria benéfica. Em outros casos, é importante focar em aspectos específicos. Nesse caso a distância não seria algo positivo.

No entanto, de maneira geral, a distância não é uma coisa boa. Vários relacionamentos à distância apresentam problemas inerentes à distância em si (conflitos relativos à confiança, falta de diálogo constante, afeto, etc.). Esses problemas requerem negociação para sua resolução e manutenção do relacionamento. E, mesmo estando globalmente “ruim” — por causa da distância — um relacionamento pode se sustentar e se manter pelos detalhes que ligam as duas pessoas. Mas como a distância física facilita o foco em aspectos globais, a percepção dos aspectos específicos — necessários para a resolução do problema — ficam em segundo plano.

Muita pesquisa precisa ainda ser feita para iluminar as formas como casais fisicamente distantes podem “diminuir” a percepção da distância física, e consequentemente, focar nos aspectos específicos que seguram e fortalecem o relacionamento. É uma área de pesquisa que promete.

Referência:
Henderson, M., & Wakslak, C. (2010). Over the Hills and Far Away: The Link Between Physical Distance and Abstraction Current Directions in Psychological Science, 19 (6), 390-394 DOI: 10.1177/0963721410390802

Publicado em Psicologia Cognitiva | 18 Comentários

De onde vem a falta de confiança?

ResearchBlogging.orgO ser humano é mesmo uma máquina fantástica. Apesar de termos a sensação de que sempre estamos no controle de nossas atitudes e ações, nem sempre isso é verdade. Para ser um pouco mais exato, grande parte do comportamento humano que presenciamos no dia-a-dia é altamente influenciado por processos cognitivos implícitos, ou seja, processos que não temos controle direto.

Pense, por exemplo, na idéia de “confiança”. Esse é um conceito importante no meio social. Estamos o tempo todo lidando com pessoas e informações que nem sempre sabemos se podemos ou não confiar. Ao mesmo tempo, temos a sensação clara de que temos total controle sobre o nosso sentimento de confiança. Temos a sensação de que sabemos por que confiamos ou não em alguém. Mas será?

Existe um conceito na Psicologia Cognitiva conhecido como “fluência de processamento”. Esse conceito está relacionado com a sensação de facilidade (ou dificuldade) que temos quando estamos processando algum tipo de informação. Várias pesquisas (veja os trabalhos do psicólogo Daniel Oppenheimer, por exemplo) têm mostrado que a fluência de processamento está diretamente relacionada com julgamentos que fazemos das coisas ao nosso redor. Deixa eu tentar explicar isso de maneira menos técnica: muitas pessoas dizem que odeiam a língua alemã pelo simples fato de que as palavras da língua são muito grandes (erfrischungsgetränk, por exemplo). Para um falante acostumado com o tamanho médio das palavras da língua portuguesa, palavras grandes podem ser assustadoras (e difícil de processar). A simples sensação de que a língua alemã é difícil de ser processada faz com que pessoas tenham a sensação de que não gostam da língua.

Com o sentimento de confiança acontece a mesma coisa. Quando temos a sensação de “facilidade” para processar certas informações, tendemos a confiar mais nessas informações, mesmo que elas não sejam corretas, ou não faça nenhum sentido racional acreditar nelas.

Um estudo muito bacana realizado na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos mostra isso muito bem. Shiri Lev-Ari e Boaz Keysar pediram aos participantes da pesquisa que escutassem umas frases que alguém os diria. Após escutarem as frases, eles teriam que marcar em uma escala de 1 a 7 se eles acreditavam ou não nas frases (1 – não acredito e 7 – acredito). As frases eram informações de conhecimento geral (por exemplo: uma girafa consegue ficar mais tempo sem água do que um camelo). As pessoas que falavam as frases ou eram falantes nativos da língua inglesa ou eram falantes não-nativos (falantes com sotaque estrangeiro).

O resultado foi o seguinte: os participantes acreditram mais nos falantes nativos do que nos falantes estrangeiros. Em outras palavras: o sotaque dos estrangeiros foi confundido com falta de confiança. No entanto, alguém pode pensar assim: ora, vai ver que eles acreditaram nos nativos não por causa da falta de sotaque, mas simplesmente por que norte-americano, em geral, só confia em norte-americano. Essa poderia ser uma explicação plausível. Porém, no experimento, os pesquisadores avisaram os participantes que as pessoas que falariam as frases estavam apenas repassando uma informação fornecida por um falante nativo (um norte-americano). Mas mesmo assim, os participantes confiaram mais nos falantes sem sotaque.

Bom, mas o resultado mais interessante foi outro. No segundo experimento, os pesquisadores avisaram aos participantes sobre o fato de que “o sotaque de alguém pode influenciar o nível de confiança deles na pessoa”. Em outras palavras, os participantes tinham agora consciência desse problema e “poderiam” então corrigir e procurar não “deixar de confiar” na pessoa só por causa do sotaque. No entanto, isso não aconteceu. Mesmo sabendo que o sotaque não tem nada haver com a veracidade da informação, os participantes confiaram mais nos falantes nativos do que nos falantes com sotaque.

Mas porque? Uma explicação é que a noção de fluência de processamento é menor quando estamos ouvindo alguém com sotaque e essa “falta” de fluência afeta nosso julgamento de confiança. E mais importante: afeta mesmo sem a nossa vontade.

Uma vez que sabemos que a fluência de processamento (nosso nível de facilidade ou dificuldade para entender certas informações) influencia julgamentos de confiança, o máximo que podemos tentar fazer é, obviamente, buscar o máximo de “fluência no processamento” possível. Uma forma de fazer isso, por exemplo, é buscar uma maior familiaridade com a informação que devemos processar. Certamente, existem outras formas de adquirir fluência no processamento. O importante é saber que, em se tratando de ser humano, várias coisas acontencem implicitamente no nosso sistema cognitivo, e saber um pouco mais dessas coisas, nos torna, no mínimo, seres mais tolerantes.

Referência:
Lev-Ari, S., & Keysar, B. (2010). Why don’t we believe non-native speakers? The influence of accent on credibility Journal of Experimental Social Psychology, 46 (6), 1093-1096 DOI: 10.1016/j.jesp.2010.05.025

Publicado em Psicologia Cognitiva | 5 Comentários

Vida boa é vida de cachorro. Será?!

ResearchBlogging.orgTenho que confessar: por várias vezes na minha vida (várias), eu já quis ser um cachorro. Sempre achei que vida de cachorro é que vida boa. Você já viu algum cachorro preocupado com a hora de chegar no trabalho? Já viu cachorro “deprimido” porque o cachorro vizinho tem uma coleira mais bacana que a dele? Por um acaso você já viu um cachorro chorando e triste porque não consegue se relacionar bem com outros cachorros? Tudo isso sempre me levou a pensar que vida de cachorro que é vida boa.

Mas a verdade é que cachorros têm estado sob “domesticação” humana por, pelo menos 100.000 anos. Em outras palavras, cachorros têm participado de interações com seres humanos durante muito tempo e, consequentemente, é inevitável que não tenham adquirido ao longo desses anos alguma habilidade cognitiva própria do ser humano. Pior pra eles.

Uma das principais características do ser humano é a capacidade de perceber estados atencionais de outras pessoas. Basicamente, desde de muito novinhos (+/- a partir do 6 mês de vida) nós já conseguimos saber que quando a mamãe e o papai apontam para algum objeto, eles querem que nossa atenção seja transferida para o objeto. Sabemos também que às vezes não é preciso nem apontar: apenas o olhar e/ou um movimento com a cabeça são capazes de direcionar a nossa atenção.

Durante muito tempo, psicólogos comparativos (aqueles que comparam a cognição humana com a cognição de outros animais) acharam que essa capacidade de perceber estados atencionais era apenas do ser humano. No entanto, algumas pesquisas com chimpanzés têm mostrado que, ainda de maneira incipiente, outras espécies também possuem essa capacidade cognitiva. Principalmente as espécies que têm mais convívio com os seres humanos.

Em 2003, Josep Call, Juliane Bräuer, Juliane Kaminski e Mike Tomasello (todos do Instituto Max Planck de Antrologia Evolucionista) realizaram um estudo para investigar se cães também possuem essa habilidade cognitiva de perceber estados atencionais dos seres humanos. O procedimento é bem simples: o pesquisador coloca um pedaço de comida na frente do cachorro e o “proibe” de pegar essa comida. São várias condições experimentais para verificar o comportamento do cachorro: (1) a pessoa sai da sala, (2) a pessoa fica na sala, com os olhos abertos e olhando para o cachorro, (3) a pessoa fica na sala, mas com os olhos fechados, (5) a pessoa fica na sala mas virada para a parede e (6) a pessoa fica na sala, com os olhos abertos, mas fazendo alguma outra coisa e não prestando atenção no cachorro.

Bom, acho que já conseguem prever o resultado, né? Os cachorros comeram a comida mais frequentemente em todas as condições que envolviam “falta de acesso visual” por parte do ser humano. E os cachorros mais “atrevidos” comeram a comida mesmo com o humano olhando, mas o fizeram de maneira indireta (passeavam perto da comida antes de dar o bote). Os resultados sugerem que até mesmo os cachorros já estão sendo mais sensíveis às características cognitivas humana.

Os resultados sugerem também que ter vida de cachorro nem deve ser tão bom assim. A partir de hoje, acho que vou querer ser planta!

Referência:
Call, J., Bräuer, J., Kaminski, J., & Tomasello, M. (2003). Domestic dogs (Canis familiaris) are sensitive to the attentional state of humans. Journal of Comparative Psychology, 117 (3), 257-263 DOI: 10.1037/0735-7036.117.3.257

Publicado em Psicologia Cognitiva | 9 Comentários

Pobres crianças pobres!

ResearchBlogging.org

Todo mundo acha bacana e legal quando uma pessoa de origem pobre e humilde “vence na vida”. Quem não acha inspirador ouvir a história da criança da favela que se tornou um médico bem-sucedido, ou do menino pobre e da escola pública que hoje faz doutorado no exterior? Histórias como essas nos levam a acreditar que o sucesso cognitivo e intelectual de um indivíduo depende única e exclusivamente de sua força de vontade, ou seja, não importa muito a sua origem e seu status sócio-econômico.

Um estudo recente realizado por uma equipe de pesquisadores liderados pelo psicólogo Elliot Tucker-Drob, da Universidade do Texas em Austin, mostra evidência científica de que o status sócio-econômico é na verdade um mediador importante na performance cognitiva do indivíduo. Colocado de uma maneira mais direta: o estudo sugere que o ambiente sócio-econômico de uma criança em fase de desenvolvimento tem uma influência substancial na expressão de suas habilidades cognitivas. E mais ainda: o ambiente tem uma influência na expressão genética dessas habilidades, ou seja, não adianta ser geneticamente inteligente: tem que estar no ambiente apropriado. E a influência do ambiente começa cedo no processo de desenvolvimento da criança.

Tucker-Drob e sua equipe estudaram 750 crianças (gêmeos idênticos e gêmeos não-idênticos) do décimo mês de vida aos dois anos de idade. Eles utilizaram uma bateria de testes cognitivos (Escalas Bailey) e mediram o nível sócio-econômico dessas crianças (nível de pobreza e/ou riqueza). Utilizando uma série de análises estatísticas sofisticadas (inclusive, uma das belezas do estudo é justamente a sofisticação das análises), os pesquisadores encontraram que aos 10 meses de idade não há ainda muita diferença na performance cognitiva entre crianças pobres e crianças ricas. No entanto, já aos dois anos de idade a diferença é significativa: crianças mais ricas se mostram melhores cognitivamente do que crianças mais pobres.

Aos dois anos de idade, as crianças pobres mostraram uma habilidade cognitiva muito uniforme entre elas — tanto os gêmeos idênticos e os não-idênticos —  o que sugere que a composição genética tem pouca influência na performance delas. Já as crianças mais ricas de dois anos de idade apresentaram um padrão um pouco distinto: os gêmeos idênticos (lembre-se, que têm a mesma carga genética) tiveram uma performance uniforme entre eles, já os gêmeos não-idênticos tiveram uma performance menos uniforme, sugerindo que a composição e potencial genéticos já começam a influenciar as habilidades cognitivas.

Em um português menos técnico, o estudo mostra que para as crianças mais pobres, a influência da carga genética no desenvolvimento de suas potencialidades cognitivas foi quase nulo, ao passo que para as crianças ricas essa influência chegou a quase 50%. Conclusão: um ambiente mais “rico” oferece mais oportunidades para a expressão do potencial genético da criança. Crianças ricas não são mais inteligentes do que crianças pobres, mas certamente seus genes encontram mais espaço para mostrar o seu trabalho.

Qual a importância disso para nós? Um dos mais importantes e maiores índices de riqueza e desenvolvimento de um país é o nível de educação e desenvolvimento intelectual de sua população. Crianças/pessoas cognitivamente desenvolvidas são mais criativas (dê uma olhada nesse livro) e, consequentemente, potencialmente importantes para o desenvovimento cultural e intelectual de um país. O problema que eu vejo é que (1) as políticas públicas no Brasil (pelo menos grande parte delas) não se baseiam em resultados de pesquisas científicas (existem algumas exeções, eu sei) e (2) na sua maioria, buscam resultados imediatos e de curto-prazo. O investimento na diminuição da pobreza — ou do ambiente de pobreza — de nossas crianças é um investimento que pode não dar um resultado imediato, mas — como sugere a pesquisa — tem uma grande chance de ser um investimento importante para o país anos a frente!

Quanto mais fizermos para diminuir a probreza do nosso país, mais estaremos contribuindo para um ambiente mais favorável para o desenvolvimento cognitivo de nossas crianças.

Referência:
Tucker-Drob EM, Rhemtulla M, Harden KP, Turkheimer E, & Fask D (2010). Emergence of a Gene x Socioeconomic Status Interaction on Infant Mental Ability Between 10 Months and 2 Years. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS PMID: 21169524

Publicado em Psicologia Cognitiva | Deixe um comentário

“Foi mal”: Por que mulheres pedem mais desculpas do que homens?

ResearchBlogging.org

Em 2006, o comediante norte-americano Jim Belushi publicou um livro — muito besta por sinal — chamado “Real men don’t apologize” (Homem que é homem não pede desculpas). Apesar de bem imbecil, o livro retrata um fato interessante que, até então, havia sido pouco investigado sob um prisma psicológico-cognitivo: geralmente homens não gostam de pedir desculpas. Em geral, mulheres se desculpam muito mais do que homens.

Todos nós sabemos o quanto o reconhecimento de uma ofensa ou erro — e consequentemente o pedido de desculpas — contribui positivamente para o bem-estar das nossas relações sociais. Várias pesquisas já mostraram que um simples pedido de desculpas reduz a agressividade, a raiva e promove um clima mais amigável entre as partes. Mesmo assim, a gente percebe que mulheres pedem mais desculpas do que homens. Será por quê?

Essa pergunta foi investigada pelos pesquisadores Karina Schumann e Michael Ross, ambos da Universidade de Waterloo no Canadá. Para esses pesquisadores, existem duas possibilidades que potencialmente explicam o porquê das mulheres pedirem mais desculpas do que os homens: (1) pode ser que as mulheres pedem mais desculpas simplesmente por que cometem mais ofensas ou (2) as vezes o número de ofensas é o mesmo para homens e mulheres, no entanto, o limiar — o limite — do que constitui uma ofensa passível de pedido de desculpas é diferente para homens e mulheres. Em outras palavras, pode ser uma questão de percepção: um fato que para a mulher seja imprescindível um pedido de desculpas pode não ser para o homem.

Para investigar essas possibilidades, os pesquisadores fizeram dois estudos. No primeiro, um grupo de 66 pessoas completaram (durante 12 dias consecutivos) um diário onde eles tinham que relatar ofensas que eles cometeram e que mereciam pedido de desculpas, as vezes que eles se desculparam, além de relatar as ofensas que sofreram e se houve ou não um pedido de desculpas. Os resultados mostraram que, de fato, as mulheres ofendem muito mais frequentemente do que os homens — e consequentemente pedem mais desculpas. No entanto, proporcionalmente não há diferenças entre homens e mulheres. Em outras palavras, quando se compara o percentual (e não a frequência bruta) de ofensas que acompanham um pedido de desculpas, tanto homens quanto mulheres pedem o mesmo tanto de desculpas.

O que esse resultado sugere é que, o que diferencia homens e mulheres no que diz respeito a pedir desculpas ou não é o tipo de ofensa — ou pelo menos como ela é percebida. O processo de categorização sobre o que constitui ou não uma ofensa é diferente para homens e mulheres. Para investigar essa questão, os pesquisadores fizeram um outro estudo em que 120 pessoas analisaram uma série de ofensas, tanto imaginárias (em que o pesquisador inventava uma situação de ofensa) quanto reais (em que as pessoas tinham que lembrar uma ofensa real).

Utilizando uma técnica estatística conhecida como “bootsrapping“, os pesquisadores concluíram que a percepção da seriedade da ofensa foi diferente para homens e mulheres. Para as mulheres, por exemplo, tratar alguém com rispidez é uma ofensa muito mais séria do que para os homens. E o mais interessante desse segundo estudo, foi que os pesquisadores mostraram que, essa percepção da seriedade da ofensa, é que media o pedido de desculpas ou não. Por esse motivo é que mulheres pedem mais desculpas do que homens: simplesmente por que percebem a seriedade de uma ofensa de maneira diferente.

Mas, por que saber dessas coisas é importante? Imagine a situação de um casal em que a mulher perceba uma ofensa que para o homem passou despercebido? Ela pode concluir com isso que o homem é pouco sensível, ou não quer o bem-estar da relação. Por outro lado, o homem pode achar que a mulher está, na verdade, sendo sentimental demais e “fazendo uma tempestade em um copo d’água”. Saber dessas diferenças na percepção pode nos ajudar a lidar com situações desse tipo! 🙂

Feliz 2011!!!!

Referência:
Schumann K, & Ross M (2010). Why women apologize more than men: gender differences in thresholds for perceiving offensive behavior. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS, 21 (11), 1649-55 PMID: 20855900

Publicado em Psicologia Cognitiva | 1 Comentário

O Seu Humor Afeta Sua Confiança nos Outros

ResearchBlogging.orgNos últimos dias, tenho andado extremamente mal-humorado. Obviamente, esse é sentimento que tem consequências grandes na caracterização das relações sociais. Ademais, quem gosta de ficar perto de pessoas mal-humoradas?

Mas qual é a real influência do mau-humor na cognição social? Muitas pesquisas mostram, por exemplo, que o mau-humor, na verdade, melhora a capacidade de raciocínio lógico da pessoa e melhora também o processo de tomada de decisões. O mau-humor facilita a detecção de problemas e reduz o que chamamos de viés confirmatório (a tendência que temos de favorecer as informações e fatos que confirmam nossas hipóteses e pre-conceitos). Mas qual é o seu impacto no mundo social. Como lidamos cognitivamente com os outros quando estamos de mau-humor?

Esta pergunta foi investigada pelos pesquisadores Joe Forgas e Rebeka East da Universidade de New South Wales na Austrália. Todos nós sabemos que uma das tarefas sociais mais difíceis do nosso dia-a-dia é decidir se podemos ou não confiar em alguém. Confiança é um sentimento que depende do tipo de relação que temos com a pessoa e com a qualidade dessa relação. Assim, decidir se seu amigo, namorado, marido ou esposa está ou não dizendo a verdade depende de vários fatores que, muitas vezes, não estão no nosso controle. O nosso humor é um desses fatores. Desconfiança demais atrapalha, assim como confiança demais também atrapalha.

Joe Forgas e Rebeka East estavam interessados em saber se a nossa capacidade de confiar (ou não) em alguém, bem como a nossa capacidade de detectar mentiras é influenciada pelo mau-humor. Em outras palavras: será que quando estamos mal-humorados acreditamos menos nas pessoas?

No estudo, os 117 participantes foram induzidos (primed) a ter bom ou mau-humor (a manipulação foi feita com vídeos de 10 minutos de duração: comédia, documentário e um vídeo sobre morrer de câncer). Obviamente a manipulação foi confirmada e realmente funcionou.

Após assistirem aos vídeos de comédia, documentário ou câncer, os participantes assitiram a outros quatro vídeos em que uma pessoa tentava se defender de uma acusação de roubo. Em alguns dos vídeos, a pessoa se defendendo estava mentindo (ela realmente havia roubado algo) e em outros ela não estava mentindo. Basicamente, os participantes tinham que decidir se a pessoa no vídeo estava ou não falando a verdade. A manipulação completa foi feita de maneira bem sistemática.

O resultado do estudo foi bem direto. Ele mostrou evidência clara de que o humor de uma pessoa afeta diretamente o nível de confiança dessa pessoa em outras. O bom-humor aumenta a tendência a se acreditar em alguém, ao passo que o mau-humor diminui essa tendência. O mais interessante do estudo foi que pessoas induzidas ao mau-humor apresentaram uma capacidade maior de detecção de mentiras do que as pessoas bem humoradas. Em outras palavras, elas foram mais competentes na identificação das pessoas que estavam realmente mentindo.

O interessante é que esse resultado se relaciona, em parte, com as outras pesquisas que mostram que as pessoas mal-humoradas são melhores nos processos cognitivos de tomada de decisão. Isso pode ser por que elas detectam com mais facilidade alternativas falaciosas e tem um olhar menos “positivo” e apaixonado com relação aos fatos.

As implicações desse resultado são diversas. Dentre elas, a idéia de que se for mentir, ou esconder algo de alguém, monitore o humor da pessoa. Se ela (ou ele) estiver naqueles dias, sua tarefa de mentir pode ficar um pouco mais trabalhosa.

No mais, ano que vem o Cognando volta com um humor um pouco mais em alta!!! Feliz 2011!!!

Ps.: Foto by Letícia Martins!

Referência:
FORGAS, J., & EAST, R. (2008). On being happy and gullible: Mood effects on skepticism and the detection of deception☆ Journal of Experimental Social Psychology, 44 (5), 1362-1367 DOI: 10.1016/j.jesp.2008.04.010

Publicado em Psicologia Cognitiva | 1 Comentário

A Relatividade dos Produtos “Baby Einstein”

ResearchBlogging.orgTodo pai e toda mãe sonha em ter filhos inteligentes. Muitos pais começam a investir nessa história desde muito cedo. Antes que as crianças completem um ano de vida, os pais compram todo e qualquer produto que promete estimular a criatividade, a linguagem e até mesmo habilidades mais específicas como conhecimento matemático da criança. Existem dois aspectos relacionados à essa questão: o primeiro (que não pretendo discutir aqui) é sobre a necessidade de se incentivar tais habilidades tão cedo. O segundo aspecto é, para mim, mais importante: será que funciona?

Existe uma linha de produtos “educacionais” conhecidos como Baby Einstein. Eles consistem de DVD’s que contêm músicas, arte, linguagem e ciência para crianças. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 40% dos pais investem nesses produtos com a crença de que seus filhos serão mais inteligentes, aprenderão mais rápido e com melhor qualidade. No Brasil, os produtos da linha Baby Einstein são caros. A coleção completa com 12 DVD’s não é vendida por menos de R$ 220,00. Vale lembrar que o público-alvo dos DVD’s são crianças entre 0 e 3 anos de idade.

A propaganda desses produtos sempre mostra relatos de pais dizendo, por exemplo, que seus filhos passaram a falar mais palavras depois que começaram a assistir aos vídeos da linha. Como todos esses produtos não tem respaldo nenhum em pesquisas empíricas sobre desenvolvimento cognitivo de crianças, sempre penso na validade deles.

Um estudo recente publicado por Judy DeLoache e uma equipe de pesquisadores invetsigou exatemente esta questão. Foi um dos primeiros estudos que vi em que a validade destes produtos foi avaliada de maneira experimental e direta. No estudo dela, 72 crianças de 12 a 18 meses de idade foram dividas em quatro grupos experimentais. No grupo 1, as crianças foram expostas (por um período grande) aos vídeos da linha — vídeos que supostamente ensinavam palavras novas às crianças. Nesse grupo, as crianças assistiam ao vídeo com um dos pais. No grupo 2, as crianças assistiam ao vídeo sozinhas (sem interação com os pais). No grupo 3, as crianças não assistiam aos vídeos, mas interagiam com os pais para aprender as mesmas palavras que o vídeo teria que ensinar. O último grupo foi apenas um grupo controle, onde nenhuma manipulação foi feita.

Após o período de exposição e/ou interação, os pesquisadores testaram as crianças para verificar se elas aprenderam mesmo as palavras “ensinadas”. Sem muita sofisticação nas análises, os resultados foram bem diretos: estes produtos não funcionam. As crianças que interagiram com os pais apenas (sem assistir aos vídeos) foram as que mais aprenderam. As crianças que só assitiram ao vídeo (sem a interação com os pais) aprenderam menos do que as crianças do grupo controle (sem interação alguma). Em outras palavras, se você não faz nada, as crianças aprendem mais do que se assistirem aos vídeos.

Um ponto importante que o estudo ressalta (e que VÁRIOS outros estudos corroboram) é o fato de que a interação com os pais é sem dúvida o fator mais importante no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Volto a dizer: conhecer mais sobre desenvolvimento infantil e processamento cognitivo humano só contribui positivamente tanto para o seu crescimento pessoal quanto para o desenvolvimento do seu filho(a).

E lembre-se: ao invés de assinar um cheque de R$ 220,00 para comprar vídeos que simplesmente não fazem o que prometem fazer, sente, brinque e converse com seu filho. Se a compulsão para gastar o dinheiro for mesmo forte, você tem duas opções:

(1) compre um livro ou revista sobre psicologia e desenvolvimento humano (a revista Mente e Cérebro é um bom exemplo).

(2) Envie um e-mail para mim que eu te passo a minha conta bancária para receber os R$ 220,00.

Referência:
DeLoache JS, Chiong C, Sherman K, Islam N, Vanderborght M, Troseth GL, Strouse GA, & O’Doherty K (2010). Do babies learn from baby media? Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS, 21 (11), 1570-4 PMID: 20855901

Publicado em Psicologia Cognitiva | 2 Comentários

Pensamento Analógico e Nossas Atitudes

ResearchBlogging.org

Citei na minha última postagem que eu gosto muito de analogias. Elas relevam aspectos interessantes e importantes da nossa cognição. Analogias têm uma influência grande no nosso pensamento e consequentemente, nas nossas ações. É por isso que, já a algum tempo, a Psicologia Cognitiva tem tido um interesse cada vez maior na investigação das principais características do pensamento analógico.

O pensamento analógico envolve a representação mental que fazemos das relações existentes entre objetos e/ou pessoas. Essas representações são cruciais na vida do ser humano. É basicamente o que nos diferencia (em termos cognitivos) das outras espécies de animais. Pare e pense: a nossa capacidade de resolver um problema que nunca vimos antes está intimamente ligada à nossa capacidade de pensar de maneira relacional, ou seja, na nossa capacidade de pensar analogiacamente. Utilizamos o conhecimento que temos sobre uma área específica do conhecimento (a física, por exemplo) para entender melhor uma outra área que temos pouco conhecimento (química, por exemplo). Mas, é necessário que essas representações sejam abstratas. Quanto mais abstrata a representação de uma relação, maior a nossa capacidade de aplicar essa abstração em outros domínios.

Vamos lembrar o exemplo clássico de analogia: o Sistema Solar e o átomo. Essa analogia existe porque sabemos que em ambos existe uma estrutura central (núcleo no caso do átomo e o Sol no caso do Sistema Solar) e estruturas menores que giram em torno dessa estrutura central (elétrons e planetas). Para entender a analogia, precisamos entender a “relação” entre núcleo e elétrons por um lado e Sol e planetas por outro lado. É óbvio, no entanto, que sabemos que o Sol e o núcleo de um átomo são estruturas diferentes. Quando fazemos a analogia, não queremos que alguém pense que exista vida nas partículas que giram em torno do núcleo, assim como existe vida em alguns dos planetas que giram em torno do Sol. Não se apegar a esses detalhes é o que chamamos de abstração.

Quando pensamos analogicamente, podemos focalizar tanto nos objetos que compõem a cena ou situação que analisamos quanto nas relações entre esses objetos. Por exemplo: imagine que eu te mostre duas fotos. Uma das fotos mostra um robô consertando um carro. Na outra foto, há um robô parecido com o da foto 1 (não o mesmo) sendo consertado por um homem. Se eu pedir a você que me aponte a analogia entre as duas fotos (o que existe de semelhante nelas), você tem duas opções: se você focalizar nos objetos/personagens das fotos, você vai me falar que o robô da foto 1 é análogo ao robô da foto 2. Já se você focalizar na relação entre os personagens das fotos (carro e robô na foto 1 e homem-robô na foto 2), você vai dizer que a analogia está no robô da foto 1 e no homem da foto 2, pois ambos estão consertando alguma coisa. Isso é o que os pesquisadores chamam de alinhamento estrutural.

O que grande parte das pesquisas mostram é que algumas pessoas têm uma dificuldade muito grande de abstrair o suficiente para enxergar a semelhança relacional entre duas cenas. Em outras palavras, as pessoas se apegam tanto à concretude dos objetos envolvidos (que podem ser extremamente distintos entre duas situações) que não conseguem ver que as relações entre esses objetos são bem semelhantes.

Um estudo bacana publicado recentemente pelos pesquisadores Jonathan Rein e Arthur Markman na Universidade do Texas nos Estados Unidos explorou a noção de que o nível de abstração com a qual representamos as relações entre objetos influencia a nossa capacidade de transferir essa relação para outras situações. Jon e Art mostraram para os participantes do estudo alguns padrões relacionais (círculos e triângulos nas mais diversas configurações — em linhas verticais ou horizontais, por exemplo) e depois pediram a eles que identificassem outros padrões semelhantes. Assim como esperavam, as pessoas mostraram uma tendência forte para representar as relações e objetos de maneira muito concreta, o que dificultou a identificação de relações semelhantes em outros domínios.

O que essa pesquisa sugere em termos práticos? Eu sempre fico super intrigado pelo fato de que algumas pessoas parecem agir de forma completamente diferente em situações que, ao meu ver, são estruturalmente semelhantes. Em outras palavras, é como se alguém soubesse que 2 laranjas + 3 é igual a 5 laranjas, mas não soubesse dizer quanto é 2 bananas + 3 bananas.

Pense na seguinte situação: você está andando pelas ruas da sua cidade quando vê uma criança sendo explorada por um adulto. Na cena, você tem dois personagens (adulto e criança) cada um exercendo uma “função” nessa relação: o adulto — um ser hierarquicamente mais importante que a criança — exercendo seu poder ‘chefe’, e a criança — um ser hierarquicamente menos importante — sendo coibida pelo adulto, portanto explorada (sem muito poder de escolha). Qualquer pessoa que avalia uma cena como essa irá dizer que é (1) a situação é um absurdo, (2) que criança não pode ser tratada assim, etc. etc. No entanto, a representação da cena parece não ser abstrata o suficiente para possibilitar aplicar “esse modelo de relação” — exploração de um ser hierarquicamente superior a outro — em outras situações semelhantes.

Aqui em Belo Horizonte, uma pequena ‘empresa’ (atuante no ramo de fabricação de placas de automóveis) tem a seguinte prática: muitos de seus funcionários não têm a carteira assinada. O horário e a carga de trabalho são definidos sem qualquer respaldo na CLT. As ausências — mesmos aquelas com justificativas médicas — são integralmente descontadas do salário dos funcionários, assim como o valor integral do transporte do funcionário. E no caso de algum funcionário não concondar com essa prática (como aconteceu ontem), esse funcionário é prontamente “demitido” sem qualquer tipo de ressarcimento trabalhista.

Em termos relacionais, a história da criança é muito semelhante à história da empresa: dois personagens, onde um, hierarquicamente mais baixo que o outro, é explorado. Interessante, no entanto, é que o impacto da história 1 parece ser bem maior e mais proeminente comparado ao impacto da história 2. Conversando com alguns funcionários e pessoas que conhecem a empresa, eu notei que muitos deles são condescendentes com a atitude da chefia da empresa: quando um funcionário é demitido, por exemplo, outros se juntam para ajudar na função do funcionário demitido, minimizando assim o trabalho que teria a diretora para contratar um outro funcionário. Nenhum deles, eu presumo, auxiliaria o adulto da primeira história na sua exploração e nem sequer procurariam entender se há, por parte do adulto, alguma justificativa plausível para a atitude dele.

Obviamente, vários fatores parecem influenciar a atitude dos funcionários e da diretoria da empresa. No entanto, uma forma plausível de interpretar a situação e a atitude das pessoas envolvidas é em termos da dificuldade que as pessoas têm de representar relações de maneira abstrata. Essa dificuldade, por sua vez, gera a dificuldade de pensar em outras situações de maneira semelhante. Podemos não perceber, mas a capacidade de formar alinhamentos estruturais — analogias — acaba tendo um impacto grande nas nossas atitudes e ações diante das coisas que vivemos no nosso dia-a-dia.

Referência:
Rein JR, & Markman AB (2010). Assessing the concreteness of relational representation. Journal of experimental psychology. Learning, memory, and cognition, 36 (6), 1452-65 PMID: 20919782

Publicado em Psicologia Cognitiva | 1 Comentário

Erro Fatal: O Computador Precisa Ser Reiniciado

ResearchBlogging.org

Eu adoro analogias. Sempre que eu quero explicar alguma coisa a alguém, mesmo que seja um conceito pouco complexo, eu gosto de usar analogias. Hoje pela manhã, eu estava re-lendo algumas páginas do livro Just Listen: Discover the Secret to Getting Through to Absolutely Anyone do psiquiatra Mark Goulston e encontrei uma analogia super interessante sobre casamento/relacionamento e por que muitos deles dão errado.

Para Mark, casamento é como comprar e manter um computador. Quando você compra um computador, ele vem equipado com vários programas pré-instalados, o que facilita muito o primeiro acesso e uso. Raramente, os computadores novos apresentam problemas. Tudo funciona perfeitamente e você tem uma relação de amor e felicidade com sua nova máquina.

No entanto, um belo dia — depois de alguns meses, talvez até anos — a tela congela e você precisa reiniciar a máquina. Você faz isso, uma, duas, até três vezes. Na quarta vez, você já começa a se irritar. Às vezes pede ajuda aos seus amigos, leva à um técnico de informática que reinstala alguns softwares para você. Após alguns dias de nova felicidades, o computador trava novamente. Dessa vez, o técnico diz que você deverá reinstalar o sistema operacional. E diz ainda que não tem como recuperar os arquivos que você não salvou no último back-up. Rapidamente, o amor que você sentiu pelo computador no dia da compra vira frustração, desapontamento e, às vezes, a depender das perdas, se torna ódio.

O mais interessante é que não odiamos apenas o computador em questão. Ficamos amargos e receosos com todo tipo de tecnologia. Alguns chegam até a falar que não querem mais ter um computador, ou qualquer outra coisa que envolva tecnologia — uma tecnologia que remotamente lembre as mazelas e “sofrimentos” que passaram com o computador em questão.

Tenho certeza que já deve ter montando a analogia que Mark Goulston faz sobre relacionamentos. Para ele, todo relacionamento vem pré-equipado com alguns programas básicos e indispensáveis. Os programas são: química (o que faz você se sentir atraído(a) pela outra pessoa. Tem haver com sexo e paixão. Essas coisas carnais mesmo), respeito (quando um se sente orgulhoso de ter o outro como companheiro/a), felicidade (um sabe como colocar um sorriso no rosto do outro), aceitação (cada um aceita a essência do outro. Não há imposição de valores e crenças), confiança (nem precisa de definição….), empatia (saber entender e ser entendido). Para Mark, esses são os programas pré-instalados quando tiramos nosso relacionamento da caixa.

Enquanto sentimos que esses programas estão intactos e em perfeito funcionamento, nos sentimos seguros e motivados com o relacionamento. No entanto, quando algum desses programas “trava” começamos a ver e perceber o relacionamento de uma maneira um pouco diferente. Geralmente, a maioria dos casais deixa cair na rotina, o que antes era especial e notório. Se antes ele abria a porta do carro, agora ele desce e espera que você feche a janela. Se antes ela se preocupava se ele estava cansado, agora ela nem sequer nota que seu semblante mudou. Com isso, o que antes era “não vejo a hora de deitar com ele/a”, vira “hoje estou com dor de cabeça”. Eis o programa “química” com defeito.

Consequentemente, o programa “respeito” também fica com defeito, pois o orgulho de se ter alguém como parceiro/a se foi. Já que o respeito se esvaece frente à falta de química e orgulho, logo começam a não se aceitarem. Já viu quando casais começam a “dar conselhos” um ao outro? “Você é muito assim, deveria mudar”, ou “o seu jeito X poderia ser mais Y” — basicamente dando conselhos quando nenhum dos dois quer escutar conselhos. Nesse momento, os conselhos se tornam acusações que se enchem de ressentimento e sentimentalismo. Eis o programa “aceitação” com defeito. Obviamente, depois disso tudo, fica difícil arrancar um sorriso do rosto do outro. Eis o programa “felicidade” travado.

Com a distância crescendo cada vez mais (você começa a não querer mais usar o seu computador), cresce também a falta de confiança. Você arriscaria salvar um documento importante em um computador que pode dar defeito de uma hora para outra? Eis o programa “confiança” precisando ser reinstalado.

O principal sinal de que o programa “empatia” já não funciona mais é quando casais se pergutam: “o que você quer que eu faça?” Essa pergunta é sinal de que a compreensão da necessidade do outro já não faz parte da vida “nada saudável” do casal. E essa pergunta é uma maneira implícita de acusar o outro.

Basicamente, Mark diz que a maioria dos casais separam pois são incapazes de reinstalar os programas na hora certa. Eles convivem muito tempo com as travas e “telas congeladas” a ponto de se sentir uma frustração enorme com o computador. A frustração desmotiva a reinstalação desses programas e até mesmo a instalação de outros programas que supostamente melhorariam a performance do computador.

O mais interessante é que no final das contas, a frustração e desapontamento com o computador não é vista como a consequência de uma série de pequenos “defeitos” que foram se acumulando com o tempo. A frustração passa a ser vista como objeto independente e difculta qualquer tentativa de reparo. Um aspecto que Mark não menciona no livro (não com relação à essa analogia) é que a “má utilização dos programas” é o que muitas vezes causa os defeitos. Poucos casais têm ciência do que realmente incomôda o outro e onde estão suas fraquezas.

É óbvio que a analogia não é perfeita (aliás, nenhuma analogia é perfeita… por isso o nome analogia). Mas certamente, é útil para os casais que estão constantemente procurando entender o por quê do insucesso na vida a dois, repensem em como estão “utilizando” os programas. Relacionamento envolve seres humanos com sentimentos, e esses sentimentos são complexos e variados. Antes de desligar a tomada do relacionamento, procure entender os defeitos “do programa” (e não do parceiro) e reinstale-o o mais rápido possível, antes que o sistema operacional não aguente mais e precise ser completamente reinstalado — o que para casais, eu acho impossível (Mark pensa diferente de mim. Vale a pena ler o livro).

Referência:
Goulston, Mark (2010). Just Listen: Discover the Secret to Getting Through to Absolutely Anyone American Management Association

Publicado em Psicologia Cognitiva | 1 Comentário

Deixem Que as Crianças Perguntem.

ResearchBlogging.org

Nós seres humanos gostamos de saber o porquê de tudo. Quem de nós nunca conversou com uma criança curiosa em saber por que o céu á azul, ou por que a luz acende quando apertamos o interruptor? Em outras palavras, desde cedo queremos sempre saber a causa das coisas. E mais interessante ainda, já aos três anos já explicamos as causas das coisas, ou o porquê que as coisas acontecem (pergunte a uma criança de três anos por que o céu é azul e tenho certeza que terá uma explicação bem pláusível — pelo menos para ela).

Explicar o porquê que as coisas acontecem é, na verdade, uma atividade intelectual muito boa e importante para o desenvolvimento da criança. Vários estudos mostram, por exemplo, que as crianças apredem matemática muito mais facilmente quando “explicam” um conceito, em oposição a quando elas apenas “lêem” ou “escutam” uma explicação sobre esse conceito. Por isso é importante que desde cedo incentivar o ato de criar explicações.

Basicamente, existem dois tipos de eventos que as crianças podem explicar. Um evento que é consistente com o conhecimento anterior que a criança já possui e um acontecimento que é inconsistente com o conhecimento que a criança tem. Um exemplo: imagine que uma criança veja você apertar o interruptor para acender a luz do quarto. Como ela já viu você fazendo isso várias vezes antes, é parte do conhecimento prévio dela que a luz vai acenda. Isso é um acontecimento consistente com o conhecimento prévio da criança. Imagine, no entanto, que ao apertar o interruptor, a televisão ligue. Isso é um acontecimento que é inconsistente com o conhecimento prévio da criança.

Um estudo recente publicado esse ano no periódico Child Development pelos pesquisadores Cristine Legare, Susan Gelman e Henry Wellman investigou que tipo de acontecimento (consistente ou inconsistente) incentiva mais explicações das crianças. Nesse estudo, as crianças viam uma caixa que se acendia (ou não) quando uma outra peça era colocada em cima dela. Os pesquisadores mostravam para a criança duas dessas caixas e mostravam como as caixas funcionavam (por exemplo, se colocar o cubo azul sobre a caixa ela acende, mas se colocar uma outra peça, ela não acende). Logo após a apresentação das duas caixas, as crianças tinham a oportunidade de fazer as caixinhas funcionarem. No entanto, quando elas tentavam, uma das caixinhas não funcionava de acordo com o que elas viram antes.

O estudo mostrou que as crianças se interessaram muito mais pelos acontecimentos inconsistentes do que com os acontecimentos consistentes. Ou seja, preferiam explicações que tinham haver com o acontecimento inconsistente. E mais ainda. Os acontecimentos inconsistentes foram muito mais propícios a receber uma explicação causal por parte da criança. Em outras palavras, as crianças ficaram muito mais interessadas na “causa” do acontecimento inconsistente do que do acontecimento consistente.

O que isso quer dizer? Bom, muitos pais — principalmente mães 🙂 — tem uma mania muito feia de “preparar” o ambiente da criança o suficiente para que ela nunca encontre uma situação ou acontecimento que seja inconsistente com o que ela ja sabe. Para muitos pais, as crianças se sentem mal e não gostam de situações inconsistentes e adversas. E com isso controlam também as chances que as crianças têm de viver situações que incentivem explicações de natureza mais causal. O interessante de explicações causais é que elas, muitas vezes, não se baseiam apenas em característica superficiais (aparências), o que leva as crianças a buscarem as essências dos acontecimentos que vivenciam. Buscar essências acaba sendo uma característica intelectual importante na vida adulta.

É muito importante saber e entender a importância que nossos comportamentos diários com nossas crianças acabam, de uma forma ou de outra, influenciando o desenvolvimento intelectual e social delas.

E para aqueles que eu tenho certeza que ficaram curiosos para saber por que o céu é azul, aqui vai a explicação: existe um fenômeno conhecido como Rayleigh Scattering, que basicamente é uma forma de espalhamento da luz e de outras ondas eletromagnéticas. A luz do sol é formada por várias cores diferentes — com ondas de diferentes tamanho –, mas devido à algumas substâncias presentes na nossa atmosfera, cores com ondas mais curtas (ex.: azul) são ‘espalhadas’ mais facilmente do que cores com ondas mais largas. Mas tenho certeza que vai te dar um pouco de trabalho para explicar isso para seu filho de 4 anos! 🙂

Referência:
Legare CH, Gelman SA, & Wellman HM (2010). Inconsistency with prior knowledge triggers children’s causal explanatory reasoning. Child development, 81 (3), 929-44 PMID: 20573114

Publicado em Psicologia Cognitiva | 4 Comentários