Ao contrário, Baby Yoda vai falar?

Lskbrown via Wikimedia Commons (CC3.0) - https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Amigurumi_Baby_Yoda.jpg

Texto de:
Brenda Martins Precivalli
Gabriela Calipo Guimarães Arantes


Star Wars é uma franquia de filmes e séries que marcou gerações. O primeiro filme foi lançado em 1977 e, até hoje, são criados conteúdos desse universo que tanto cativa o público. Dentre tais conteúdos, temos a série O Mandaloriano (2019–presente), que introduziu um personagem muito fofo conhecido como “Baby Yoda” ou, como passamos a saber mais tarde na história, Grogu.

Para aqueles que não conhecem a série, o personagem verdinho é da mesma espécie do famoso Mestre Yoda (por isso o apelido), um personagem cuja fala é curiosa e idiossincrática: ela é “ao contrário”.

Considerando que o personagem nos é apresentado ainda bebê, uma das grandes questões que pairam na cabeça dos fãs de O Mandaloriano são:

Como será que Grogu vai falar?
Quais e como serão suas primeiras frases?
Por serem da mesma espécie, Grogu e Yoda terão falas similares?

Bom, para responder esses questionamentos, precisamos, primeiro, analisar a fala de Yoda.

Ordem dos constituintes: O que é falar “ao contrário”?

A sintaxe é a área de estudos da linguística que estuda a disposição entre os elementos de uma frase e a relação entre eles. A sintaxe pode ser estudada em uma língua específica ou de uma forma universal, buscando semelhanças e padrões entre as línguas do mundo.

Cada língua tem regras sintáticas próprias que evitam combinações aleatórias entre os elementos das frases ou combinações não pertencentes a língua. Assim, a ordem dos constituintes nada mais é do que as formas em que as línguas distribuem sintaticamente o sujeito, o verbo e o objeto (a posição de substantivos e adjetivos também) na sentença.

O inglês e o português, por exemplo, apresentam a ordem SVO (sujeito – verbo – objeto). Isso pode nos dar a impressão de que essa deve ser a ordem mais comum entre as línguas do mundo, certo? Mas não, essa é apenas a segunda ordem mais comum, depois da ordem SOV (sujeito – objeto – verbo) presente no coreano e no japonês.

A fala do Yoda, teoricamente, ocorre na ordem OSV (objeto – sujeito – verbo), como a língua havaiana e a língua aquém. Ao analisar um corpus coletado das falas do personagem em todos os filmes da franquia, observa-se que a ordem OSV (a tal fala “ao contrário”) não é a única usada pelo Mestre Jedi. Muitas falas ocorrem na ordem a qual nós, falantes do português brasileiro, estamos acostumados (SVO), mas outras sentenças aparentam violar regras sintáticas.

Abaixo, seguem algumas falas do Mestre Jedi na ordem SVO:

(1)          A Jedi uses the Force for knowledge and defense, never for attack.

(2)          The boy has no patience.

(3)          I cannot teach him.

(4)          May the Force be with you.

Em seguida, temos falas na ordem OSV:

(5)          My home this is.

(6)          When nine hundred years you reach look as good you will not.

(7)          Much to learn you still have.

(8)          Hard to see the dark side is.

Nos três exemplos abaixo, observa-se que os verbos principais foram separados dos seus auxiliares:

(9)          Agree with you, the council does.

(10)        Your apprentice, young Skywalker will be.

(11)        Lost a planet, Master Obi-Wan has.

Acompanhem o excelente Bruno Weber, o Robo Ilustrador

Aquisição da linguagem em contextos multilíngues

Prosseguindo com nosso raciocínio, vamos explicar alguns conceitos de Aquisição da Linguagem.

Desde antes do nascimento de uma criança, ela já consegue captar e reconhecer características prosódicas das línguas que as pessoas falam próximos a ela. Desse momento até os 7 anos de idade, a criança passa por um período em que pode adquirir uma língua nativa. Assim, se inserida em um contexto multilíngue, a criança pode adquirir mais de uma língua materna. Isso ocorre, por exemplo, quando uma família de brasileiros com um bebê vai morar na Inglaterra: entre eles, a língua utilizada é o português, mas o resto da sociedade faz uso do inglês, de modo que a criança adquire duas línguas maternas.

Por outro lado, quando aprendemos uma segunda língua mais tardiamente, o cérebro já sabe o que é uma língua e quais são seus componentes. Assim, esse processo deixa de ser baseado na aquisição (espontâneo) e se baseia em um aprendizado (demandando um esforço consciente e, geralmente, um processo formal de estudo). Com base nisso, é de se esperar que aconteça o que chamamos de transferência linguística, a transferência das regras da nossa língua materna para aquela que estamos aprendendo.

Por exemplo, nós, falantes do português brasileiro, dizemos “Eu gosto muito de Star Wars”. A mesma frase dita em inglês é “I like Star Wars very much”. Quando a transferência ocorre, troca-se, por exemplo, a regra da posição do advérbio. Então, no português, como o advérbio vem logo depois do verbo, o falante empregaria essa mesma regra no inglês, de modo que a frase ficaria “I like very much Star Wars”.

Desenvolvimento da(s) espécie(s): Diferenças ontogenéticas

Uma observação importante é que Grogu e Yoda são sencientes, uma espécie diferente da nossa, homo sapiens. Nesse sentido, certamente existem diferenças no nosso ritmo de desenvolvimento tanto físico quanto cognitivo, o que chamamos de diferenças ontogenéticas. Um exemplo disso é que nós, humanos, temos no Brasil a expectativa de vida de 75 anos segundo dados de 2021. Por outro lado, Grogu tem por volta de 50 anos em sua forma infantil e Yoda morreu com cerca de 900 anos. Isso nos faz imaginar que nossas regras de aquisição de linguagem não se aplicariam caso, hipoteticamente, uma espécie como a dos nossos personagens existir em algum lugar do espaço-tempo.

Como forma de resolver o problema, vamos pensar numa regra simples: consideraremos os 900 anos de Yoda como equivalente aos 75 anos de expectativa de vida do brasileiro e, assim, cada ano de vida de um brasileiro seria equivalente a cerca de 12 anos do mestre Jedi. Isso quer dizer que Grogu, com 50 anos, teria o equivalente a cerca de 4 anos humanos. Isso nos dá alguma base de comparação, porém, ainda teríamos um problema: uma criança de 4 anos fala pelos cotovelos! De todo modo, essa é outra discussão e, por ora, seguiremos nossa discussão desconsiderando que, pela nossa comparação, Grogu já deveria ter sido encaminhado a um fonoaudiólogo aos 25 anos (ou 2 anos humanos).

De volta ao Universo de Star Wars

Precisamos agora considerar o contexto social do universo de Star Wars. Tomamos como base a prequel (Episódios 1, 2 e 3), para ser um Jedi, as crianças deixam suas famílias muito cedo (em geral, antes dos 5 anos) e partem para o treinamento na Ordem Jedi, onde a língua mais utilizada no cotidiano é o Galáctico Básico (língua veicular tal qual o inglês em nossa Terra). Ou seja, por mais que as crianças tenham tido contato com sua língua materna, esse contato perdurou apenas na primeira infância.

Foto da Nasa. [Pelúcia de] Grogu na cápsula Crew Dragon Resilience durante a missão SpaceX Crew-1. https://eol.jsc.nasa.gov/SearchPhotos/photo.pl?mission=ISS064&roll=E&frame=6954

Como vimos na seção anterior e desconsiderando prováveis diferenças de ritmo de desenvolvimento entre a espécie de Grogu e as crianças humanas, poderíamos dizer que nosso Baby Yoda adquira pelo menos duas línguas maternas: a de seu planeta/povo natal e o Galáctico Básico. Ainda assim, por falta de contato com falantes de “Yodês” e a não utilização dessa língua durante muitos anos, é possível que, com o tempo, Grogu esqueça dos estímulos recebidos.

Assim, Grogu muito provavelmente falaria da mesma forma que as pessoas ao seu redor falavam em sua infância. Considerando que o personagem cresceu ouvindo o Galáctico Básico ao longo da maior parte de sua vida, é mais provável que ele fale como os jedis, ou seja, com a ordem SVO dessa língua. Isso faz com que o Mestre Yoda, embora seja um grande mestre Jedi, não seja o melhor exemplo da forma como Grogu falaria o Galáctico quando ele finalmente começar a falar.

Saiba mais:

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova Gramática do Português. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

DAVIDSON, Lisa. What Might Baby Yoda’s First Words Be? 2019. Disponível em: https://slate.com/technology/2019/12/baby-yoda-first-words-linguistics.html. Acesso em: 09 jul. 2022.

ENGLISH, Canguro. A language expert explains how Baby Yoda will speak. 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_y8_i3c0hgw. Acesso em: 28 jun. 2022.

FERNANDES, Tarik. Spin de Notícias #87: 12 Auroran 2018 (13/01/2018) Multilinguismo, Língua Materna e Yoda havaiano. 2018. Disponível em: http://www.deviante.com.br/podcasts/spin/spin-de-noticias-87/. Acesso em: 07 jul. 2022.

WALKDEN, George. Open Yoda Corpus. 2018. Disponível em: https://oaling.wordpress.com/2018/03/06/open-yoda-corpus/. Acesso em: 28 jun. 2022.

KAIL, Michèle. Aquisição de Linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.

KAMINSKI, Michael. Yoda-speak: a study of Yoda’s speaking patterns and their frequencies. 2011. Disponível em: http://fd.noneinc.com/secrethistoryofstarwarscom/secrethistoryofstarwars.com/yodaspeak.html. Acesso em: 07 jul. 2022.

SAMPAIO, Thiago Oliveira da Motta. Multilinguismo: sobre aquisição e aprendizagem de línguas. 2018. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/linguistica/2018/01/14/multilinguismo-sobre-aquisicao-e-aprendizagem-de-linguas/. Acesso em: 29 jun. 2022.

QUEEN MARY UNIVERSITY OF LONDON (org.). A bit like Hawaiian, Yoda’s language is. 2017. Disponível em: https://www.qmul.ac.uk/media/news/2017/hss/a-bit-like-hawaiian-yodas-language-is.html. Acesso em: 28 jun. 2022.

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