Minhas impressões: 26o Congresso de Microbiologia – parte 1
Entre os dias 02 a 06 de outubro, na cidade de Foz do Iguaçu/PR, aconteceu o 26o Congresso Brasileiro de Microbiologia (CBM), organizado pela Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM). Esse é o maior congresso de microbiologia do Brasil, pois abrange as mais diversas áreas/subdivisões, e participam não só os grandes nomes da microbiologia no Brasil como do mundo.
Acho que sem sombra de dúvidas, a comparação entre este e o último CBM (que ocorreu em 2009 em Porto de Galinhas) é inevitável. Desde que entrei no laboratório em 2007 ouço comentários não muito favoráveis ao CBM, principalmente em relação às palestras ruins – mesmo assim resolvi ir ao CBM de 2009. Naquele ano, a grande decepção porém não se restringiu às palestras, mas expandiu-se por toda a organização. Começou na festa de abertura (que teve um show latino excelente, mas) que deixou muito a desejar nos comes e bebes. E isso também prosseguiu com a falta de coffee break e, principalmente, de água. Estávamos isolados do mundo, num calor infernal, e não tínhamos nem água pra beber. Neste ano isso foi resolvido. Além de um coffee break farto e gostoso, tivemos também almoço incluso – e, muito bom por sinal!! Um meeting point grande e com wifi grátis! A minha grande reclamação diz respeito ao último dia do congresso, que consistia apenas do Simpósio de Bactérias Láticas, e os participantes não tiveram direito a almoço e transporte ao final. A organização alegou que o simpósio e o congresso eram eventos distintos e independentes…
Junto ao congresso, aconteceram quatro eventos paralelos: ISME – Simpósio Internacional de Microbiologia Ambiental (América Latina), ENAPROM – Encontro Nacional de Professores de Microbiologia, Simpósio de Coleções de Cultura e o Simpósio de Bactérias Láticas. Eu participei basicamente do ISME, do Simpósio de Bactérias Láticas e assisti algumas palestras da área de relação parasito hospedeiro. ”
Algumas considerações
– O congresso teve em sua abertura a assinatura do acordo entre a SBM e outras sociedades com o propósito de se unirem para uma discussão e o desenvolvimento de métodos para a determinação de resistência bacteriana a antibióticos – que hoje seguimos padrões e valores americanos. Isso permite uma prática mais aplicada a nossa realidade e é um grande passo para a clínica brasileira.
– A palestra de abertura, “Martians, dinosaurs and mammals: Nihilistic thoughts on the origin of microbial virulence”, foi ministrada pelo prof. Casadevall que tem mais de 500 artigos publicados (mais de 35 artigos por ano, nos últimos anos!!). Achei que seria uma palestra que tenderia para o lado filosófico da coisa, mas o que o professor discutiu foram os mecanismos de patogenicidade dos fungos. E onde entram os marcianos, os dinossauros e os mamíferos aí no meio. Bom, não foi no meio, mas nos últimos 5 minutos da palestra. Os argumentos seriam:
1) MARCIANOS – que os fungos possuem uma gama variada de mecanismos de patogenicidade que os permitiram infectar mesmo um ET que por acaso viesse parar aqui na Terra.
2) DINOSSAUROS – o professor argumentou que os dinossauros, teriam sido extintos (em parte) por possíveis infecções fúngicas que teriam acontecido durante o resfriamento da Terra após a queda do asteróide.
3) MAMÍFEROS – ascensão dos mamíferos após a era dos dinossauros poderia estar associada a temperatura elevada do corpo o que dificultaria o desenvolvimento de micoses sistêmicas.
Tive alguma dificuldade em compreender o inglês do professor e, por isso, não sei os argumentos mais específicos. Além disso, o Roberto Takata – quando eu comentei sobre isso no twitter – levantou algumas questões bastante pertinentes: Apesar de os dinos terem se extinguido, outros grupos de répteis continuam aí firmes e fortes, e que existem indícios de que os dinossauros provavelmente possuíam temperaturas mais elevadas.
– Outro ponto que me chamou muito a atenção foi o estudo do microbioma. Por microbioma entendemos a identificação dos micro-organismos que vivem num determinado ambiente por meio de técnicas de biologia molecular. A grande vantagem é que, assim, mesmo os micróbios que não são cultiváveis podem ser identificados. Ë importante ressaltar que apesar de ouvirmos muito esse termo relacionado ao projeto microbioma humano, a busca por identificar as bactérias incluem aquelas que vivem no solo e nas águas, por exemplo. Há também grande interesse em descrever as funções de cada um desses organismos.
– As interações microrganismo-microrganismo, bem como as microrganismo-hospedeiro também têm ganhado grande apelo com as novas técnicas de biologia molecular e o avanço do microbioma. Nesse ponto podemos citar o papel dos microrganismos no desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais, obesidade e mesmo na regulação do sistema imune. Quando falamos de microbiologia ambiental, ressalto aqui o trabalho da profa. Leda Hagler (UFRJ) que trabalha na busca de microrganismos para serem utilizados na biorremediação de plantas de mangues contaminados.
– Estudos que permitam um melhor uso de bactérias probióticas em escala industrial também estão sendo bastante visados: linhagens que resistam a diferentes técnicas de processamento, que resistam por mais tempo nas prateleiras… e tudo isso sem perder suas propriedades.
Enfim, tem muita pesquisa boa e aplicada sendo realizada por aí…
Quero só falar de mais um dos momentos que presenciei. Um momento bem tenso por sinal: O pesquisador Jean-Marc Chatel (INRA/França) comentou na sua palestra sobre o uso de células Caco-2 (linhagem de células cancerosas) na sua pesquisa de interação microrganismo-hospedeiro. No momento das perguntas, a profa. Avrelija Cencic (University of Maribor/Eslovênia) levantou questionamentos se esse seria o melhor modelo, uma vez que a fisiologia dessas células é muito distinta das células normais. A partir de então, iniciou-se um bate-boca que terminou com Chatel soltando a seguinte frase: “Se eu estou fazendo errado, tem milhares de pesquisadores que também estão”. Bela forma de se terminar um discussão acadêmica, certo? Não.
Fechei esse congresso com uma visão bem positiva – e estou esperando o próximo em 2013 já com ansiedade! (espero que até lá eu tenha melhorado meu listening e que os palestrantes tenham melhorado o inglês falado!)