SUPERORGANISMO: acredite, você é! – 1 de 3

PARTE 1
Microrganismos… esses seres incompreendidos

ResearchBlogging.org

No século XIX, dois famosos cientistas – Robert Koch e Louis Pasteur – demonstraram formalmente que microrganismos eram causadores de muitas doenças. Essa proposição ficou conhecida como “Teoria do Germe da Doença”. Não que essa noção nunca houvesse aflorado anteriormente – muito pelo contrário, há relatos tão antigos quanto 36 a.C., quando Marcus Terentius Varro escreveu: “certas criaturas diminutas, que não podem ser vistas por nossos olhos e que flutuam no ar e entram no corpo pela boca e nariz, e então causam sérias doenças”. Essa concepção sofreu um grande abalo no século XX, quando Metchnikoff demonstrou que microrganismos também poderiam atuar como agentes benéficos e promotores de saúde. Estava, ali, lançada a base para o que hoje chamamos de probióticos.

No final da década de 1990 a descoberta dos Receptores de Reconhecimento de Padrão (PRRs) foi um grande marco para a imunologia inata. Os PRRs reconhecem os chamados Padrões Moleculares Associados a Microrganismos (MAMPs), que são moléculas não muito específicas de estruturas comuns a diversos tipos de microrganimos (como a flagelina do flagelo ou os lipopolissacarídeos – LPS – da parede celular). Como a ativação dos PRRs leva a um desencadeamento de uma resposta que busca detectar e destruir esses micróbios, costumamos chamar os MAMPs de PAMPs – Padrões Moleculares Associados a Patógenos.

Hoje sabemos que somos colonizados por microrganismos – que denominamos microbiota indígena. É muito claro que esses microrganismos estão presentes formando comunidades heterogêneas e em superfícies corporais bastantes específicas. Essa colonização ocorre basicamente na pele, superfícies mucosas (boca, vagina, olhos) e no trato gastrintestinal. Muito curioso e muito lógico é o fato de que existem grupos principais (filos) que habitam nosso corpo, e eles são 4: os bacteroidetes, os firmicutes, as actinobacterias e as proteobacterias. Quando analisamos a composição dessa microbiota em relação às espécies presentes e comparamos entre diferentes indivíduos, vemos que há uma grande variação – e isso depende de vários fatores e nos permite observar que, por exemplo, membros de uma mesma família possuem uma microbiota mais homogênea do que indivíduos não relacionados.

Fig. 1 – Esquema da distribuição sítio-específica dos filos bacterianos em um ser humano saudável. A área de cada setor do gráfico está relacionada ao número de diferentes espécies bactérias do filo no determinado sítio do hospedeiro.

Quando comparamos, porém, a nossa microbiota e a microbiota de ambientes naturais, como solo ou ambientes aquáticos, observamos um padrão de distribuição de filotipos completamente diferente.

Fig. 2 – A árvore da foto da esquerda mostra um padrão que seria observado em um dendograma da microbiota ambiental; observe como se mostra com várias ramificações principais (filos) que se ramificam novamente em diferentes pontos (espécies), criando uma árvore com ramificação bastante complexa. Por outro lado, a diversidade da microbiota associada aos vertebrados (foto da árvore da direita) exibe um padrão mais restrito de ramificações principais (filos), exibindo, porém, grande número de ramificações secundária (espécies).

Fig. 3 – Relação filogenética entre as espécies de bacterias da microbiota de humanos. Compare o padrão dessa imagem, com o apresentado na figura anterior.

É importante ressaltar a similaridade do padrão de distribuição dos filos bacterianos em humanos (fig. 3) com o de outros mamíferos como roedores, gado e suínos – considerando, ainda que são distintos a nível de família e gêneros. Considerado o exposto, não é de se espantar o contrate existente entre a diversidade reduzida considerando-se os filos e a grande diversidade quando falamos de família ou gênero da microbiota dos diferentes mamíferos, quando levamos em conta a longa trajetória co-evolutiva estabelecida entre cada grupo animal e suas bactérias.

Considerando tudo o que foi exposto até agora podemos traçar um linha clara entre duas classes de microrganismos: os patógenos que são capazes de induzir uma resposta imune que tende a levar a sua eliminação pelo hospedeiro; e os microrganismos inócuos (microbiota) que tendem a colonizar o corpo, com efeitos benéficos, dentre eles as respostas anti-inflamatórias.

Ocorre, porém, que está surgindo uma nova tendência que quer jogar por terra essa visão dualística de BEM x MAL e considerar uma relação flexível estabelecida entre o microrganismo e seu hospedeiro. Assim, o sistema imune não reagiria para combater o mal, mas com a finalidade de moldar o ambiente microbiano de forma a permitir que o organismo viva com seus micro-organismos. Uma relação tão intensa que determinaria um equilíbrio dinâmico, típico de um SUPERORGANISMO.

Leia a parte 2.

Leia a parte 3.

 

REFERÊNCIAS

Eberl, G. (2010). A new vision of immunity: homeostasis of the superorganism Mucosal Immunology, 3 (5), 450-460 DOI: 10.1038/mi.2010.20

Dethlefsen, L., McFall-Ngai, M., & Relman, D. (2007). An ecological and evolutionary perspective on human–microbe mutualism and disease Nature, 449 (7164), 811-818 DOI: 10.1038/nature06245

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