SUPERORGANISMO: acredite, você é! – 2 de 3
PARTE 2
O superorganismo…
E um pouquinho de conceituação também é importante
Leia a primeira parte. Clique AQUI.
Em um dos primeiros posts do blog, “100 trilhões ‘delas’ em nós”, levantei a questão da adequação dos termos comensalismo e mutualismo na relação estabelecida entre a microbiota e seu hospedeiro. Tenho hoje um visão melhor sobre essas relações e, antes de prosseguirmos para a discussão sobre o superorganismo, é importante termos alguns conceitos bem estabelecidos.
Vamos denominar como SIMBIOSE a relação entre o hospedeiro e seus micróbios. Esse termo é amplo e indica uma inter-relação entre dois organismos – mostra-se como o mais adequado, pois abrange em si outras formas mais específicas de interação como:
– MUTUALISMO: ocorre quando ambas as espécies são beneficiadas.
– COMENSALISMO: uma das espécies é beneficiada, mas não há prejuízo para a outra.
– PARASITISMO: um dos organismos (o parasita) se beneficia causando danos ao hospedeiro.
Considerando a microbiota e a relação de simbiose estabelecida com o hospedeiro, temos que há benefícios para ambas as partes envolvidas. Aos microrganismos é fornecido um ambiente regularmente abastecido com grande disponibilidade de alimento. Ao hospedeiro há complementação de vias metabólicas digestivas, degradação de xenobióticos, homeostase do epitélio intestinal e efeito barreira contra patógenos. A função da microbiota, portanto, vai muito além da contribuição nutricional. Quando consideramos os animais isentos de germes (germfree) observamos que o sistema imune desses animais é subdesenvolvido – e estudos tem demonstrado cada vez mais o papel que a microbiota desempenha no desenvolvimento e na maturação do sistema imune.
É neste ponto que introduzimos o conceito de SUPERORGANISMO.
Consideramos como organismo um sistema vivo autônomo dotado de metabolismo e potencial reprodutivo. Um superorganismo possui um nível maior de complexidade e consiste de mais de um organismo – uma coleção de agentes que podem atuar em conjunto produzindo um fenômeno governado pelo coletivo. No nosso caso ele é composto do hospedeiro e sua microbiota simbionte, mas as sociedades de formigas, cupins e abelhas também se encaixam nesse conceito.
Fig.1 – Observe que o superorganismo envolve não só o fato de viver em conjunto e estabelecer uma situação de equilíbrio, mas envolve um aumento do fitness evolutivo – e isso se deve ao fato da complementação dos metabolomas (todos os processos metabólicos) do hospedeiro e dos micro-organismos.
Podemos nos propor uma pergunta muito pertinente: “O que permite ao organismo aceitar uma quantidade gigantesca de microrganismo (microbiota) e rejeitar outros (“patógenos”)?
Quando no útero somos estéreis e nossa colonização por bactérias inicia-se tão logo ocorre o parto. Nosso sistema imune, porém, ainda é imaturo, e assim, durante seu período de maturação ele entra em contato com essa microbiota e aprende a tolerá-la. Após estabelecidos (tanto a microbiota quanto o sistema imune), a chegada de um microrganismo novo e com capacidade de invasão é visto pelo sistema imune como algo estranho e que deve ser combatido e eliminado.
Fig. 2 – O esquema mostra o modelo dualístico moderno, como apresentado no texto, ou seja, o sistema imune reage primariamente a situações de perigo. Ele é capaz de tolerar/ignorar o próprio – e aqui essa noção de próprio inclui tanto as células do próprio hospedeiro em condições normais como a microbiota simbionte (mutualística/comensal). Por outro lado, os sinais de perigo envolvem alterações nas células do hospedeiro (células mortas/cancerosas, por exemplo) e microrganimos “patogênicos”.
Mas quem são, realmente, esses microrganismos patogênicos? Ah… isso a gente discute no próximo post!
Clique aqui para ler a parte 3.
REFERÊNCIA
Eberl, G. (2010). A new vision of immunity: homeostasis of the superorganism Mucosal Immunology, 3 (5), 450-460 DOI: 10.1038/mi.2010.20