Microfluídica Digital e as gotas movidas por programação

Microfluidica Digital é um dos ramos mais recentes para manipulação de líquidos que permitem o controle de gotas em superfícies planas através da condutividade do material que recobre as paredes do dispositivo possibilitando operações como mistura, separação, aquecimento e resfriamento.

Existem basicamente dois tipos de dispositivos na microfluídica digital: os dispositivos abertos (uma camada) e os fechados (duas camadas), sendo esse segundo grupo o mais utilizado por restringir o contato do líquido com o ar ou outros contaminantes.

Na figura abaixo vemos exemplos dos dois tipos de dispositivo.

Dispositivos Microfluidicos Digitais. Na esquerda um dispositivo de modelo aberto e na direita um dispositivo de modelo fechado. Imagem: Wheeler lab, Universidade de Toronto

Como funciona a Microfluídica Digital

O princípio fundamental da microfluídica digital está no estudo da superfície de contato. Quanto mais hidrofóbica a superfície, menor é a permeabilidade do fluído.

Essa hidrofobicidade, característica dos dispositivos, cria um campo elétrico em um processo chamado electrowetting on dielectric (EWOD).

A aplicação desse campo elétrico cria uma camada hidrofílica polarizada na superfície do líquido que achata as gotas. A localização dessa polarização é controlada para produzir um gradiente de tensão que controle a movimentação das gotas na superfície da plataforma microfluídica.

Os materiais utilizados para base na criação desses dispositivos precisam ser necessariamente materiais dielétricos, como o vidro, que é cercado por eletrodos que acumulam carga e gradientes de campo elétrico.

A parte superior do dispositivo é tipicamente uma camada hidrofóbica para criar uma baixa energia superficial no ponto de contato entre as microgotas.

Aplicações recentes da Microfluídica Digital

Entre as principais aplicações da microfluídica digital está na conexão da área com a química e a biologia para detecção de componentes em fluidos como sangue, saliva ou urina.

Um dos processos que é possível ser realizado nesse tipo de dispositivo é o PCR, devido a boa capacidade desse tipo de dispositivo de realizar manipulações e leituras de ácidos nucleicos.

Um estudo recente publicado por Jain e Muralidhar (2020) no períodico Transactions of the Indian National Academy of Enginnering mostra o desenvolvimento de um sistema microfluídico capaz de realizar o exame PCR aliado ao processo EWOD (Electrowetting-on-dielectric).

Nesse processo, o dispositivo recebe a amostra infectada e um reagente para extração de RNA. A amostra e o reagente passam por uma zona de mistura e por um tratamento térmico.

Com o RNA extraído, o fluido se movimenta para outra câmara onde se mistura com outros reagentes para conversão do RNA em cDNA em uma nova região de tratamento térmico.

Por fim, o fluido é transportado para uma terceira região para se misturar novamente com reagentes que amplificariam o DNA da amostra, passa por mais um tratamento térmico (região do PCR) e passa por um detector ótico para gerar a resposta. 

Outro avanço recente na área é o dispositivo FINDER 1.5 da Baebies. O FINDER 1.5 é uma plataforma de diagnóstico baseada na tecnologia de Microfluídica Digital – realizando testes com baixo volume de amostra com um tempo de resposta rápido.

Esta tecnologia opera com baixo volume de gotas, permitindo rápido aquecimento e resfriamento. Aquecedores e sensores estão localizados diretamente no cartucho descartável. A operação de teste é totalmente controlada por software.

Abaixo um vídeo exemplificando melhor como funciona a tecnologia.

Perspectivas

A microfluídica digital pode ter um forte impacto nos futuros dispositivos point-of-care e em outros monitoramentos de processos em tempo real.

Em tempos de pandemia, esse tipo de dispositivo pode acelerar diagnósticos e condições inflamatórias de pacientes, auxiliando em tratamentos e na escolha do procedimento a ser tomado por médicos e enfermeiros.

Dispositivos como os criados por Jain e Muralidhar, podem significar o futuro dos dispositivos biomédicos.

Referências

Jain, V.; Muralidhar, K. Electrowetting-on-Dielectric System for COVID-19 Testing. Transactions of the Indian National Academy of Enginnering, 2020.

Coelho, B., Veigas, B., Fortunato, E., Martins, R., Águas, H., Igreja, R., & Baptista, P. V. Digital Microfluidics for Nucleic Acid Amplification. Sensors, 2017

Jebrail, M.; Wheeler, A. Let’s get Digital: digitizing Chemical biology with microfluidic. Current Opinions in Chemical Biology, 2010.


Texto escrito em parceria com Johmar Souza, @johmarsouza

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Sobre Harrson S. Santana

Doutor em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com enfoque em Microfluídica, Simulação Numérica e Biodiesel. É também especialista em Impressão 3D de microdispositivos. • Atuou como Prof. Dr. da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) na área da Termodinâmica Aplicada e Operações Unitárias`; Foi Professor colaborador da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na área de Microrreatores; Professor Visitante na Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto ESSS. • Atuou como Pesquisador na UNICAMP nas áreas de Microfluídica, Manufatura Aditiva, Simulações Numéricas e Processos Químicos. • Ministrou Cursos e Workshops acerca de diversos temas, tais como Modelagem e Simulação de Dispositivos Microfluídicos e Impressão 3D de Dispositivos Microfluídicos, a convite de diversas instituições como Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Espírito Santo. Também foi palestrante convidado de diversas conferências nos temas de Biotecnologia, Energia, Microfluídica entre outros. • Foi editor dos livros "Process Analysis, Design, and Intensification in Microfluidics and Chemical Engineering" e "A Closer Look at Biodiesel Production". • Atualmente atua como editor convidado dos periódicos “JoVE Journal” e “Frontiers in Chemical Engineering”. • Participou até o momento de 18 projetos de pesquisa, como coordenador e integrante gerando como resultados 33 artigos científicos em importantes periódicos internacionais, 6 patentes depositadas e 7 programas de computador com registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). • É criador do blog Microfluídica & Engenharia Química, onde apresenta conteúdos dessas duas áreas e como elas influenciam a nossa sociedade. Seu interesse científico se concentra em fenômenos de transporte, engenharia das reações química, simulações numéricas de dispositivos microfluídicos aplicados em processos químicos, físicos e biológicos, impressoras 3D e bioimpressão, além de sistemas robóticos.

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