Alguns pontos de vista (parte 2) – Por Vinícius Nunes Alves
Se você gostou da primeira parte da resenha do livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política (2002) do Humberto Maturana, vale conferir agora a sua continuação.
Linguagem, emoções e ética nos afazeres políticos
O segundo capítulo recebe o título de “Linguagem, emoções e ética nos afazeres políticos” e começa considerando a reflexão como um outro condicionante da linguagem, ou seja, se não há reflexão sobre o que se coordena corporalmente, não ocorre linguagem.
Uma vez na linguagem, cada participante pode fazer uma proposição explicativa, mas o que determina se a proposição é válida ou não é o critério de validação de quem escuta.
Para ajudar a discutir isso, Maturana define dois tipos de objetividade – objetividade sem parênteses e objetividade entre parênteses.
A primeira ocorre quando a pessoa faz referências independentes dela, como se a explicação fosse válida independente do observador e sim universal. A segunda é quando a pessoa faz alegações considerando que estas são dependentes da experiência e da cultura dela, em outras palavras, o conhecimento se dá no social e o critério para validar ou não uma explicação depende da pessoa.
No contexto da objetividade entre parênteses, é razoável assumir que as experiências carregam em si um risco permanente da ilusão e uma carga de individualidade, conforme o economista e cientista social Eduardo Giannetti apresenta sem nenhum eufemismo no livro Auto-engano.
Usando as palavras de Giannetti: ”A observação de si interage e funde-se rudemente com o observado. A interpretação é o texto”.
Para a análise de discurso, é impossível desvincular o texto da autoria-sujeito e, o texto como todo objeto simbólico, é meio de interpretação, pondera Eni Orlandi (1996).
Maturana continua esse capítulo explanando como as relações humanas operam nos dois caminhos explicativos da objetividade. Segundo o autor, quando pessoas usam o caminho explicativo da objetividade sem parênteses, não há uma disposição de aceitação mútua.
Esta aceitação mútua, que Maturana também chama de amor, só pode ocorrer nas relações em que o caminho explicativo adotado é o da objetividade entre parênteses, o que também possibilita a linguagem.
Para o neurobiólogo, o amor não é apenas um sentimento, mas sim uma disposição social que se contrapõe à rejeição.
“O amor constitui o espaço de condutas que aceitam o outro como um legítimo outro na convivência, enquanto a rejeição constitui o espaço de condutas que negam o outro como legítimo outro na convivência”.
Assim, Maturana resume que os seres humanos não são o tempo todo sociais; somente são quando na dinâmica das relações há aceitação mútua. E ainda complementa que nos mais diversos ambientes as relações podem se alternar entre sociais e não sociais.
Como exemplos, o autor cita as relações hierárquicas entre um chefe e um funcionário ou entre um general e um soldado. Na interação desses podem haver interações consensuais que são relações sociais, e em outros momentos, essas relações não serem consensuais e sim de obediências, estas últimas se fundam na negação mútua implícita, pondera o neurobiólogo.
No caso da ciência que é uma das abordagens humanas de conceber o mundo, Maturana ressalta que ela não discrimina entre os dois caminhos explicativos – da objetividade sem parênteses e da objetividade entre parênteses.
Entretanto, o autor ressalta que ainda que a ciência tenha um método científico e que cada estudo possa ser replicado e reproduzível por outrem, a validade das explicações científicas não deixam de passar por experiências que dependem de obervação e comensuração individuais, ou seja, dos indivíduos cientistas.
Além disso, o neurobiólogo destaca que as explicações científicas são proposições que são aceitas provisoriamente segundo os critérios de validação que a comunicação científica tem em dado meio e dado tempo que a sociedade está vivendo.
Nesse momento, vale resgatar uma pitada do que a filosofia da ciência traz sobre as ideias na prática científica. Conforme pondera Gilson Volpato, especialista em redação e metodologia científica, em seu livro Ciência: da fiilosofoa à publicação, toda avaliação humana é permeada por concepções e, nesse sentido, nossas concepções influenciam como interpretamos ideias e fatos.
Usando as palavras de Volpato: “os cientistas são alimentados pelos dados, mas também são guiados pelas transformações paradigmáticas da época”.
E como ressalta Eni Orlandi em seu livro Interpretação, todo discurso, inclusive o científico, opera com sujeito e linguagem, sendo que esses sofrem deslocamentos entre seus limites e relações na sociedade.
Na sequência, o livro dedica uma seção inteira de perguntas e respostas que concernem aos principais pontos teóricos do pensamento de Maturana.
Essa seção pode ser considerada o terceiro capítulo, no qual o neurobiólogo procura esclarecer que os conteúdos apresentados anteriormente são mais aplicáveis do que se imagina.
Por fim, o capítulo da conclusão convida os chilenos a buscarem cada vez mais a convivência social baseada na aceitação mútua e em projetos mais amplos de sociedade.
Relacionado a isso, a obra ressalta que as disposições emocionais, o que inclui os desejos, continuarão a fundar os atos cotidianos de cada cidadão e esses atos, por sua vez, se aproximam ou se afastam da vida democrática.
Ainda que nesse momento, vale ressaltar que a linguagem é uma ferramenta imperfeita com autonomia relativa na sociedade, inclusive é uma ferramenta que está sob influência de eventuais desejos inconscientes dos sujeitos, conforme analisa o linguista Paul Henry.
Por fim, Humberto Maturana reitera que a responsabilidade social está na mão de todos, sejam governados ou governantes, e que não deve haver domínio representativo de um só grupo, seja de militares, educadores, proletários, etc.
“As ações que constituem uma sociedade democrática não são a luta pelo poder nem a busca de uma hegemonia ideológica, mas a cooperação que continuamente cria uma comunidade onde os governantes aceitem ser criticados e, eventualmente, trocados, quando suas condutas divergirem do projeto democrático que os elegeu”.
Posto isso, há quem concorde que essas proposições finais também podem se estender a qualquer país que se diz democrático, inclusive o Brasil, “terra que tem palmeiras, onde canta o sabiá” [será que canta?].
Para Saber Mais
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base nacional comum curricular. Brasília, DF, 2016.
GIANNETTI, E. Auto-engano. Ed. Companhia das Letras, 2005.
ORLANDI, E.P. Texto e Discurso. In: Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Ed. Vozes, 1996.
VOLPATO, G. Ciência: da filosofia à publicação. Ed. Cultura Acadêmica, 2013.
Sobre o autor:
Vinícius Nunes Alves é licenciado e bacharel em Ciências Biológicas pelo IBB/UNESP, mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela UFU. Atualmente é estudante de especialização em Jornalismo Científico pelo Labjor/UNICAMP e colunista do jornal Notícias Botucatu.