Desde o início da divulgação dos nomes dos participantes do BBB 21 ( Big Brother Brasil) 2021, programa de reality show vinculado à emissora Rede Globo. Comemorou-se o fato de finalmente, o programa selecionar um número considerável de integrantes negros em sua nova edição.
A comemoração vem após 21 edições do programa acompanhado de diversas denúncias e reivindicações por coletivos, intelectuais e influencers negros, assim como parte da sociedade que não se via representado diante da evidente falta de diversidade que tomava programa.
É então, em 2021, através da proposta que se instaura para consumidores do programa, a possível “virada”, carregada de esperança e alegria, dada a mudança que se anunciava.
Na data de divulgação dos nomes dos participantes – enquanto me jogava em meio as postagens inacabáveis do feed do instragram – , cada “brother” que era divulgado, era seguido de eufóricas postagens nas redes sociais de simpatizantes animados com os anúncios, salvo alguns olhares receosos de nomes já conhecidos por escândalos. Enfim…
O fato a ser destacado é que finalmente o BBB iria trazer mais integrantes negros e novas vozes para a casa, até então invisibilizadas na atração nacional.
Este é o momento de comemorações visto que independente dos gostos, o BBB é pensando e formulado como um meio de “comunicação de massa”, ou seja, promove uma distribuição massiva de informações a um número considerável de telespectadores, assim o BBB tem o potencial de alcançar a maioria das famílias brasileiras.
E relembrando a fala da antropóloga e escritora Lélia Gonzalez quando falamos de massa estamos nos referindo também ou principalmente ao grande contingente de negros que dela faz parte.
Assim, se o objetivo era levar o olhar da diversidade negra para dentro dos lares, dada a distribuição massiva que o programa proporciona, o mesmo promoveria para aos interessados mudanças, certo?
É importante destacar que a estreia do BBB21 chegou ao alcance de 43 milhões de telespectadores no painel nacional com o controle PNT ( painel nacional de televisão) pesquisado eletronicamente pela Kantar Ibope Media.
Cultura de Massa e o Mal Capitalista
Os Estudos Culturais (Cultural Studies) movimento americano e britânico que teve grande força nos anos de 1970 – 1990, destinou esforços consideráveis para sintetizar o tema nomeado “cultura da massa”, promovendo um olhar atento e crítico às formas de dominação e cultura midiática.
O meio de comunicação de massa é só uma maneira de pensarmos a forma universal de transmissão da informação, mesmo entendendo que esse sentido não valoriza a particularidade que envolve cada indivíduo, e sua cultura como forma de representação social.
Outra característica marcante das emissoras de TV de canal aberto está na forma com que se capitaliza. Ou seja, seus “produtos/programas” precisam ser pensados e produzidos de forma extremamente vendável, (este é um dos principais pilares das emissoras de TV aberta), é no uso desta audiência como moeda de troca que a emissora de TV capitaliza e “rende” como empresa.
Não à toa, são espaços de grande disputa para o mercado publicitário e de influências… O mal capitalista é central, porém é apenas um dos pontos.
Mais sobre isso: O Dilema das Redes e porque esse problema também é seu!
O outro ponto que devemos considerar nesta análise está na pergunta: Quem são essas pessoas que “possivelmente” idealizaram e conduziram essa suposta mudança no direcionamento do BBB?
Aliás, pelo contrário, os mesmos veículos serviram por décadas para reforçar, ausências ou padrões e estereótipos negativos do povo preto para a sociedade.
Existem trabalhos acadêmicos que traçam o perfil da história da imprensa brasileira e que demonstram os esforços para o silenciamento e apagamento da população negra.
Inclusive meu trabalho acadêmico traça parte dessa imprensa falando da narrativas e vivências de jornalistas negras nas emissoras brasileiras: “A cor da mídia: discutindo o papel do audiovisual na construção social da identidade negra no Brasil” (assim que estiver com o link do trabalho coloco aqui)
Afinal, o domínio das emissoras tradicionais está estrategicamente nas mãos das mesmas pessoas, sendo eles – Os homens, brancos e elitistas, que fogem a qualquer definição vigente de neutralidade e universalidade.
Aliás, o que vemos na verdade é a visão do mundo racista e separatista, que estes mesmos ajudaram a criar e manter.
Então o que estamos vendo no BBB21?
Estamos falando de meios de comunicação geridos como indústrias, que são naturalmente mutantes, e que portanto, sua formulação é confrontada frequentemente seja pela política atuante, seja pela classe dirigente, seja pelas mudanças sociais que se contrapõem a essa forma de saber hegemônico.
Essa mutação que vemos dentro das emissoras ocorre, entre outras, pelas mudanças sociais.
Na prática, o que ocorre é: não só as emissoras que determinam os aspectos sociais que vivemos, como também os consumidores que estão entre os principais interessados para eles, para a manutenção de sua audiência, seguindo assim, dinheiro e poder. A oposição “eles-nós” estrutura a relação de poder.
Atualmente com as redes sociais aplicadas como ferramenta é possível potencializar vozes e promover através das redes um contato maior da sociedade com conteúdos e temáticas que expõe realidades até então discutidas por grupos específicos, e destinados a debaterem os temas.
Hoje conseguimos ter visões de mundo diferente daqueles que estávamos habituados a consumir por aqueles que determinavam a narrativa por meio de suas emissoras, afinal, qualquer pessoa que utiliza alguma das redes sociais, já se deparou com algum debate de racismo enquanto estava navegando no Facebook, ou no Instagram.
Exatamente essa dinâmica, mesmo que rasa em algumas ocasiões estimulou a abertura, possibilitando para a sociedade espaços mais amplos para verbalizar e expor indignações até então ignoradas pela hegemonia intelectual branca e burguesa.
O fato é que ano de 2020, foi muito significativo para a mídia em relação às discussões de assuntos ligados ao racismo e desigualdades raciais.
Os movimentos sociais que vem crescendo e que efervescem o mundo em respeito às vidas negras, e as questões de descriminação racial, e violência policial, pesaram para a escolha dos participantes, pautado na ideia da mutação das mídias.
No entanto, existe outro “confronto” ligado ao momento político que se vive no Brasil, e não deve ser ignorado. A política neoliberal meritocrática e desmoralizante, em conjunto com a ideia de domínio midiático.
A possibilidade de haver qualquer boa intenção se desmorona rapidamente com a proposta dessa parceria. Ou seja, as emissoras de TV não promoveriam ato de tamanha relevância para auxiliar nas reivindicações e lutas da pauta negra, muito menos para demonstrar mais diverso com a inclusão dos participantes negros.
O cenário que hoje se demonstra mais promissor para se debater sobre o racismo soa incômodo para aqueles que sempre se detiveram da narrativa, ou que sempre falaram, pelos negros.
As pautas da negritude são, e sempre foram incômodas para essa política que promove discursos elitistas contrários a qualquer pauta social – temos como exemplo de postura política a indicação feita pelo atual presidente da república Jair Messias Bolsonaro à Presidência da Fundação Cultural Palmares – órgão de promoção da cultura afro-brasileira, sendo ele um homem negro que integra a frente de um cargo de extrema importância política para a negritude, entretanto promove discursos contrários e ofensivos a toda a luta e pauta de movimento negro.
Então qual a proposta das emissoras de TV instituída através do BBB?
Como relacionei ao longo do texto, acredito que a proposta do programa faz parte de uma relação tensionada por diversas camadas que existe entre o modelo já existente que envolve relações de poder, elitismo e política, em conjunto da relação social que vivemos.
Contudo, acredito que o meio praticado é o mesmo que já ocorre por décadas dentro dessa relação desigual.
Que é deslegitimar reivindicações de pautas coletivas negras usufruindo de um contexto social, oferecendo apenas uma falsa sensação de representatividade, quando nesta perspectiva o que é oferecido se trata de representação.
Se levarmos em consideração o racismo institucional midiático, e devemos, mesmo que exista essas modificações por parte da sociedade, as emissoras carregam consigo interesses de um grupo dominante que ao institucionalizar seus interesses, impõe regras a toda sociedade, assim como padrões de conduta e os “ modos de racionalidade que tornam normal e natural o seu domínio” (ALMEIDA,2018).
Entretanto, a participação de integrantes negros, não altera o racismo midiático, que inviabiliza qualquer mudança em sua estrutura. O que torna a representação desses atores totalmente manipulável e nula dada a magnitude que envolve a luta de causas coletivas Negras.
Referências:
Éric MAIGRET (2015), Sociologie de la communication et des médias, 3e édition, Paris, Armand Colin.
DE ALMEIDA, Silvio Luiz. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Letramento, 2018.
Lugar de negro. Coautoria com Carlos Hasenbalg. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.
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