Por que uma plataforma sobre biodiversidade pode ganhar o Nobel da Paz?

Extinção de espécies aumenta em escala sem precedentes, alerta relatório do IPBES. Foto: Jornal da Unicamp
Extinção de espécies aumenta em escala sem precedentes, alerta relatório do IPBES. Foto: Jornal da Unicamp

Indicação do IPBES é reconhecimento da contribuição da ciência para a política em momento crítico de declínio no número de espécies do planeta.

Nesta sexta (9), a Academia Real de Ciências da Suécia vai anunciar o aguardado vencedor do Nobel da Paz. Entre os indicados, está a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos ou International Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), em inglês. Este é um marco para a comunidade científica, em especial, a brasileira, já que o projeto conta com diversos especialistas da Universidade de Campinas*.   

Ciência e Política para a Natureza e para as Pessoas é o lema da IPBES, criada em abril de 2012 a partir de uma parceria entre quatro entidades das Nações Unidas: PNUMA, FAO, PNUD e UNESCO. Seu objetivo é monitorar e gerar diagnósticos e dados sobre biodiversidade e serviços ecossistêmicos para gestores públicos. Com os atuais 137 países-membro, a iniciativa busca aproximar a ciência do governo por meio de subsídios que aprimorem o processo decisivo na defesa da conservação ambiental e do uso sustentável da biodiversidade.

Plenária da IPBES ocorrida na Colômbia: referência na avaliação do declínio da biodiversidade. Foto: Jornal da Unicamp

Plenária da IPBES ocorrida na Colômbia: referência na avaliação do declínio da biodiversidade. Foto: Jornal da Unicamp

A Secretária Executiva do IPBES, Anne Larigauderie, publicou uma nota no site da plataforma em que afirma que o projeto ter sido indicado em um momento em que a ciência sofre ataques sem precedentes e em meio a uma crise de saúde global diretamente relacionada ao desgaste da relação do homem com a natureza é um grande reconhecimento.

Em um ano volátil, marcado por conflitos políticos, incertezas econômicas, fake news e pandemia, o prêmio inclui uma lista diversa com 318 candidatos, de Jacinda Ardern, premiê da Nova Zelândia e Greta Thunberg, ativista do clima, até organizações como a OMS e o movimento Black Lives Matter. Em comum, todos contribuíram de alguma forma à manutenção da paz em tempos de incerteza.

Como o IPBES ajudou a impulsionar a pauta da biodiversidade?

Apesar de não ser a primeira tentativa de sintetizar o conhecimento científico sobre as causas e consequências da perda de biodiversidade, o pressuposto desta iniciativa é fornecer conhecimento relevante para formuladores de políticas públicas.

Quando se trata de biodiversidade, um amplo espectro de estudos ecológicos foi publicado no último século. A Avaliação Global da Biodiversidade, de 1995, e a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, de 2005, são exemplos de trabalhos que corroboram com o crescimento exponencial das taxas de extinção de espécies com influência da ação humana como principal causa.

No entanto, o trabalho do IPBES faz a diferença na sua abordagem inovadora e inclusiva, que procura integrar o conhecimento científico e o não-acadêmico, como o das comunidades tradicionais.

Além disso, seus estudos buscam compreender as configurações de governança: como as decisões são tomadas e implementadas, como o poder é exercido e como as responsabilidades são distribuídas em termos de tomada decisória. Com isso, fatores indiretos somados ao conhecimento disponível constitui-se a chave para identificar as causas da perda de biodiversidade. É também assim que podemos entender por que algumas políticas de conservação funcionam e outras não.

Com o crescente número de ataques à ciência nos últimos anos e a proliferação de notícias falsas, somado ao negacionismo de alguns líderes políticos, a nomeação do Nobel nessa área pode representar uma preocupação mais ampla com o papel da ciência no combate à desinformação. Qualquer que seja a escolha do comitê do Nobel em Oslo, a merecida indicação do IPBES é uma grande inspiração para a comunidade científica.

*Camila Islas – fellow do Diagnóstico sobre Uso Sustentável de Espécies Selvagens.

Carlos Joly – 1º co-chair do Painel Multidisciplinar de Especialistas e membro da força-tarefa em Capacity Building.

Cristiana Seixas – co-chair do 1º Diagnóstico Regional de BES da Américas e editora do Diagnóstico sobre Uso Sustentável de Espécies Selvagens.

Débora Drucker – pesquisadora da EMBRAPA e integrante da força-tarefa de Informação e Dados do IPBES.

Eduardo Brondízio – co-chair do 1º Diagnóstico Global de BES e membro da força-tarefa em Indigenous Local Knowledge.

Jean Ometto – coordenador de capítulo do Diagnóstico Regional de BES das Américas.

Juliana Farinaci – fellow do 1º Diagnóstico Regional de BES das Américas.

Simone Aparecida Vieira – contributing author do Diagnóstico Regional das Américas.

Jaqueline Nichi é graduada em Jornalismo e Sociologia, com mestrado em Sustentabilidade pela EACH-USP. Atualmente, é doutoranda no Programa Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM-UNICAMP). Sua área de pesquisa é centrada nas dimensões sociais e políticas das mudanças climáticas nas cidades e governança local.

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